Capítulo 114: Reunião Imediata
Dante permaneceu atento a Juno enquanto eles retornavam à sala. Ele não conseguia afastar a sensação de que algo inesperado poderia acontecer. Afinal, ele já havia testemunhado como a Pedra Lunar alterara Degol Jones, transformando-o completamente. O irmão mais novo dos Jones, antes impulsivo e caótico, havia se tornado um homem mais respeitoso e consciente, compreendendo melhor as dificuldades enfrentadas pela cidade.
Da mesma forma, a Pedra havia causado mudanças profundas em outros, como os Felroz, cuja mutação lhes concedera habilidades extraordinárias. No entanto, Juno parecia diferente. As alterações físicas em seu corpo eram sutis: mechas de cabelo brancas e uma leve coloração metálica em uma parte do rosto.
Enquanto ela caminhava, Juno percebeu o olhar fixo de Dante. Com um pequeno sorriso, acenou para ele de maneira tranquila, como se nada tivesse mudado.
“Nenhum nível anormal de personalidade ou Energia Cósmica”, comentou Vick, voltando a falar em sua mente com o tom analítico de sempre. “Permissão para averiguar a Inteligência Verônica sempre que possível.”
Dante concordou mentalmente com o pedido. Vick estava sempre de olho, e ele sabia que isso seria crucial para manter Juno segura.
Do outro lado da sala, Marcus estava ocupado. Ele segurava duas caixas em uma das mãos enquanto retirava uma maleta de suas costas com a outra. Ao colocá-la no chão, as caixas em cima começaram a encolher, compactando-se em cubos com suportes metálicos nas arestas.
Sem dizer uma palavra, Marcus retirou mais cinco cubos semelhantes e os prendeu ao cinto. Depois, pegou outra maleta, colocando-a cuidadosamente ao lado da primeira.
Jix observava com um olhar de curiosidade e aprovação.
— Parece que foi Degol quem deu isso pra ele — comentou Jix, cruzando os braços. — Eu já tinha ouvido falar dessa maleta, mas parece que Marcus conseguiu replicá-la. Mesmo que a habilidade dele não seja a mais útil para combate, é impressionante como ele consegue recriar objetos apenas pelo toque.
Dante franziu o cenho, tentando se lembrar de quando Marcus desenvolveu uma habilidade tão refinada. Aquilo não era algo que ele associava ao atirador.
— Não me lembro disso ser algo que ele fazia antes — murmurou Dante, quase para si mesmo.
Jix assentiu, compartilhando a dúvida.
— Melhor esperar ele guardar tudo para irmos embora.
E foi exatamente isso que Dante fez. Após se certificarem de que todas as caixas de suprimentos — tanto as abertas quanto as lacradas — estavam devidamente organizadas, ele liderou o grupo para fora do Centro de Pesquisas. A saída foi marcada por um silêncio, quebrado apenas pelo som dos passos e o leve rangido das maletas compactas sendo transportadas.
Quando abriram a porta principal, foram recebidos pelo ar cortante e gélido da tempestade que ainda assolava a cidade. O vento uivava, levantando pequenos redemoinhos de neve que dançavam sob a falsa luz de postes quebrados e a escuridão do céu nublado.
— Bom, está na hora de voltar pra casa. — Marcus tomou a dianteira, e o restante os seguiu.
I
Clara estava sentada perto da longa mesa de madeira desgastada, na cozinha improvisada do abrigo. As paredes de concreto cru deixavam passar um frio constante, apesar do fogo que ardia fraco no pequeno fogão a lenha. Rita, com seus cabelos brancos presos em um coque firme, organizava sacolas de pano cheias de mantimentos ao lado, enquanto Clara revisava a lista com atenção.
A folha estava marcada com anotações apressadas e algumas palavras riscadas, resultado de tentativas frustradas de reorganizar os estoques. O lápis em sua mão tremia ligeiramente devido ao frio, mas Clara ignorava a sensação, concentrada em encontrar soluções. Fazia semanas que não enfrentavam escassez, mas a tempestade e as notícias de Dante a haviam alertado. Eles precisariam começar a reduzir as porções para garantir que o abrigo continuasse funcionando.
