Capítulo 11: Alta e Baixa Frequência
Trotavam há mais de duas horas quando o vento mudou de direção, soprando para sul. Ali, Dalia aumentou um pouco do ritmo com os cavalos. Foram cerca de mais três horas em linha reta, tomando uma trilha feita de terra macia.
Quando o sol tomou a metade do céu, o primeiro acampamento se mostrou. Tecno ergueu a mão para Dante, o chamando para mais perto e explicando:
— Temos muitos acampamentos para as quatro direções. Pelo menos um a cada dez ou quinze quilômetros. Marcamos dessa forma por causa do anoitecer.
— Não viajamos a noite?
— Não. Por conta da Alta Frequência.
Se aproximaram o suficiente para que os soldados os vissem e erguessem os braços. As estacas de ferro se inclinavam na direção externa, e pequenos cercos de madeira e pedra rondavam todo o acampamento. Dante achou que seria pequeno de longe, mas quando chegou ali, entendeu que todos os esquadrões que faziam missões externas também paravam ali para abastecer ou descansar.
A quantidade de soldados passava dos cem, facilmente.
— Senhora Dalia. — Um dos homens, com um cavanhaque cheio, se aproximou com os braços abertos. — É sempre uma honra de te receber. Sempre mais bonita do que a última vez que te vi.
— Rutteo.
Dalia desceu da montaria e entregou a rédea para ele. Rutteo esperava com os braços abertos, mas Dalia o ignorou. Apontou para o acampamento, encarnado seus Oficiais.
— Guardem o cavalo. Rutteo e eu vamos conversar. Descansem por enquanto.
Viram a senhora recuar com Rutteo todo animado de volta para o acampamento. Dante desceu e Tecno se ofereceu para levar seu cavalo. Caminhavam na direção do estábulo improvisado, alguns dos soldados tentavam prender seus animais agressivos, e o Oficial fez com facilidade pondo os dois amarrados em um poste na horizontal.
Dante o seguiu até um banco de pedra, que dava a vista para os campos verdes e montanhas no fundo.
— Sei que ainda tem muita coisa para assimilar, mas preciso te ensinar algumas coisas aqui de fora — disse Tecno tirando um pequeno cubo de seu bolso direito. — Dalia é uma pessoa forte, como viu esses dias. Estar com ela é complicado, temos sempre problemas burocráticos, e nem preciso dizer o que ela faz ou pode fazer que você deve ter algumas suposições.
— Sim, tenho algumas. — Dante não mentiria para ele. — A habilidade dela. Sei que tem a ver com dar ordens. Senti na Balsa, quando pediu que eu usasse minha energia para Crish.
— Sempre sou sincero, Dante, é uma das habilidades mais estranhas que eu já vi. E ela nem costuma usar muito. — Tecno deu uma risada meio triste. — Por isso, quando eu digo que algumas coisas precisam ser levadas mais a sério, também digo sobre ela. Dalia vem lutando sozinha por muito tempo, e nós não podemos fazer muito desse lado.
— O que seria ‘desse lado’?
Tecno fitou mais uma vez o horizonte.
— Missões. A única coisa que importa para ela é isso. — E encarou Dante. — Fora das muralhas da Capital, aquela mulher tem o mesmo temperamento que uma soberana. Não aceita falhas, e se falhar, conserte antes dela ver. Somos todos humanos, fadados a fracassar alguma hora, mas não falhe com a missão dela.
Dante concordou. Não queria subestimar a capacidade e habilidade da Oficial, sempre gostou de aprender sobre outros que podiam fazer e criar ataques diferentes. Ele não era diferente dela, no entanto, sempre perdeu para o seu pai.
A espada de Render sempre esteve em seu pescoço todas as vezes. Não importava quão rápido ele poderia ser, nem quanto ele esquivava, a espada sempre o encontrava. Então, se sempre perdeu para um único oponente, como seriam todos os outros?
— Pra não falhar na missão — continuou Tecno erguendo o cubo azulado —, vou te ensinar sobre as frequências. Na Capital, temos duas formas de nos comunicarmos. Temos a Alta Frequência, que é uma forma de tecnologia do nosso antigo povo. Eles fizeram de maneira que pudéssemos receber informações instantaneamente, mas eles têm limitações de espaço. Precisam estar no máximo de cinco a seis quilômetros de distância. Usamos dentro da Capital com armas, mapas, escoltas. Nosso sistema de seleção de missões foi desenvolvido por ela.
— E a Baixa Frequência?
— Ela é usada para expandir mais o raio de alcance. Podemos chegar até trinta quilômetros sem precisar repetir o sinal para a Capital. No entanto, aqui fora, não podemos usar a Alta Frequência de jeito algum.
Tecno entregou o cubo para Dante e o fez fechar a mão.
