Índice de Capítulo

    — Você não está falando sério, não é? — Cerberus tentou soar firme, mas havia um tremor na sua voz que ele não conseguiu esconder.

    Dante o puxou ainda mais para perto, o rosto tão próximo que Cerberus podia sentir o cheiro de tabaco queimado misturado ao aroma azedo da última refeição do velho — talvez pão mofado, talvez carne mal passada. A máscara de Cerberus era uma barreira frágil entre eles, e ele sentiu a vulnerabilidade rastejar sob sua pele.

    — E eu tenho cara de quem brinca com essas coisas? — Dante rosnou, com o charuto pendendo no canto dos lábios, como se ele pudesse mastigá-lo de frustração a qualquer momento.

    Sem aviso, Dante girou o corpo, arrastando Cerberus consigo como se ele fosse um brinquedo quebrado. O ar ao redor deles tornou-se uma força implacável, chicoteando a pele, roubando o fôlego.

    — PARE! PARE! — Cerberus gritou, a voz rouca e desesperada, mas Dante não parou. Não hesitou. O velho homem apenas girava, subindo mais alto, levando ambos para o olho da tempestade.

    Cerberus tentou reagir, sua mente invocando o que podia. Sentiu a gravidade mudar ao seu redor, o peso do próprio corpo dobrar, triplicar, como se a terra tentasse chamá-lo de volta. Mas não importava o quanto pressionava, o quanto resistia. Dante apenas continuava a subir, mais rápido, mais implacável.

    Os relâmpagos os cercaram, traçando linhas de luz que pareciam dançar ao redor deles. Raios cortavam o céu em estalos que sacudiam os ossos, enquanto trovões reverberavam como o tamborilar de uma guerra iminente. Era uma beleza destrutiva, aterrorizante e hipnotizante. Por um breve momento, enquanto girava e era arrastado pelo vórtice de força de Dante, Cerberus não pôde deixar de notar o espetáculo. Como algo tão assustador podia ser tão deslumbrante?

    Então ele viu os olhos de Dante. Fixos, brilhando como brasas em um rosto esculpido pela fúria e pela determinação. O sorriso que moldava os lábios do velho não era humano; era a curva de um predador, de alguém que se delicia em ver o medo de sua presa. Era um sorriso que Cerberus conhecia, mas nunca havia enfrentado tão de perto.

    — Preciso sair daqui… — murmurou para si mesmo, mas sua voz foi engolida pela tempestade.

    Sua pele começou a endurecer, tornando-se um bloco sólido de metal em uma tentativa desesperada de se proteger. Ele sentiu o peso aumentar, sua carne lutando contra o processo, mas sabia que não tinha escolha. O relâmpago viu sua oportunidade. Um raio rasgou o céu e o atingiu em cheio. A eletricidade percorreu seu corpo, queimando por dentro. A dor era insuportável, e um grito escapou de seus lábios, não de medo, mas de puro instinto.

    Mesmo assim, ele olhou para frente, para o homem que o segurava. Dante estava lá, os olhos fixos nele, inabaláveis, como se nem mesmo o poder dos céus pudesse movê-lo. A luz do raio iluminou seu rosto por um instante, e naquele momento Cerberus viu algo que não queria acreditar.

    — Ele é um demônio… — sussurrou para si mesmo, sentindo o terror se infiltrar em seu peito.

    Enquanto a tempestade rugia ao redor deles, Dante continuava. O relâmpago, o vento, o frio — nada parecia tocá-lo. Ele era um pilar em meio ao caos, uma força que Cerberus não conseguia entender ou questionar.

    E quando Dante parou, ele soltou um sorriso.

    — Tudo que me acertou até agora vai voltar contra você.

    Cerberus sentiu o mundo girar ao ouvir aquelas palavras. Ele tentou resistir, mas Dante o puxou para mais perto, ignorando qualquer tentativa de resistência. Cerberus estendeu os braços, os dedos tremendo ao buscar algo para agarrar. Mas antes que pudesse se firmar, uma pressão de ar colossal explodiu ao redor deles. O impacto forçou seus braços para trás como se fossem folhas ao vento, a força esmagadora roubando qualquer controle que ele pudesse ter sobre o próprio corpo.

    Desespero.

    Ele sentiu aquilo crescendo em sua mente, uma sensação sufocante que o fazia se debater como um animal encurralado. Tentou agarrar as pernas de Dante, invocar correntes para amarrá-lo, até mesmo congelá-lo no lugar. Mas nada, absolutamente nada, parecia funcionar. Era como lutar contra uma montanha, uma força inamovível que ignorava sua existência.

    Tudo ao redor deles parecia parar. A tempestade cessou por um instante, o vento ficou mudo, os relâmpagos hesitaram. Só havia o som do punho de Dante se contraindo, o ranger de seus dedos enquanto ele puxava o braço para trás, preparando o golpe. Cerberus piscou, e então aconteceu.

    O impacto não foi apenas físico; foi visceral. O punho de Dante acertou seu peito, atravessando a armadura de gelo, metal e carne como se fossem papel. O choque reverberou por todo o corpo de Cerberus, esmagando seus pulmões, expulsando o ar e qualquer resquício de força que ainda lhe restava.

    Por um segundo, tudo ficou escuro.

    Quando seus olhos se abriram novamente, ele estava voando, o corpo descontrolado sendo arremessado como uma pedra em um estilingue. A dor pulsava em cada fibra de seu ser, mas o que realmente o aterrorizava era o som crescente ao seu redor. Um som que vinha do impacto iminente.

