Capítulo 122: A Cidade Sem Nada (I)
Quando eles chegam até a porta do abrigo, Dante bate duas vezes. E quem abre era justamente Clara. Os olhos dela vaguearam de Dante e Marcus a sua frente, para Arsena e Magrot atrás, e o corpo de um homem desgastado pela carne viva do braço e neve que repousava sobre ombros e costas.
Os dois mais recuados sentiram um olhar misto de raiva e aflição, e depois pena e compaixão. Ter ido até ali antes foi um erro que cometeram, mas que tinham que pagar.
O que fosse escolhido, eles aceitariam, mas lutariam de forma correta para que Duna tivesse cuidados.
Clara soltou um bufar, e se virou rapidamente para dentro, gritando:
— Alguém chame a Simone agora, vou precisar dela e do Clerk. Vamos ter que subir com um homem machucado. — E entrou apontando. — Peguem aquela maca improvisada e já deixem preparado uma cama no oitavo andar. Degol, ajude os outros a levar esse cara lá pra cima.
Clara virou-se novamente para a porta, os olhos fixos em Dante e Marcus por um instante.
— E vocês dois? — perguntou, sem esconder a irritação na voz. — Acham mesmo que foi uma boa ideia trazer eles até aqui?
Dante ergueu as mãos, em um gesto de rendição.
— Eles estavam desesperados, Clara. E, sinceramente, não acho que Duna mereça morrer por causa dos erros deles.
Clara estreitou os olhos, a expressão dela um misto de cansaço e frustração. Então, voltou sua atenção para Arsena e Magrot.
— Entrem — ordenou, sem emoção na voz. — Mas fiquem sabendo que, se tentarem alguma coisa, vocês dois vão sair daqui em pedaços.
Arsena engoliu em seco, assentindo rapidamente.
— Só queremos que ele fique bem — respondeu, a voz baixa, quase um sussurro.
Magrot, carregando Duna, fez um esforço para seguir os outros que já levavam a maca improvisada para o oitavo andar. Clara não os seguiu de imediato; permaneceu na entrada, observando Dante com uma expressão carregada.
— Espero que saiba o que está fazendo, Dante. Mais uma confusão como aquela última, e não vai sobrar abrigo para ninguém.
— Confia em mim — ele respondeu, o sorriso confiante que Clara odiava surgindo novamente. — Eu tenho tudo sob controle.
Clara bufou outra vez, mas não disse mais nada. Virou-se e entrou, apressando os passos para acompanhar os feridos.
Dante e Marcus permaneceram na entrada por um instante, observando os arredores cobertos de neve.
— Você acha que ela vai realmente dar uma chance para eles? — Marcus perguntou, ajustando a ISE em suas mãos.
— Clara é justa, mas também sabe o que está em jogo. Se eles não provarem que podem ser úteis, vai ser o fim da linha para os dois.
— Espero que estejam prontos para isso, então.
Dante não respondeu, apenas observou a tempestade de neve ao longe antes de fechar a porta atrás de si.
Eles subiram as pressas com Duna. Lá em cima, no oitavo andar, Simone e Clerk já estavam preparando algumas bancadas de metal com as pomadas, utensílios e usando uma máscara no rosto. Desde que Clerk tinha feito o reparo em Degol, Simone pedia alguns auxílios quando o machucado era aberto.
Assim que os dois viram o estado do braço do homem, quase afastaram o rosto.
Simone apertou os lábios, seu olhar oscilando entre Dante e Marcus, e depois repousando sobre o corpo inerte de Duna. Sua expressão era um misto de cansaço e irritação, como se já tivesse visto aquela cena muitas vezes antes.
— Por que, sempre que vocês dois trazem alguma coisa, ela está à beira de desmoronar? — Simone disparou, o tom ácido combinando com o ar frio do abrigo. — Ainda temos algum líquido que possa ser usado? Vai ser necessário. E bastante água também. Isso aqui vai precisar ser limpo pelo menos umas três vezes.
Clerk, ao seu lado, já estava ocupado com dois panos encardidos. Quando aproximou um deles do rosto para verificar o odor, virou a cabeça com tanta força que quase deixou cair o pano.
— Que cheiro horrível. — Sua voz saiu abafada, o nojo evidente.
Dante deu uma risada, como se a situação não fosse grave. Ele enfiou a mão no casaco e tirou dois pequenos tubos de vidro, onde um líquido dourado tremeluzia à luz oscilante das velas.