— As criaturas não possuem olhos, você viu, mas seus outros sentidos são muito bem apurados. E eles sentem a Alta Frequência. — Tecno fez uma ligeira pausa. Seus olhos ficaram vagos. — Nós aprendemos da pior maneira que eles podem rastrear tanto o ponto de origem quanto o ponto de recepção.
A pedra era fria, tinha uma cor azulada que lembrava o céu a noite, mas era somente isso. Ele não tentou fazer a Energia Cósmica adentrar, seria errado testar ali do nada. Guardou no bolso diretamente.
— Sei que você deve ter outros pensamentos quanto a Capital — disse Tecno, ainda mais triste do que antes. — Todos nós quebramos a cara quando vemos que não é o que esperamos. Mas, se eu puder te pedir algo, velho, é que faça bom uso do tempo que Dalia lhe deu. Muitos gostariam de ter essa chance, é sério.
— Sei disso. Sei bem disso.
Era o mesmo com os treinamentos no vilarejo. Qualquer um gostaria de ter os ensinamentos que Render lhe ensinou, ou o conhecimento que Linda havia passado na mesa, a noite, sobre animais e plantas. Ou as regras básicas da Energia Cósmica que sua irmã fazia questão de falar sobre nos momentos livres.
A chance era dele.
Não seja protagonista. A frase ainda entrava em seu ouvido, e não saía pelo outro. Apenas mantinha seus pés no chão.
— Você me pede como um aliado ou como amigo, Tecno?
A pergunta o deixou um pouco surpreso, mas o Oficial deu um sorriso.
— Acho que os dois. Considero você um aliado, sem dúvidas. Mas, no ramo em que estamos, fazer amizades é algo bem mais doloroso do que aparenta.
Dante sorriu e levou a mão ao bolso que guardava o Cubo de Comunicação.
— Então, irei levar isso como uma amizade.
Tecno aceitou com bom grado. Ele partiu para as casas onde os Oficiais faziam reunião. E Dante vagou de volta ao estábulo. Parou ao lado do seu cavalo e retirou o charuto dado pelo Comandante Sergi.
Pôs em sua boca e arrastou o dedo um no outro, criando uma pequena fagulha de atrito. Ele tragou pela primeira vez, e tossiu um pouco. O charuto já tinha sido queimado, mas fez uma segunda e terceira.
O gosto era de canela, bem diferente da comida em si. Não sabia que o Comandante Sergi tinha um apreço por esse tipo, mas fez um bom gesto e tragou mais algumas vezes, mantendo ele suspenso na boca enquanto acariciava os pelos de Deco, seu cavalo.
Muitos animais não carregavam nome porque seus donos poderiam perdê-lo a qualquer instante. Sua mãe lhe ensinou isso quando mais novo, no entanto, ela também lhe instruiu que dar nome aos animais também era um sinal de respeito.
— Bom garoto, Deco — disse ao vê-lo erguer a cabeça para receber carinho no pescoço. — Vamos trabalhar juntos.
Ainda com a mão no cavalo, Dante observou Freto sair da casa de reuniões dos Oficiais.
— Ei, Dante. Vem, temos uma nova informação.
O velho passou e chegou até a frente da casa. Não existia uma porta, na verdade, haviam somente três paredes de pedra, e onde deveria estar a quarta era aberta, dando espaço para os Oficiais entrarem e saírem sem dificuldade.
Dalia e Rutteo conversavam bem no centro, tendo uma mesa separando ambos. Um mapa foi esticado com pequenos marcadores avermelhados pontiagudos sobre algumas localidades. Tecno e Crish receberam os dois, que começaram a prestar atenção no que Rutteo explicava.
— E sim — ele já estava no meio quando Dante começou a prestar atenção —, tem moradores por aquelas bandas. Não faço ideia como e nem o porquê, mas eles têm um Cubo de Frequência. Não é a missão de vocês, entendo perfeitamente, mas se puderem dar uma olhada pra mim. Nós enviamos uma dupla de sentinelas fazer reconhecimento faz alguns dias, mas nenhum dos dois retornou.
— Acredita que podem ter sido emboscados?
A cara de Rutteo estava firme, e dura.
— Pode ser que seja pior. Não estamos tendo mais relatos de ataques dos Felroz como antes. A Inteligência da Capital está investigando, mas ainda não tem nada. — Rutteo fechou a mão e repousou na mesa. — Sabe que eu gosto de seguir meus instintos, Dalia. Então, peço que tomem cuidado. O próximo acampamento está cerca de meio dia daqui, então devem partir logo cedo para que não chegue a noite.
Se existia medo no rosto de Dalia, Dante não reparou. Ela é sempre fria e indiferente.
— Vamos amanhã. Quero saber se eles vão mandar outro recado.
