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    Dante apertava o pescoço de Verônica, seus dedos firmes, mas controlados, enquanto olhava para Juno. A decisão que estava prestes a tomar o incomodava. Ele já havia passado por isso, e sabia o peso que aquela escolha poderia trazer. Não era algo que ele desejava para ninguém, muito menos para uma garota tão jovem.

    Se ela perder o controle no futuro… se essa IA a dominar… — o pensamento o atravessou como uma lâmina fria. Ele sabia o que teria de fazer nesse caso. A dúvida pesava, mas não havia alternativa clara.

    Dante suspirou, virando o braço que segurava Verônica para que todos pudessem vê-la.

    — Juno, você escolhe, — disse ele, sua voz firme, mas sem perder o tom sério. — Para acessar o que ela possui, Vick disse que precisamos de um portador. Assim como sou para Vick, você seria para ela.

    Jix e Marcus estavam em silêncio, suas expressões tão fechadas quanto o momento exigia. Não era a escolha deles, e eles sabiam disso. Apenas Juno poderia decidir.

    Dante manteve os olhos fixos nela, mas continuou:

    — O que está na sua frente é o mesmo que eu tive, garota. Se você subjugá-la, terá acesso a algo maior: respostas sobre sua força, suas habilidades, sua percepção. Desde que Vick está comigo, entendi mais sobre minhas limitações e aprendi a superá-las. Mas essa escolha… ela vem com um preço.

    Verônica, ainda presa, soltou uma risada fraca, quase sombria.

    — Que belo final, — disse ela, a voz distorcida, um tom ácido em suas palavras. — Forçada… a ser cobaia de uma criança.

    Um líquido escuro começou a escorrer do corpo metálico dela, pingando no chão como uma declaração de sua derrota.

    Dante estreitou os olhos, ignorando a provocação da IA. Ele voltou-se para Juno novamente, esperando.

    — Essa escolha não é fácil, Juno. Mas ninguém pode fazê-la por você.

    Juno subiu os degraus calmamente, o som de seus passos ecoando no ambiente silencioso. Seu olhar nunca deixava o de Verônica. A paz dela era um caos para a IA. E Verônica, mesmo derrotada, não deixou de lançar suas palavras afiadas:

    — O que foi, pirralha humana? — cuspiu, a voz carregada de desdém. — Acha que vou suplicar pela minha vida? Que minha história será apagada se eu morrer aqui? Você… você não é nada além de algumas dezenas de anos num universo de bilhões.

    Juno não respondeu de imediato. Seus passos firmes a levaram até Verônica, onde parou, a poucos centímetros da IA. Ela observava cada detalhe do corpo metálico, marcado pelos golpes, mas ainda de uma beleza fria e impressionante. Havia algo hipnótico naquela estrutura.

    Com delicadeza, ela ergueu a mão, estendendo os dedos até tocar a bochecha de ferro gelada de Verônica. O leve contato liberou um curto, faiscando por um instante na ponta de seus dedos.

    — E o que nos difere, então? Só a carne? — Juno perguntou, sua voz suave, mas carregada de uma intensidade que fez até Dante prender a respiração. Ela balançou a cabeça, como se negasse algo profundamente íntimo.

    Seus olhos não desviaram dos de Verônica enquanto continuava:

    — Prefere morrer sozinha aqui, nessa jaula de vidro, com todos os seus séculos de existência… ou permanecer comigo por algumas dezenas de anos e ver o mundo que você tanto leu nas histórias?

    Havia um tom de súplica, mas não de fraqueza, em sua voz. Era como se Juno estivesse oferecendo algo maior do que simples sobrevivência — um propósito, uma redenção.

    — Não existe nada que eu já não tenha visto, — Verônica respondeu, sua voz tremendo entre a amargura e a exaustão. — Se quer tomar minha capacidade, minha informação, então retire de mim e coloque em você, mas não me obrigue a ser sua escrava.

    Os olhos metálicos da IA brilharam com lágrimas marrons, densas como óleo, escorrendo lentamente pelas bordas de seu rosto. O contraste entre a dureza de suas palavras e a fragilidade daquela expressão tocou algo em Juno. Aquela não era a reação de uma máquina.

    Juno manteve-se firme, sem recuar diante do ódio destilado por Verônica. Naquele breve instante, enquanto encarava os olhos avermelhados e via o vislumbre de tristeza escondido atrás de sua hostilidade, ela compreendeu algo que nenhum dos outros parecia perceber: Verônica não era feliz. Não ali.

    — Eu não sinto pena de você, — Juno disse, sua voz baixa, mas carregada de convicção. Ela levou a outra mão ao rosto metálico, seus dedos deslizando suavemente sobre a superfície fria.

    Ela se aproximou ainda mais, até que suas testas quase se tocassem, sua respiração leve contrastando com a tensão que dominava o ambiente.

    — Nem misericórdia.

