Índice de Capítulo

    Talia estava sentada na bancada da sala de utilização de sistemas, seus dedos tamborilando levemente sobre a superfície metálica fria. O ambiente era iluminado por uma luz branca artificial, que refletia nas superfícies limpas e polidas, quase ofuscantes. Os monitores piscavam com informações incompreensíveis para a maioria, mas que para ela eram familiares como o próprio batimento cardíaco.

    À sua frente, o Sargento Denfi estava de costas, a postura rígida como sempre, conversando com dois outros oficiais através de uma pequena janela de vidro reforçado. Suas vozes ecoavam baixas, um murmúrio de palavras técnicas e estratégias. Todos vestiam o branco impecável das Forças de Sistemas, um contraste gritante com o uniforme preto que Talia usava, marcando sua posição no Comandos.

    O preto parecia absorver a luz ao seu redor, tornando-a quase uma sombra no ambiente estéril e claro. A diferença de cores não era apenas estética, mas simbólica, um lembrete constante de que ela era uma intrusa naquele espaço, alguém que não pertencia completamente ao mundo metódico e controlado da sala de sistemas.

    Enquanto esperava, Talia mantinha a cabeça erguida, mas seus olhos percorriam a sala com uma mistura de cautela e curiosidade. Ela sabia que sua presença ali chamava atenção, mesmo que ninguém a olhasse diretamente. O preto de seu uniforme carregava uma reputação, uma história que os brancos preferiam evitar.

    A pequena janela onde o Sargento conversava exibia a movimentação do corredor do outro lado, pessoas indo e vindo com clipes de dados e relatórios em mãos. Era um lembrete constante do ritmo frenético do mundo exterior, em contraste com o silêncio controlado dentro daquela sala.

    Talia ajustou o peso na bancada, inclinando-se levemente para frente. Havia uma tensão em seu corpo, uma espera que não era apenas física, mas emocional. Ela estava ali para algo importante, algo que sabia que poderia mudar o curso das coisas, mas também algo que a colocava em uma posição delicada.

    Quando Denfi finalmente se virou, seus olhos encontraram os dela por um momento antes de ele falar.

    — Soldado Talia, o que tem para mim?

    A pergunta foi direta, sem rodeios, como era esperado dele. Mas a forma como seus olhos percorreram rapidamente o uniforme preto mostrava que, por trás da fachada de indiferença, ele sabia que ela não era apenas mais uma soldado. Ela era do Comandos. E isso sempre mudava tudo.

    Vim ver sobre… os estudos que o Comandante Sergi deixou para mim, senhor.

    Talia permaneceu de pé, a postura firme, mesmo enquanto o Sargento Denfi franzia o cenho diante de sua resposta. A sala parecia ficar ainda mais silenciosa quando ele se virou para a pequena janela, chamando alguém para buscar sua ficha.

    — Ei, alguém pega a ficha da soldado Talia, por favor.

    Os dois minutos seguintes se arrastaram como uma eternidade. Talia podia sentir o olhar dele pousar sobre ela várias vezes, avaliando-a como se fosse um enigma a ser resolvido. A tensão era palpável, mas ela se recusava a demonstrar desconforto. Seu uniforme preto era uma lembrança constante de sua posição e de como isso a separava dos outros.

    Quando a ficha finalmente chegou, Denfi a pegou e começou a folheá-la, seus olhos percorrendo os registros com atenção. Ele estreitou os olhos e, de repente, um sorriso de lado apareceu em seu rosto.

    — Isso aqui está certo, soldado? — perguntou ele, levantando a cabeça para encará-la. — Está patenteando duas ideias ao mesmo tempo sem um fundamentalista para verificar?

    Talia respondeu com calma, sem hesitar:

    — Não é necessário quando a ideia é teórica, e não pratica.

    Denfi balançou a cabeça lentamente, como se ponderasse algo. Ele caminhou até uma cadeira próxima e sentou-se com a coluna reta, ainda examinando os papéis.

    — Nota perfeita em todas as matérias estruturais, cálculos e até mesmo redatoras. Recomendação de dois Comandantes: Sergi e Alburquerque. E, veja só, até uma notificação estranha do Comandante Sinali, indicando uma suposta promoção.

    Ele ergueu o olhar, avaliando-a novamente.

    — Estou me empenhando, senhor — respondeu Talia, a voz firme, mas respeitosa.

    — Claro que está. É o que parece. E mesmo assim, não pode fugir da sua raiz, não é?

    Talia inclinou ligeiramente a cabeça, surpresa pela mudança no tom.

    — Como, senhor?

    Denfi deixou a prancheta cair na bancada com um baque seco.

    — Ora, é o que eu estou dizendo. Pode ter todas as recomendações possíveis, ainda vai ficar agarrada por ser uma estrangeira.