Ela ouviu passos no corredor antes mesmo de Meliah se anunciar. O som pesado de botas sobre o chão ecoava no ambiente silencioso, acompanhado de um leve chiado, provavelmente da neve derretendo. Quando ele finalmente apareceu na entrada, sua voz carregava um tom leve, quase zombeteiro, que já era familiar para Clara.
— Cheguei! — Meliah ergueu as mãos cobertas por grossas luvas de lã e sorriu. A neve acumulada em seus ombros derretia lentamente, formando pequenas poças no chão ao seu redor. — Consegui pegar o que pediu com Luma. Deve chegar daqui uns 20 minutos.
Clara levantou os olhos da lista e encontrou o olhar dele, notando o rubor causado pelo frio em suas bochechas. Ele parecia satisfeito consigo mesmo, como sempre, mesmo depois de encarar o clima hostil lá fora.
— Ótimo. — Ela passou os dedos pela borda da lista, dobrando-a cuidadosamente. Ainda havia itens pendentes, mas o que tinham conseguido garantir já seria suficiente para mais três semanas sem precisar fracionar as porções. Era um alívio, mesmo que pequeno.
Rita, que até então estava concentrada em sua tarefa, resmungou enquanto amarrava uma sacola.
— O que houve? — Meliah se aproximou mais ainda. — Ainda estão preocupadas com aqueles caras? Acho que não deveriam. Sei que estou há pouco tempo aqui, Clara, e agradeço cada segundo do que fez por nós, mas deveria ter um pouco mais de fé neles.
— Tenho bastante fé — murmurou observando a lista. — Bastante fé. Não me preocupo com quem pode se defender, mas sim com quem não pode.
Um som de baque seco soou acima deles. Os três encararam o teto, e ouviram passos curtos e alguns apressados. Clara abaixou os braços, aliviadas, e começou a caminhar na direção da escada, para subir nos mais altos andares, mas quando chegou no primeiro degrau, viu Marcus e Jix descendo juntos.
— Tem muita coisa que preciso fazer para melhorar — dizia Marcus apontando para a própria Carabina. — Sei que posso mecanizar, mas aprendi algumas coisas interessantes. Queria que me ajudasse depois.
O velhinho concordava usando a bengala para descer um degrau de cada vez, ouvindo atentamente. Quando os dois viram Clara parada mais embaixo, eles acenaram com a cabeça, e indicaram para cima.
Eles cumprimentaram Meliah atrás, mas Marcus não falou nada com o irmão mais velho dos Jones. Ainda tinha ressentimentos com os dois.
— Vick me disse que você pode tentar usar Verônica para melhorar algumas das suas habilidades. Quando voltarmos a treinar, precisa ver se consegue sincronizar aquela habilidade de previsão também.
— Vou tentar, mestre. A luta foi acirrada?
Dante fez uma careta, negando.
— Ela só tinha uma habilidade. Prever movimentos também pode ser usado contra ela, por isso eu consegui acertar depois de um tempo.
Juno concordou com uma expressão sorridente. Ela realmente admirava muito Dante, Clara não tinha dúvidas quanto a isso. Sempre a via esperando que o velho homem pudesse ajudá-la, dar conselhos, nem mesmo Jix tinha tanta reverência dela.
E claramente o motivo era porque Dante nunca demonstrou uma fraqueza sequer na frente deles.
Clara já tinha se perguntado se ele tinha alguma.
Quando seus olhos se encontraram, ela percebeu que Dante recuou os ombros.
— Ah, Clara — foi o sorriso mais forçado que ele já tinha dado. — Eu bem que gostaria de conversar com você. Podemos fazer em particular?
Ela fechou a cara e concordou lentamente. Dante começou a subir quando ouviu Marcus a chamar, por trás.
— Senhora, nós achamos alguns suprimentos. Gostaria de deixar no sétimo andar.
— Sem problema, estamos com espaço sobrando.
Marcus retirou o óculos térmico.
— Acredito que teremos que ampliar um pouco o espaço.
Clara abriu a boca, mas Dante a chamou lá em cima.