    Seu corpo colidiu com algo sólido, mas estranho — uma barreira azulada, cintilante, que parecia viva. O impacto sacudiu o ar ao redor, enviando ondas de energia em todas as direções. Cerberus ouviu vozes abaixo, gritos e ordens que ecoavam na periferia de sua mente, mas tudo parecia distante, irrelevante. Ele sabia onde estava.

    A barreira de GreamHachi.

    A defesa impenetrável da cidade, a mesma que havia protegido seus habitantes por gerações, agora tremia com o impacto do corpo de Cerberus. Ele sentiu a energia pulsar sob sua pele, tentando rejeitá-lo, mas era tarde demais. Antes que pudesse reagir, Dante apareceu novamente, o olhar feroz como o de um predador finalizando sua presa.

    O punho de Dante acertou seu peito mais uma vez, o impacto ressoando como um trovão. A barreira ondulou, um último grito de resistência antes de explodir em mil fragmentos.

    A explosão foi um espetáculo de luz e cor. Fragmentos azulados se espalharam pelo ar, cintilando como estrelas caindo. Por um breve instante, o céu acima de GreamHachi brilhou como um campo de constelações em movimento. Mas o silêncio que se seguiu foi devastador.

    Aqueles que assistiam — moradores inocentes e inimigos ocultos — não conseguiam acreditar no que viam. A barreira, que havia protegido a cidade contra os Felroz e outros horrores, estava destruída. Tudo por causa de um único impacto.

    Cerberus caiu entre os destroços, o corpo esmagado e a mente turva. Ele sentia o peso de cada olhar sobre si, o julgamento de uma cidade inteira que agora sabia o quão vulnerável havia se tornado. E acima dele, Dante permanecia imóvel, um monumento de força, com os olhos ardendo como brasas em meio ao caos que ele mesmo havia causado.

    Dante permaneceu imóvel, observando a cidade à sua frente. Seus olhos percorriam os destroços da barreira que agora se misturavam aos flocos de neve e à chuva que caía incessante. Fragmentos de Energia Cósmica pairavam no ar, dançando entre as gotas como cinzas de um fogo extinto. Cada pedaço cintilava brevemente antes de desaparecer, um lembrete visual do poder que ele acabara de demonstrar.

    Era isso.

    Esse era o tipo de força que precisava exibir. Para Clara. Para seus inimigos. Para qualquer um que ousasse cruzar seu caminho. Dante não hesitaria, não se conteria. Não agora. Não enquanto ainda tivesse algo a proteger.

    — Merda, aquele é o Cerberus! — a voz de alguém ecoou de cima de uma das casas próximas, carregada de incredulidade e medo. — O que aconteceu com a barreira?

    De uma torre adjacente, outra voz respondeu, grave e autoritária:

    — Chamem Luterus e Fenicio agora! Temos que erguer a barreira de novo. Se ela ficar assim, vamos ser contaminados pela impureza lá de fora!

    Dante virou o olhar para a cidade, avaliando o cenário à sua frente. GreamHachi se estendia por quilômetros, uma colossal metrópole protegida por uma rede de torres que sustentavam a barreira. As luzes ainda brilhavam dentro dela, lançando um brilho caloroso nas ruas, mesmo sob a tempestade. Era uma visão que transmitia vivacidade, mas também uma dependência frágil de sua proteção.

    A dimensão da cidade era avassaladora. Dante calculou que levaria, pelo menos, quatro dias de viagem a cavalo para cruzá-la de ponta a ponta. Suas ruas pareciam vivas, repletas de casas e construções que prosperavam sob a proteção contra a tempestade e o frio implacável do lado de fora.

    Mas fora daquela barreira, a realidade era muito diferente.

    Dante desviou o olhar para o sul, onde o portão principal da cidade se erguia. Lá embaixo, amontoadas em barracas improvisadas, dezenas de pessoas lutavam para sobreviver. Homens, mulheres e crianças se aglomeravam, tentando escapar da neve, da chuva e do frio que os consumia. Eles tremiam, apertando-se contra cobertores esfarrapados e latas vazias que haviam transformado em abrigos improvisados.

    Dante estreitou os olhos, o desdém em sua expressão era palpável.

    — E ainda se dizem humanos… seus bandos de vermes.

    Ele murmurou para si mesmo, a voz baixa e carregada de desprezo. Era impossível ignorar a ironia da situação. Aqueles dentro da cidade se protegiam com tecnologia e recursos enquanto outros, igualmente humanos, eram relegados à miséria, tratados como se fossem impurezas que precisavam ser mantidas do lado de fora.

    Por um instante, o vento trouxe os gritos distantes de alguém nas barracas, um pedido de socorro que logo foi abafado pela tempestade. Dante não desviou o olhar, mas seus punhos se fecharam ao lado do corpo. Ele não estava ali para salvar ninguém. Não era um herói, mas isso não significava que aceitava o que via.

    O trovão rasgou o céu novamente, iluminando o rosto de Dante com um brilho fugaz. A cidade estava alerta agora. Ele sabia que a resistência viria, que Luterus, Fenicio e quem mais comandasse GreamHachi estariam se preparando para enfrentá-lo. Mas, por enquanto, ele era o demônio que derrubara a barreira, e isso era o suficiente para que todos soubessem que era ele quem estava ali presente.

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