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    Dante estava parado com o bastão enquanto encarava a noite adentro. As estrelas pulsavam no céu, dando uma bela pintura criada pelo cosmo. O céu também estava limpo, sem nuvens, e a lua parecia ter sumido. Tinha lido uma vez que quando ela não estava à vista, estava do outro lado do continente.

    O continente deve ser imenso.

    Claramente, ele tinha saído de um dos poucos vilarejos que ainda tinham pessoas. Sempre perguntou ao seu pai se haviam outros, mas ele sempre dizia a mesma coisa:

    — Mesmo que haja, não se deve chegar perto. Pessoas diferentes têm culturas diferentes.

    Nunca entendeu realmente o que significavam suas palavras. A civilização deveria ser a mesma. Regras diferentes, sim. Agora, a forma como viviam era tão diferente para que não pudessem se encontrar?

    A Capital e os vilarejos ao redor eram os únicos pontos de acesso e recrutamento. Eles não iam além, e entendeu o motivo na Balsa. Os Piratas do Céu ou Piratas Agnomatos tinham fama de capturar as pessoas para fazerem trocas financiadas. Tecno havia explicado nos primeiros dias da Capital sobre os grandes bandidos que voavam.

    — Acham que podem fazer qualquer coisa. Já tiveram sucesso uma vez, com um dos tios de um Tenente. Foi uma loucura recuperar ele. Perdemos boas pessoas indo atrás. — E Tecno não demonstrou nervosismo. — Agora que temos você, não precisamos nos preocupar tanto.

    Eles confiavam mesmo na sua força. Nunca teve essa responsabilidade, mas seu pai dizia que um diria seria a dele a missão de proteger outras pessoas. E que seu treinamento era para lidar com qualquer tipo de problema.

    Todos os dias, quando ainda vivia na calma casa dos seus pais, teve que lidar com os treinos. Apenas isso. Sua mãe lavava sua roupa, preparava a comida. Sua irmã ia até o centro comercial fazer compras. Seu pai, mesmo resoluto, o obrigava a treinar arduamente.

    Cada dia lá vale para o que está aqui e agora.

    Dentro da noite, nada além da escuridão.

    I

    — Ei, Liana — a voz arrastada de Crosu era atrelada pelo seu movimento lento de cabeça para trás. — Todo mundo está dormindo lá no acampamento de Oficiais. Tem um senhor de idade olhando para esse lado, mas parece ser bem fraquinho. Sabe alguma coisa dele?

    Atrás de Crosu, Liana separava as brasas com sua mão metálica. Assim que levantou, seu óculos de ferro caiu e ela passou o radar até onde o velho estava. O medidor rasgou a Energia Cósmica que analisava, mas seu resultado foi negativo.

    — Fraco. Deve ser um recruta. — Ela puxou o óculo para cima e agachou ao lado de Crosu. — Nós vasculhamos mais de três acampamentos atrás dos cristais. Aquele sentinela que capturamos disse que um tal de James Rodd tinha deixado aqui.

    Crosu coçou o pescoço com seus dedos afiados, em formato de garra, de forma bem relaxada.

    — Estou com sono. Queria me animar um pouco. Quando o Hugo volta? Quero ir lá embaixo logo.

    — Vai chegar em breve.

    Ela abaixou o óculos novamente, fitando o velho. Dessa vez, os olhos dele estavam cravados diretamente na sua posição. O queixo duro, o charuto acesso e os olhos como um animal selvagem. O velhote não estava assim antes.

    — Parece que ele é sensitivo. O radar deve ter alertado um pouco.

    — Isso aí tá sempre dando defeito — comentou Crosu. Ele se levantou e foi até a brasa, arrastando a mão metálica por dentro. — Queria que Hugo estivesse aqui. Quero lutar.

    Liana manteve a postura encarando o velhote. A Energia realmente era de alguém que havia começado a treinar. Não tinha motivo de estar preocupada. Ainda mais que Crosu amava batalhar enquanto ela fazia o trabalho sujo de pegar os objetos.

    Dessa vez, seria simples demais. Quando houvesse a troca de turno, eles fariam uma ronda completa ao redor. O lado leste iria até o sul e voltaria. A brecha ficaria aberta e ela avançaria enquanto Crosu puxaria a batalha para sudeste.

    Toda aquela ala onde o velhote estava ficaria aberta.

    — Liana. — A voz ressoou do cubo para seu ouvido. Crosu ergueu a cabeça também, animado. — É o Hugo. Consegue me escutar? Não responda, de qualquer maneira. Encontrei o que um dos sentinelas havia dito. Infelizmente, ele não sobreviveu.

    — Como sempre — Crosu deu uma risada.

    — Parece que os dois cristais realmente estão no acampamento. Tem permissão para prosseguir. Siga o plano, está bem? Solte Crosu para duelar, e invada a casa de oficiais. Volte em segurança. Diga a Crosu para duelar recuado. Não queremos perder nada hoje.

    Liana concordou. E quis perguntar, mas a transmissão finalizou. Depois de concluir, recuar para o Canal da Seda. Ainda que Hugo lhe desse essa informação, queria ter perguntado algo que ainda a incomodava.

