Capítulo 111: Surra Antiga (I)
A voz de Render cortava o ar como um chicote, carregada de desprezo e exigência. Ele encarava o jovem Dante com olhos duros, a espada de bambu em riste, apontando para o chão onde o menino estava caído.
— Fraco! — gritou, o tom carregado de desgosto. — Eu te ensinei a ser fraco? A duelar sem propósito? Suas fraquezas são tão evidentes que até um cego poderia enxergar! Você não passa de uma falha.
Dante estava ajoelhado, os dedos cravados na grama como se ela pudesse lhe oferecer algum tipo de refúgio. Seus pulmões arfavam, tentando controlar a mistura de ódio e frustração que borbulhava dentro de si. Ele engoliu em seco, os olhos marejados, mas não cedeu às lágrimas.
Como vou lutar contra o senhor sem uma arma? A pergunta ecoava em sua mente, mas ficou presa em sua garganta, incapaz de ser verbalizada.
— Seu corpo é a sua arma! — berrou Render, a voz soando como um trovão. O grito fez Dante estremecer. — Levante-se e se defenda!
Mas Dante não se moveu. O som da ordem do pai era abafado pela tempestade interna que o consumia. Ele sabia que tinha algo dentro de si, algo que poderia usar, mas não sabia como controlá-lo. A raiva, a dor, a sensação de inadequação o paralisavam.
Render, impiedoso, avançou. A ponta da espada de bambu tocou o queixo de Dante, forçando-o a erguer a cabeça. Os olhos do pai encontraram os dele: vermelhos, úmidos, cheios de uma raiva reprimida e uma dor silenciosa.
— Acha que fazendo isso vai me ganhar? — A voz de Render era seca, sem traço algum de compaixão. Ele inclinou o rosto mais perto, os olhos penetrantes como lâminas. — Com ou sem habilidade, você ainda é fraco e patético.
Dante sentiu as palavras cortarem mais fundo que qualquer espada. Ele queria gritar, queria dizer ao pai que era apenas uma criança de sete anos, que não era justo ser tratado daquela maneira. Mas sua garganta parecia apertada, incapaz de emitir qualquer som.
Render continuou, sem suavizar a dureza em sua voz:
— Meu filho deve ser mais forte do que eu. Contenha qualquer emoção destrutiva longe dos olhos dos outros. Você aprenderá a ser mais forte que eu um dia. Mas esse dia não é hoje, nem amanhã, e tampouco será daqui a dez anos. Até lá, você vai treinar como se sua vida dependesse disso.
Render recuou alguns passos, ainda com a espada apontada para Dante.
— Sua mãe cuida de tudo para você. Eu faço o dinheiro chegar em casa. E você? — Ele fez uma pausa, o olhar perfurante, como se estivesse esperando uma resposta. — Enquanto estiver vivo e for meu filho, sua única obrigação é treinar até que não reste nada para ser extraído. Faz três anos que está assim, e ainda não aprendeu nada! Nada!
Dante sentiu um nó na garganta, mas não cedeu. Ele sabia que não adiantava argumentar.
Render abaixou a espada por um instante, mas sua postura permanecia imponente.
— Agora, levante-se e comece de novo. Fará até que não erre. Aprenda o estilo e domine-o. — Ele ergueu a espada novamente, apontando para o peito de Dante. — E depois, todos eles serão seus!
As palavras ficaram gravadas na mente de Dante como marcas de fogo. Ele apertou os punhos contra a grama e se levantou lentamente. A raiva que sentia não era apenas contra seu pai, mas contra si mesmo. Contra sua fraqueza.
Naquele momento, ele fez uma promessa silenciosa. Ele aprenderia. Ele dominaria cada estilo. E um dia, usaria esse conhecimento para derrotar o homem à sua frente.
Com ou sem uma espada, Dante arrancaria a arrogância que transbordava dos olhos de Render. Um dia, ele mostraria que não era mais uma falha.
I
Verônica arregalou os olhos ao ver Dante desviar de mais dois com um salto giratório, fugindo entre as quatro garras que se libertou. Quando o humano pisou novamente no chão lamacento, os dez vultos apareceram.
Ele pode atacar de dez lugares diferentes, e usou os membros adicionais para atacar de todos os lugares onde era mais possível de vir o ataque. Sua armadura física espelhava para sua perna e braços, na hora — essa era Valkiria.
Quando ela criou mais uma lâmina, esperou que Dante expelisse mais três golpes, ficando exposto pela costela direita. Era sua falha.