— Você vem?
Ela apontou para Marcus de maneira leviana, e suspirou.
— Faça o que achar necessário. Vou conversar com Dante e depois nos encontramos. Pode fazer um relatório do que trouxeram? Não parece ser muito.
Jix deu uma risada e Juno também. Clara não entendeu muito bem, mas sabia que não era um deboche.
— Faço, senhora — respondeu Marcus dando as costas indo até onde ela tinha deixado a prancheta. — Juno, vamos. Vou te ensinar a fazer um relatório decente.
Eles estavam… mais unidos, Clara percebeu quando os três se foram. Alguma coisa tinha acontecido no Centro de Pesquisa. Ela subiu rapidamente as escadas, iria descobrir de uma vez por todas.
Quando chegou ao nono andar, encontrou Dante de costas, parado diante de uma janela que dava vista para a cidade destruída. A tempestade de neve pintava o horizonte de branco, ocultando qualquer vestígio do mundo além das ruínas próximas. Ele estava imóvel, exceto pela respiração pesada que fazia seus ombros subirem e descerem lentamente. Uma das mãos segurava a borda da janela com força, enquanto a outra permanecia atrás das costas, os dedos se abrindo e fechando como se tentassem agarrar algo invisível.
Clara parou por um momento, hesitando. Ele parecia tão diferente do Dante que todos conheciam: sempre firme, sempre inabalável.
— Vai me dizer que está arrependido de ter saído para o Centro de Pesquisa? — ela perguntou, a voz carregada de irritação, mas também de preocupação.
Dante não se moveu.
Clara deu mais um passo, tentando manter o tom firme.
— Eu disse que era perigoso, mas você levou Jix e Juno mesmo assim. Sei que está preocupado com o bem-estar de todos, sei que está vivendo uma vida mais complicada do que era antes.
Ela forçou um pouco mais, observando como ele abaixava a cabeça, ainda encarando a janela.
— Não quero que você se enfie em cada luta só porque acha que isso pode te levar embora. O que você acha que vai acontecer se morrer do nada? Acha que vamos conseguir viver sem pensar que foi culpa nossa?
A cada palavra, Clara se aproximava mais, cruzando a distância entre eles. Agora estava a menos de dois metros, e a presença de Dante parecia preencher o espaço. Ele era alto, e a luz que vinha da janela projetava uma sombra sobre ela, uma sombra pesada e sombria, que quase a fez hesitar.
— Por que está desesperado pra fazer tudo, Dante?
Nenhuma resposta.
Clara apertou os lábios, a irritação crescendo.
— Não vai ser corajoso para responder minhas perguntas, mas foi um leão para ir até lá, não é?
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Dante se virou abruptamente e a abraçou. Clara ficou surpresa, as palavras morrendo em sua garganta. Os braços dele eram fortes, mas naquele momento havia algo de diferente: uma fraqueza, uma necessidade de apoio. Ele a segurou como se estivesse tentando evitar que seu próprio mundo desabasse.
Clara levou alguns segundos para reagir, mas então retribuiu o abraço, passando os braços ao redor dele. A cabeça de Dante pendia sobre o ombro dela, e sua respiração estava quente e pesada contra seu ouvido.
— Eu só preciso… parar um pouco para respirar — ele sussurrou, a voz quebrada. — Eu descobri que estou tão longe de casa que morreria antes de chegar lá.
Clara sentiu o coração apertar, mas não disse nada.
— Vick me disse, quando eu estava vindo, que pelo mapa que achamos no Centro de Pesquisa… eu ficaria 50 anos andando para voltar para minha família. Eu acho que… nunca mais vou ver nenhum deles.
O silêncio que se seguiu era pesado, interrompido apenas pelo som distante do vento contra o prédio. Clara apertou o abraço, sentindo o peso das palavras dele.
— Dante… — começou ela, mas não sabia o que dizer. Como poderia oferecer conforto quando ele acabara de confessar que sua maior esperança estava fora de alcance?
Ainda assim, ela ficou ali, segurando-o, enquanto o homem que todos viam como inabalável finalmente mostrava que também carregava cicatrizes profundas.
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