— Não adianta. Eu já tentei conversar com eles, mas sempre mandam a mesma coisa.
Tecno estalou a língua, irritado.
— Não estou gostando disso.
Freto e Crish concordaram. Dante foi o único que ficou perdido.
— Missões de coleta não deveriam ter ninguém — explicou Tecno ainda encarando os dois no centro discutindo. Ele cruzou os braços e debruçou em uma das pilares de madeira que suportavam o teto. — Se uma mensagem tem repetições, ele está quebrado.
— Já pegamos um desses antes — comentou Crish. — E tivemos uma baita surpresa dos Salteadores de Lima.
Dante nada disse. Tirou o charuto e encarou sua ponta, ainda queimava, mas não tinha diminuído em nada seu tamanho. Freto e Tecno observaram ele fazer o movimento de levar de volta à boca.
— Sergi sempre carrega um desses. — Tecno apontou para o charuto. — Ele mesmo quem produz. Faz de um material inorgânico, ele queima a canela, mas mantém o tamanho. Nunca vi ele dando assim de graça. Isso indica que o Comandante vai querer sua ajuda alguma hora.
Freto e Crish concordaram.
— Bom, não tem porquê um Recruta ajudar um Comandante. — Dante não se importou de verdade com o presente. Era bem modesto e tinha um bom gosto. — Sobre a missão de coleta, conseguimos nos comunicar com essas pessoas daqui?
— Duvido disso — respondeu Freto apontando para o outro lado da casa.
Haviam cerca de dez Oficiais sentados com vários cubos sendo suspensos no ar. Eles giravam lentamente enquanto energia amarelada era liberada de seu interior.
— Os Oficiais ficam o dia todo captando mensagem de fora — continuou Freto. — Se pudessem mandar, já tinham feito. Infelizmente, nossa comunicação entre Capital e acampamentos é de via única. O acampamento mais longe vai mandar para o mais perto, e seguindo essa linha até chegar à Capital. No entanto, a Capital não pode fazer essa ligação por conta da Alta Frequência e os Felroz.
Dante tinha entendido a explicação que Tecno havia lhe dado algum tempo atrás. As criaturas poderiam sentir as duas pontas, a que emitia e que recebia. Assim, se a Capital enviasse para a mais distante, os Felroz iriam atrás do mais fraco.
— Aqueles merdinhas sem olhos tem um senso coletivo apurado.
Rutteo chegou com Dalia. O braço do Oficial estava atrás do pescoço de Dalia e caía sobre seu ombro direito. Ela não parecia se importar. Mas, ela odeia. Dante podia ver a raiva dela na postura fechada.
— Se enviarmos qualquer sinal, eles nos acham. — Rutteo olhou ao redor e parou novamente nos três. — Sei que vão estar em menor número e levando um Recruta idoso, mas se puderem verificar o próximo Acampamento. A Tenente Gorumet vai estar lá.
— Se tudo estiver correto com eles, não faremos nenhuma alteração na missão.
Dalia saiu grosseiramente sem pedir licença e o braço de Rutteo caiu. Ele deu uma risada e procurou algum sorriso entre os demais, mas Dante continuou o fitando. Será que ele não conseguia entender que Dalia detestava toque físico?
Rutteo riu mais uma vez e deu de ombros, erguendo as mãos.
— O que foi, vovô?
— Minha Oficial não me permite falar o que eu quero. — Dante puxou o charuto, e apontou para ele. — Já bati em um Oficial, não seria ruim dar lição em outro.
Dante ouviu o chamado de Tecno. Fitou Rutteo mais uma vez e saiu caminhando. Voltou a colocar o charuto na boca e os seguiu novamente para o estábulo. Dalia esperou que ele chegasse. Ainda de braços cruzados, ela retirou para limpar o ombro que Rutteo tinha apoiado seu braço.
— Não vamos sair do que foi pedido. Tomaremos a pequena gruta, coletamos os seis cristais e voltamos. Simples e fácil. Não quero problemas.
Todos concordaram. Dalia apenas finalizou dizendo que iriam partir pela manhã. Eles dormiriam em cabanas, e antes de partir, apontou para Dante.
— Você faz a primeira ronda leste. Tecno vai fazer a segunda.
Dante concordou. Dalia não se irritou com o charuto, então ele o manteve.
Ao verem Dalia sumir novamente para a casa de Oficiais, Freto ergueu a mão para Dante.
— Boa patrulha. Fique de olho aberto e proteja a gente, hein.
Dante deu uma risada e bateu na mão dele. E ergueu para Crish, que ficou meio nervosa, e ergueu as duas. O velhote deu um tapa duplo, tirando uma risada deles.
Tecno foi o único que ergueu a mão, negando.
— Não sou jovem para esse tipo de coisa. Vamos manter a formalidade, beleza?
— Certo, senhor.
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