E o viu usar aquele movimento para rotacionar completamente, ficando de costas, e saltar por cima dela num mortal perfeito. Verônica olhou para cima, os dois se encarando por segundos. Não iria deixá-lo ir, girou na mesma hora, usando os braços, mas Dante já estava na sua frente.
— Consegue ver agora?
Os dez vultos se multiplicaram em vinte, e Verônica engoliram em seco. Ele tinha mais de vinte possíveis movimentos naquela distância, naquele ângulo, naquela fração de segundo.
Fez força para frente com a lâmina Valkiria, mas não conseguia mexer o braço. Quando abaixou o olhar, os dedos de Dante agarravam o metal. A força dele não era igual aos dos outros que enfrentou, nem mesmo chegava perto comparado com a velocidade.
Era a habilidade. Aumentar a eficiência corporal para ser mais rápida e mais forte. Se fizesse…
— Está pensando demais — ele a cortou. Ele se aproximou, os olhos brilhando em um tom roxo, com Energia Cósmica. — Você pode ter visto a história passar diante dos seus olhos, pode ter visto cada um dos movimentos nos livros ou nos registros em hologramas. Pode ter até mesmo pensado que os humanos são dignos de serem escravizados por terem destruído o mundo em que vivem, e pode não querer culpar os Felroz. O Rastro te deu essa habilidade de prever, mas a mão que te dá é a mesma que te tira.
Pela primeira vez, Verônica sentiu um receio onde deveria ser seu peito. As análises diziam que não importava o golpe, Dante era mais fraco do que ela. Estava observando ele desde que pisou em Kappz. Sua queda, sua primeira luta, as aventuras, até mesmo no Reservatório e no Centro de Pesquisa, poucas horas atrás.
Tudo indicava apenas uma coisa: ‘Nada impressionante’.
Verônica parou por um momento, o som metálico de seus movimentos diminuindo. A voz de Vick reverberava dentro de sua mente como uma faca de lâmina dupla, cortando sua confiança com precisão cirúrgica.
“Você parece perdida, Inteligência Artificial Superior ”— a voz de Vick soou com uma calma cortante. — “Acreditar que os humanos são frágeis lhe deu essa pequena falha em sua categorização que diz ser perfeita”.
Verônica tentou ignorar, focando em Dante, mas a presença da IA mais antiga parecia estar em toda parte, impossível de silenciar.
“Acha que está subjugando o humano que meu mestre com tanto afinco criou?” — continuou Vick, com uma suavidade quase cruel. — “Realmente acredita que tudo o que viu sobre ele é a verdade absoluta? Ainda está confiante de que o que você acha ser real é realmente real?”
Dante aproveitou a distração e avançou. Com um movimento brusco, ele desferiu uma cabeçada contra Verônica, acertando o centro do visor brilhante de seu rosto. O impacto fez a IA recuar um passo, o som metálico ecoando pela sala.
Verônica ergueu o olhar, mas o que viu a fez hesitar. Ao redor de Dante, vultos começaram a se formar. Não eram apenas reflexos ou ilusões, eram sombras dançantes, dezenas delas, que se moviam como se fossem extensões do próprio corpo. Cada movimento seu parecia multiplicar-se, desafiando qualquer cálculo ou previsão que a IA pudesse fazer.
Trinta vultos.
O braço de Dante, movendo-se lentamente, parecia distorcer a percepção da IA. Ela gelou, incapaz de compreender como aquilo era possível.
“O que você vê, Verônica II, é apenas o que eu deixo você enxergar” — a voz de Vick ecoou novamente, cheia de ironia.
Dante sorriu, um sorriso que não carregava arrogância, mas uma confiança sólida, construída ao longo de anos de treinamento e sofrimento. Ele fechou o punho perto do peito, a outra mão erguida em uma postura que exalava controle absoluto.
— Perdão, IA — disse ele, a voz firme, mas calma, como se estivesse explicando algo trivial. — Mas eu sou formado em seis milhões de formas de te descer a porrada.
Ele fez uma pausa, inclinando a cabeça levemente.
— Agradeça ao meu pai.
A voz de Vick completou, implacável:
“Agradeça ao mestre Render.”
Verônica sentiu um calafrio percorrer seu sistema. Pela primeira vez, desde que havia sido ativada, sentiu algo que não estava em sua programação. Algo que não fazia sentido, mas era inegável.
Medo.
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