Índice de Capítulo

    Clara subiu os degraus do prédio com passos rápidos, o eco das botas batendo contra o concreto vazio enquanto avançava para o quinto andar. Seu olhar varria os corredores estreitos e as portas desgastadas que abriam para pequenos aposentos ocupados por sobreviventes. Ela avistou um grupo de pessoas conversando em um canto, mas não havia sinal de Marcus. Nem de Dante.

    Sem hesitar, Clara continuou subindo, sentindo a pressão do ar cada vez mais fria conforme alcançava os andares superiores. No sexto andar, tudo estava deserto, exceto pelo som distante de vozes abafadas que não pertenciam a quem ela procurava. No oitavo, a mesma história: o silêncio pesado de um abrigo lotado, mas, ainda assim, vazio das pessoas que importavam naquele momento.

    Ao chegar ao nono andar, Clara quase tropeçou ao dobrar o corredor e dar de cara com Magrot e Arsena. Os dois estavam sentados em uma área afastada, próximos de uma das poucas janelas que ainda permaneciam intactas. Magrot parecia desconfortável, movendo os braços metálicos com dificuldade enquanto Arsena afiava uma pequena lâmina com movimentos metódicos.

    Eles levantaram os olhos quando Clara apareceu, a expressão de ambos carregada com o peso de semanas de incerteza. Clara sabia que eles haviam sido isolados desde o primeiro dia em que chegaram, uma decisão de Duna que parecia mais um castigo velado do que qualquer outra coisa.

    Ela se lembrou das palavras da médica Simone alguns dias atrás, ditas com uma mistura de cansaço e frustração enquanto limpava o sangue do braço ferido de Duna.

    — Ele vai perder o braço se demorarem mais. Clerk já está no limite, e aquele menino vai ter que escolher entre salvar um estranho ou estar ao lado da esposa quando o bebê nascer.

    Desde então, Clara soube que a distância imposta a Magrot e Arsena era mais do que precaução. Era uma escolha deliberada de Duna, um líder que parecia determinado a não depender de ninguém além de si mesmo.

    — Viram Marcus? — perguntou Clara, a voz firme enquanto se aproximava. — Ele ou Dante deveriam estar por aqui.

    Magrot ajustou a postura, o som metálico de seus braços ecoando no silêncio. Ele rangeu os dentes antes de responder.

    — O atirador? — Sua voz era grave, marcada pela aspereza do esforço físico. — Está lá em cima. Disse que precisava verificar alguma coisa.

    Clara praguejou baixinho, o descontentamento evidente em seu rosto.

    — Ótimo. — Murmurou para si mesma, sentindo a frustração crescer. — Nem Dante está por aqui. Que droga. Parece que vai sobrar pro Degol.

    Ela se virou para sair, mas foi interrompida por Arsena, que ergueu a voz de maneira hesitante.

    — A gente pode ajudar com alguma coisa? — A pergunta pegou Clara de surpresa, e por um momento, ela apenas encarou a mulher. Arsena levou a mão à espada presa na cintura, um gesto que não parecia ameaçador, mas ainda assim fez Clara endurecer o olhar.

    — Estamos comendo e dormindo aqui sem fazer nada. Duna nunca deixou a gente ficar parado. Se tiver algo que possamos fazer…

    Clara ergueu a mão, interrompendo-a bruscamente.

    — Não. — Sua resposta saiu firme demais, quase cortante. Arsena recuou ligeiramente, mas Clara respirou fundo, suavizando o tom.

    — No momento, não precisamos de nada. Temos água, comida e um lugar para ficar. Sei que vieram de outro lugar e que estão se adaptando enquanto o colega de vocês está se recuperando, mas não quero que façam nenhuma loucura.

    Ela olhou de relance para Magrot, que apenas abaixou os olhos, e depois voltou-se para Arsena.

    — Aqueles quatro já somem do nada e me deixam maluca. Então, se puderem apenas ficar e garantir que nada aconteça ao Duna, já estarei agradecida.

    Arsena assentiu lentamente, claramente insatisfeita, mas sem argumentos para insistir. Ela se sentou de volta ao lado de Magrot, segurando a lâmina como se fosse uma âncora para sua inquietação. Clara os observou por mais um instante antes de virar nos calcanhares e continuar subindo.

    Ela sabia que os dois não estavam satisfeitos com o papel de espectadores, mas também não podia arriscar mais complicações. Não enquanto Dante e Marcus estavam desaparecidos e a tempestade lá fora parecia cada vez mais ameaçadora.

    Clara deu meia-volta, subindo rapidamente os últimos degraus em direção ao topo do prédio. O ar parecia mais pesado conforme avançava, sua mente dividida entre o desaparecimento de Marcus e Dante e a preocupação constante com os novos moradores.