— A gente ajuda quem precisa, senhora. É assim que funciona. — Ele estendeu os frascos, como se estivesse oferecendo algo de grande valor. — Agora temos bastante disso. Use o quanto for necessário.
Simone pegou os frascos sem cerimônia, sua expressão ainda endurecida. Ela apontou para a cortina improvisada ao lado da maca.
— Saiam, todos vocês. — Sua voz cortou o ar como uma lâmina. — Vou ver o que posso fazer para limpar essa bagunça.
Não importava quem estivesse deitado na maca, Simone sempre os tratava como pacientes, e isso, acima de tudo, era o que a fazia indispensável. Dante deu dois passos para trás, observando enquanto a ajudante dela puxava a cortina e isolava o espaço, deixando apenas os necessários lá dentro.
Enquanto isso, Marcus observava Magrot e Arsena encostados na parede. O olhar deles era uma mistura de cautela e exaustão, mas algo nos dois o incomodava profundamente.
— Não acha que estão tranquilos demais? — Marcus murmurou para Dante, sem tirar os olhos dos dois.
— Eles estão com medo. E o medo faz as pessoas pensarem duas vezes antes de fazerem algo idiota. — Dante deu de ombros. — Vem.
Ele fez sinal para Magrot e Arsena o seguirem. Os dois obedeceram sem questionar, como cães bem treinados, mas a hesitação em seus passos era clara. Dante os conduziu até uma porta coberta por panos. Do outro lado, havia um andar praticamente abandonado do prédio. A iluminação era escassa, apenas algumas velas dispostas em suportes improvisados nas pilastras recém-rebocadas. O lugar parecia mais limpo do que o restante do abrigo, mas a ausência de vida fazia o espaço parecer opressivo.
A cada passo, Arsena ficava mais tensa. Finalmente, ela parou de andar, obrigando Dante a fazer o mesmo. Marcus estava logo atrás, sua postura tão rígida quanto as colunas que os cercavam.
— Eu sei… não era para estarmos aqui. — Arsena falou, sua voz oscilando entre desafio e desespero. — Não foi minha ideia. Foi dele. — Ela apontou para Magrot. — Ele achou que pedir ajuda era o melhor. Eu… eu sei que vocês querem nos matar.
Dante arqueou uma sobrancelha, trocando um olhar breve com Marcus antes de rir, quebrando o silêncio carregado.
— Por que eu perderia meu tempo com isso?
A pergunta pairou no ar. Magrot permaneceu em silêncio, mas Arsena abriu a boca, sem encontrar palavras que fizessem sentido. Foi Marcus quem respondeu:
— Acham que só porque fizeram algo errado, isso faz de vocês pessoas ruins? Todo mundo já fez merda na vida. Mas isso não define quem vocês são. — Ele deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que a tensão entre eles fosse visível. — Tem dois idiotas no meu abrigo que já me espancaram antes. Não vou perdoá-los tão cedo, mas também não vou matá-los. Por que eu faria isso com vocês, que nem sequer chegaram perto de prejudicar alguém aqui?
Dante observava Marcus com uma leve surpresa. Não esperava que o atirador fosse tão direto, mas havia algo na postura de Marcus que fazia Arsena e Magrot recuarem instintivamente. Ele não terminou ali.
— Mesmo que tentassem por cem anos, vocês não conseguiriam. — A voz de Marcus endureceu ainda mais. — Seu amigo está sendo tratado pelas duas melhores pessoas que temos aqui, as mesmas que salvaram dezenas de vidas. Ele será cuidado como se fosse um dos nossos. Mas vocês… — Ele apontou para ambos. — Vocês não têm esse privilégio enquanto não contarem exatamente o que aconteceu para que viessem correndo até aqui com o rabo entre as pernas.
O silêncio que se seguiu foi pesado, como o ar antes de uma tempestade. Arsena apertou os punhos, mas não disse nada. Magrot abaixou a cabeça, evitando o olhar penetrante de Marcus. Finalmente, Dante quebrou o momento.
— Marcus é direto, mas está certo. Seu amigo será tratado. Agora, cabe a vocês provarem que não são apenas duas cobras esperando a hora certa para morder. Caso contrário, vamos mostrar o que um tatu realmente pode fazer. — Ele sorriu, mas não havia calor naquele gesto.
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