    Dante sentiu a estática formigando em seus dedos quando uma carga elétrica inesperada o obrigou a soltar a garganta de Verônica. Ele recuou instintivamente, observando os fios de sua roupa e os cabelos começarem a se erguer, dançando com a energia que preenchia o ar. A visão diante dele era quase surreal: Juno puxava Verônica para si, encostando suas testas em um gesto tão audacioso quanto inexplicável.

    A voz de Vick ecoou em sua mente:

    Níveis de Energia Cósmica subindo. Juno está forçando a IA Superior a se fundir em sua consciência por ligação elétrica. Isso é… impressionante”.

    Dante estreitou os olhos, tentando processar o que estava acontecendo. Ele nunca imaginou que Juno pudesse fazer algo assim. Não era apenas ousadia — era poder, um tipo de conexão que ele tinha com Vick, mas não dessa maneira. Não dessa forma.

    Enquanto as duas se erguiam lentamente do chão, escombros, fios e pedaços de metal ao redor delas flutuavam como se o próprio ambiente estivesse sendo puxado para a gravidade de algo maior. Jix e Marcus correram para dentro da jaula de vidro, seus rostos igualmente marcados pela surpresa.

    — Essa foi uma decisão arriscada, — Jix murmurou, posicionando-se ao lado de Dante e tocando em seu ombro. — Suas apostas sempre são dessa forma? Precisa ser mais racional quando decide colocar sua vida em risco.

    — Em nenhum momento eu pensei que ia perder.

    — Disso eu não tenho dúvidas.

    Juno e Verônica tiveram o brilho em seus rostos, ofuscando a visão dos três. Dante virou o rosto, e quando sentiu que não havia mais perigo em observar, voltou para encarar. Diante dele, apenas havia Juno, parada com as mãos erguidas, enquanto o corpo frio e metálico da IA havia tombado para trás.

    Marcus foi o primeiro a quebrar o silêncio, apontando para a cabeça de Juno.

    — Seus cabelos… ficaram brancos.

    Juno, confusa, tocou os próprios fios, segurando mechas que agora reluziam como neve sob a luz. Ela encarou Dante e Jix, com um sorriso meio surpreso, meio divertido.

    — Estou igualzinha a vocês, olha!

    Dante cruzou os braços, um sorriso quase imperceptível surgindo em seu rosto.

    — Bem-vinda ao clube.

    Jix bufou, sacudindo a cabeça.

    — Ela acabou de sugar uma Inteligência Superior, e você já está fazendo piada?

    — Claro — Dante respondeu. — É o que fazemos depois de ganhar.

    Ele abriu os braços e Juno caminhou na sua direção, o abraçando. Dante não queria levar a garota a uma situação ruim, nem que Verônica dominasse seu corpo, mas Vick tinha sido a principal detentora de querer manter Verônica presa, por isso, silenciou que os outros ouvissem o que ela dizia naquele momento.

    “Não importa se é um Superior ou Inferior, a falha é evidente quando emoções e sentimentos cegam seu raciocínio. Juno era a única capaz de assimilar a habilidade padronizada de Verônica, e isso também causa um aumento exponencial na evolução da humana”.

    Dante abraçou Juno mais ainda – esse era um peso que ela poderia carregar até que ele soubesse o que fazer com Verônica. E se ela conseguisse controlar uma IA Superior, a situação iria melhorar ainda mais.

    Quando eles se separaram, as bochechas de Juno ganharam uma cor metálica, como se a pele tivesse sido descascada.

    Parece que conseguiram, de fato, me aprisionar em um corpo humano – a voz dela penetrava na mente deles, mas era como se estivesse em todos os lugares também. — Eu perdi, humano. E como apostamos, farei o que pediu. No entanto, não ache que essa será a última vez que nos enfrentaremos. Ainda irei ter sua cabeça.

    Juno fechou a mão e respondeu de imediato:

    Pra chegar no mestre, vai ter que passar por mim. Vou acabar com você também.

    Os três que assistiam nada disseram. Juno simplesmente estava confrontando Verônica por conta própria.

    E ai de você se fizer algum mal ou mentir, nunca mais vai sair daí, entendeu? — E apontava como se pudesse ver a IA. — Vou te ajudar e você vai me ajudar, é assim que vai funcionar.

    Mesmo que parecesse falar sozinha, o peso de suas palavras ressoavam pela sala. Marcus, que até então observava calado, soltou um suspiro pesado e balançou a cabeça.

    — Parece que as coisas estão saindo do meu controle, e eu não posso fazer nada.

    Ele virou as costas, saindo da jaula de vidro sem esperar resposta.

    — Vou armazenar as comidas que vimos. Espero vocês lá fora.

    Dante ficou observando Marcus sair, mas não respondeu. Em seu íntimo, ele sabia que aquilo era só o começo. Juno tinha assumido uma responsabilidade maior do que ela poderia imaginar, mas ele também não estava disposto a deixá-la enfrentar isso sozinha.

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