    Magrot e Arsena podiam ter mostrado arrependimento e boa vontade, mas Clara sabia que o peso de um erro passado não desaparecia tão facilmente. Era como carregar uma faca na bainha: útil em momentos de necessidade, mas perigosa demais para esquecer.

    Chegando ao último andar, Clara encontrou o local vazio, exceto pelo som distante de algo metálico ecoando no corredor. Seus passos rápidos a levaram até uma sala mal iluminada, onde encontrou Marcus agachado ao lado de uma janela quebrada, o olhar fixo no horizonte.

    — Finalmente. — Clara soltou, tentando esconder o alívio por tê-lo encontrado. — O que está fazendo aqui? Todo mundo está preocupado.

    Marcus ergueu os olhos para ela, a expressão séria. Ele segurava o rifle em mãos, os dedos traçando distraidamente as marcas na coronha.

    — Observando. — Ele apontou com o queixo para o horizonte, onde nuvens escuras se formavam. — A tempestade não está só piorando. Está se movendo rápido. Mais rápido do que deveria.

    Clara estreitou os olhos, aproximando-se da janela. A visão que encontrou era de um céu encoberto por nuvens densas e rodopiantes, tão baixas que pareciam querer engolir o horizonte.

    — Isso não é normal. — Marcus continuou, o tom baixo. — Nem mesmo para um inverno como este. Aqueles dois disseram que GreamHachi está meio desesperada por causa disso, mas fiquei pensando se existe algum tipo de coisa que pode fazer o clima ficar assim.

    O vento assobiava alto contra as janelas quebradas, carregando consigo flocos de neve que entravam pelas frestas e se acumulavam em cantos esquecidos do andar. Clara estava sem fôlego quando finalmente encontrou Marcus, que estava sentado em uma velha cadeira metálica, observando o inverno cruel lá fora. Seus olhos estavam fixos no horizonte cinzento, onde a tempestade parecia se fundir com a terra, tornando impossível distinguir onde um começava e o outro terminava.

    Ela tentou recuperar o fôlego, os pulmões ardendo pelo esforço de subir os andares às pressas. Marcus, por outro lado, parecia completamente imóvel, quase alheio à presença dela, até que ela falou:

    — Seria como dar o poder de um Deus nas mãos dos homens. — Clara disse, a voz firme apesar do cansaço. — Não tem como ser dessa maneira. A gente precisa colocar os pés no chão de novo.

    Marcus soltou um leve suspiro e balançou a cabeça em concordância, ainda sem desviar os olhos da paisagem. O gelo parecia ter tomado conta de tudo, como se o mundo lá fora estivesse preso em um ciclo interminável de morte e desolação.

    — O que queria para vir me procurar arfando desse jeito? — perguntou ele, sem olhar diretamente para ela.

    — Meliah voltou do Reservatório — respondeu Clara rapidamente, ajeitando o capuz que usava para proteger-se do frio. — Disse que viu algo muito estranho. Vim te chamar. Já reunimos os outros no primeiro andar.

    Marcus se inclinou para frente, suas costas se libertando do encosto metálico da cadeira com um rangido. Ele passou a mão no rosto, como se estivesse se preparando mentalmente para mais uma batalha que parecia inevitável.

    — Vamos, então. — Ele se levantou, ajustando o casaco pesado sobre os ombros. — Viu o velhote por acaso?

    Clara hesitou por um momento antes de responder:

    — Ele disse que Vick alertou sobre um Felroz perto daqui. Acho que foi atrás dele.

    O rosto de Marcus permaneceu impassível, mas seu olhar endureceu levemente. Ele não precisou dizer nada para que Clara percebesse o incômodo. Desde que os mutantes começaram a aparecer com mais frequência, Marcus vinha sendo deixado de lado em algumas decisões. Ele sempre deixava claro que não se importava em enfrentar os perigos diretamente, mas gostava de ser avisado sobre o que estavam fazendo. Essa falta de comunicação o irritava, mesmo que ele não demonstrasse abertamente.

    — Por isso você sobe aqui, não é? — Clara perguntou, mais como uma constatação do que como uma dúvida.

    — Sempre. — Ele respondeu, finalmente desviando o olhar para ela. — Gosto de ter uma visão clara do que está vindo. É melhor do que ser pego de surpresa.

    Clara assentiu, compreendendo. Ela sabia que Marcus não era do tipo que falava muito sobre o que sentia, mas suas ações diziam o suficiente. Ele ajustou o coldre da arma na cintura e começou a caminhar em direção à saída.

    — Espero que ele volte logo — murmurou ele, mais para si mesmo do que para Clara. — Está piorando lá fora.

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