    — Aquele velhote está te incomodando, maninha? — Crosu agachou ao lado dela. O dedo afiado arrastou a grama, abrindo com facilidade e deixando a terra aparecer. — Vou cortá-lo para você. Vai ser o meu presente, tudo bem? Alias, seu aniversário está chegando.

    Não queria ter feito, mas abriu um sorriso de canto.

    — Vamos começar logo.

    II

    — Os velhotes não sentem frio?

    Tecno se juntou ao lado de Dante com um casaco grosso em cima dos ombros, arrastando as mãos nos braços, aquecendo. Até seus dentes batiam mesmo o Oficial querendo esconder endurecendo o maxilar.

    — Estou acostumado com esse clima — respondeu Dante. — O vento aqui é mais quente do que na minha casa. Lá era sempre frio. Não nevava, mas tinha sempre chuva e vento.

    — Bom saber. Na próxima vez, vou te deixar na patrulha a noite toda. — Ele balançou uma das mãos para trás. — Vai, pode ir. Está na sua hora de descansar. Tenta dormir um pouco.

    Dante não saiu do lugar. Ainda tinha um lugar que estava lhe deixando bem curioso. Bem longe, no meio da madrugada, a Energia Cósmica rebateu contra sua pele. Instintivamente, seu pai sempre analisava sua força comparando com a energia.

    Mesmo que fosse tão distante, a sensação era a mesma.

    — Deixa eu perguntar — ainda encarava a escuridão —, na Capital tem algum tipo de tecnologia que pode sondar alguém?

    — Diz o corpo?

    Dante negou. Claramente havia alguém os observando. A sensação, o gosto, o cheiro, tudo indicava que um inimigo o marcava.

    — A Energia — respondeu firme. — Faz uma hora que eu senti a Energia de alguém me sondando mesmo que de rebote. Eu não conheço nada que possa fazer isso.

    Tecno ficou mais sério e virou o corpo todo para Dante.

    — Não vire para mim, Dante. — Sua voz engrossou e ele respirou fundo. — Existe sim um equipamento que pode fazer isso. Na verdade, se você estiver convicto disso, preciso alertar Dalia agora. Esse equipamento foi roubado faz mais de dois anos, numa das missões mais fracassadas que tivemos. Pelo amor de qualquer Deus que você acreditar, se estiver certo, preciso alertar Dalia agora mesmo.

    Dante concordou com a cabeça e virou a cabeça dando uma risada para ele.

    — Mesmo que possam nos ver, não faça essa cara, vai parecer que está sendo duro comigo. — Dante coçou a nuca e abaixou a cabeça em uma reverência. — Finja que está me dando uma bronca e sai batendo o pé.

    Tecno fez o que ele havia mandado. Brandiu e xingou alguns palavrões. Assim que deu as costas, continuou seguindo sem olhar para trás. Dante segurou o bastão com mais delicadeza, recuando o corpo e olhando para o outro lado.

    Ainda estão me olhando, não é?

    Houve um barulho. Os passos vindo da lateral foram ouvidos. Um dos soldados fazia a ronda, mas vendo Dante parado ali, ele acenou e fez a volta. Não havia completado seu retorno. Dante se manteve no mesmo lugar.

    III

    — Pode ir, Crosu. Agora.

    As pernas do rapaz se ergueram e ele disparou pela grama em alta velocidade, mas não fazia barulho algum. Deslizava como se estivesse no gelo, se aproximando rapidamente para o velhote que encarava o horizonte.

    Crosu deu uma risada puxando os dedos para trás e afiando ainda mais as suas garras. A cor mudou de cinza para vermelho, e ele saltou muitos metros atrás. O velhote nem iria saber o que o atingiu.

    — Ei, ei, moleque. — O rosto dele se virou na mesma hora. O sorriso macabro na cara. — Não acha que está sendo rude atacando esse senhor de frente?

    Crosu arregalou os olhos e girou os braços metálicos em um ângulo reto, usando as lâminas avermelhadas num corte seco. O punho? Crosu achou divertido quando viu o velho levantar a mão e parar.

    Um segundo depois, seu abdômen foi golpeado por algo muito forte. Uma imensa pressão endureceu sua pele e ele voltou rolando pelo chão. Não entendeu nada. Levantou e respirou fundo. Nem mesmo um passo. O velho estava no mesmo lugar e deu uma risada larga, soltando uma gargalhada alta depois.

    — Eu sabia, eu sabia. — A voz daquele soldado pesou e ficou mais alta. — Sempre tem um morcego voando atrás de um rato durante a noite.

    Crosu fiou a sola dos pés e se jogou para a lateral, deslizando sobre a grama.

    — Você é um rato?

    — Moleque. — Dante jogou o bastão pro lado e começou a ir em sua direção. — Reze para que minha senhora ordene que você fique vivo. Porque se não… — os dedos foram estalados sozinhos, sem a ajuda da outra mão —… quem estiver contigo vai catar seus ossos espalhados por aí.

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