    O silêncio pairou pesado entre os dois. Talia não reagiu imediatamente. Ela respirou fundo, os olhos fixos em um ponto da bancada. Era uma verdade que já conhecia, mas ouvi-la dita assim, tão abertamente, ainda era um golpe.

    — Certo, mas não foi isso que eu pedi — disse ela finalmente, a voz mais baixa, mas ainda controlada. — Apenas solicitei para saber se as duas patentes foram aceitas.

    Denfi riu, um som curto e cínico, antes de balançar a cabeça.

    — Por que não conseguiu entender o que eu quis dizer? Pode tirar notas muito boas, ser a melhor aluna, mas não entendeu nada daqui, não é? A Capital deve ser bem difícil para uma pessoa que viveu na roça.

    As palavras perfuraram o ar como uma faca, mas Talia não vacilou. Seus olhos se estreitaram levemente enquanto ela inclinava o corpo para frente, firme.

    — Senhor, queira me desculpar, mas pode me dar a resposta ou não? Tenho mais coisas a fazer do que ficar ouvindo.

    Sua voz estava carregada de uma frieza cortante, e a sala pareceu ficar ainda mais quieta. Denfi a observou por um momento, o sorriso desaparecendo gradualmente de seu rosto. Talvez ele estivesse testando os limites dela, ou talvez tivesse percebido que ela não era alguém que se dobrava facilmente.

    A espera era insuportável, mas Talia sabia que não podia recuar. E no fundo, Denfi sabia disso também.

    Denfi foi novamente até a janela, murmurando algo para a pessoa do outro lado. A figura lá dentro parecia hesitante, balançando a cabeça enquanto lia o documento que Denfi havia entregado. O Sargento, ao retornar, parecia carregado de falsa compaixão, seus olhos exibindo uma satisfação mesquinha.

    — Não foi aceita — disse ele, com um tom lamentoso, quase teatral.

    Talia não hesitou. Seus olhos se estreitaram, e sua voz saiu com uma precisão cortante:

    — Ótimo. Me dê os dois documentos que enviei.

    Denfi piscou, surpreso pela resposta imediata. Por um momento, ele ficou sem reação, mas antes que pudesse dizer algo, Talia ergueu o dedo, apontando diretamente para ele.

    — E espero que goste muito dos Comandantes, Sargento Denfi. Porque, se esses documentos forem patenteados por outra pessoa que não seja eu, vou caçar sua raiz até que sua mãe conheça a vergonha do filho que criou.

    Sua mão bateu com força na bancada, o som ecoando pela sala.

    — Agora, você vai mandar aquele seu capacho lá dentro me devolver todos os meus estudos, ou eu mesma vou entrar aí e tirar à força. E não sei se sabe, mas eu posso fazer isso.

    Denfi tentou recuperar sua autoridade, endireitando-se e apontando o dedo para ela.

    — Soldado Talia, se ousar…

    Mas ela o interrompeu com uma voz firme e impiedosa, que cortou o ar como uma lâmina:

    — Acha que eu tenho medo de você, doente preconceituoso?

    O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Pessoas no corredor atrás dela e até mesmo dentro da sala de Sistemas pararam o que estavam fazendo, atraídas pelo confronto.

    — Ser estrangeira não me define em nada. Quer testar minha paciência ou minha inteligência? Eu ouso porque posso, pela própria Lei de Usurpar, da Capital.

    Talia deu um passo à frente, sua presença quase esmagadora. Ela esticou o dedo novamente, agora diretamente para o rosto de Denfi.

    — Vai me dar o papel ou vou ter que te transformar de novo em um Cabo por interferir no trabalho dos Comandos?

    As palavras ressoaram com autoridade, como um golpe direto na reputação de Denfi.

    Naquele momento, Talia lembrou-se das histórias que Dalia havia contado sobre Dante, de como ele havia enfrentado desafios semelhantes. Não era apenas sobre ela. Era sobre todos os estrangeiros que lutaram para conquistar seu lugar em um mundo que parecia querer empurrá-los para baixo. A força e a determinação que Dante demonstrara pareciam correr em suas veias agora, fortalecendo-a.

    Denfi hesitou, seus olhos indo para a janela como se procurasse ajuda, mas ninguém veio em seu auxílio. Ele abriu a boca para protestar, mas foi cortado novamente.

    — Vai, cacete! — Talia elevou a voz, impaciente, sua irritação transbordando. — Pegue logo. Estou com pressa.

    Finalmente, Denfi bufou, gesticulando para alguém dentro da sala de Sistemas. Relutante, a pessoa trouxe os documentos, entregando-os a ele. Denfi jogou os papéis na bancada com uma expressão de derrota mal disfarçada.

    Talia pegou os documentos com firmeza, não agradeceu e saiu com a cabeça erguida, o som de seus passos ecoando pelo corredor. O silêncio desconfortável que deixou para trás foi sua vitória.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota