Capítulo 133: Ouça
Aquele cubo enegrecido era capaz de desaparecer com todos os sons. Essa era uma habilidade que ele ainda não tinha visto antes, mas o rapaz que fez também conjurou algo em torno de ser um Impuro.
— Quanta idiotice. — A barreira negra selava seus sons, mas não do lado de fora. — E pensar que eu teria que ser preso para que pudessem me enfrentar. Achei que essa tal GreamHachi que Marcus tanto falava era mais do que um bando de idiotas sem consideração.
— Mesmo que nos chame de idiotas, a contenção que fizemos é eficiente. Você pode sair daqui com vida ou pode morrer pela minha espada. — Ele a manteve erguida. Dante espelhava o olhar dele, era como se estivesse encarando Render, seu pai. — Eu queria poder dizer que suas palavras são sérias e firmes, senhor Dante. Me chamo Leonardo Vulkaris, sou um dos antigos membros da cúpula da cidade. Eu gostaria de poder conversar através de nossas armas.
Aquela era uma postura fechada, totalmente diferente de quando seu pai o enfrentava. Ele não queria partir para cima, mas não seria derrotado com facilidade. Uma única vez, quando viu Render ajustar seu corpo para se defender, foi quando Dante havia perdido o controle de sua habilidade e chegado a quase explodir o campo de bambus.
— Cerberus fez isso — ouviu Raver falar do lado de fora. — Ele deve morrer agora. Mate o desgraçado antes que o velho saía.
— Você não pode tocar nele — respondeu Gerhman. — Leonardo também tem um acordo com ele. Ainda não se encerrou.
Dante relaxou os ombros.
— Você é o Leonardo, correto? — Esperou que ele concordasse com a cabeça. — Cerberus passou dez anos vivendo uma vida do lado de fora. E agora, seu amigo quer matá-lo.
— Raver nunca foi meu amigo. — Leonardo não oscilou no olhar ou postura. — Ele é um merda que vive dentro dessa cidade e continua espalhando que os Impuros vão trazer uma doença para esse mundo. E eu sei que todos eles estão errados. Por isso, quero que me ouça, Dante.
Impuro. Essa palavra ainda parecia tão parecida com o Estrangeiro, no qual ouvia na Capital.
— Saía da frente, Gerhman — gritou Harrow lá fora, cheio de raiva. — Defender um Impuro nas nossas terras é um crime. Será decapitado se ousar fazer qualquer movimento para proteger esse homem.
— Eu já disse e vou repetir. Se querem tocar nele, vão ter que esperar Leonardo terminar.
Leonardo respirou fundo. A boca dele sibilou por alguns segundos, tentando não parecer desesperado pela situação.
— Ninguém lá fora pode nos ouvir, Dante, mas é por isso que preciso que entenda meu ponto. Tudo que falou, sobre as pessoas serem usados, eu estou ciente, mas diferente deles, eu estou tentando lutar contra.
— E por que não fez nada para os parar?
— Porque não podemos sair da cidade por causa da barreira do Aquário. Raver controla a cúpula com joguetes e chantagem. Ele me expulsou, cerca de dois anos atrás, e desde então eu não tenho nenhum momento no qual não sou observado pelos homens dele. Essa é a minha chance, você precisa entender que essas pessoas são assim por questões de cultura.
— Eu vim de um lugar assim, mas não é mais uma questão de cultura pra mim.
Dante não queria mais saber se Raver era amigo ou inimigo.
— Eu vou acabar com aquele merdinha de uma vez por todas mesmo que ele não seja a pessoa que matou os pais de um amigo meu. Não sou um assassino, mas vou fazer questão da cabeça dele ser decepada.
Leonardo engoliu em seco e concordou.
— Se matar Raver aqui, você vai perder a guerra. Sua batalha é pessoal, eu entendo isso. Mas, exitem mais de milhares de famílias dentro dessas cidades. Tudo está sendo bem tenso, não temos mais água ou comida, você viu.
— Eu vi pessoas sendo escravizadas pela mente. — Dante ficava mais irritado ao ter visto aquelas pessoas caminhando de um lado pro outro praticamente sem consciência.— E você me diz que seu povo dá uma chance? Que chance é essa? A chance de serem descartados assim que não servem mais a vocês?
Leonardo vacilou por um momento, mas não recuou. Ele conhecia bem aquela verdade amarga.
— Você acha que eu não sei? — murmurou ele, os olhos ardendo com uma emoção contida. — Eu vivi isso, Dante. Sei exatamente como as coisas têm andado nos últimos anos.
Dante estreitou os olhos, sua presença preenchendo o espaço como uma sombra avassaladora.
— Então, o que você fez a respeito?
Leonardo engoliu em seco, os dedos apertando a empunhadura de sua espada como se ela fosse a única coisa que o ancorasse àquele momento.
— Eu já estive do lado de Raver, Dante. — Sua voz soou como uma confissão, carregada de arrependimento e pesar. — Sei quem ele é, sei do que ele é capaz. Mas estou aqui agora, pedindo que me ouça. Me ouça por tudo que é mais sagrado neste mundo.
Dante permaneceu imóvel, sua expressão impenetrável. O silêncio que se seguiu era pesado, quase sufocante.
Leonardo continuou, a urgência em sua voz crescendo.
— Eu não sou como eles. Eu não quero isso. Quero um futuro onde essas pessoas tenham escolha, onde não precisem viver com medo ou sob o controle de monstros como Raver.
Dante finalmente descruzou os braços, seu olhar se fixando em Leonardo como se estivesse pesando cada palavra dita.
— Se isso for verdade, Leonardo, então me mostre. Prove que não é apenas mais um deles.
Leonardo assentiu, a determinação brilhando em seus olhos.
— Eu vou provar. Mas, por favor, Dante… Não jogue tudo fora por causa de um único homem. Raver precisa cair, mas no momento certo, do jeito certo.
Dante não respondeu imediatamente, mas relaxou seus ombros. Talvez, da maneira correta, poderia entender que uma cidade poderia mudar. Mas, ver Marcus e Clara sofrendo por tantos anos ainda fazia seu coração arder. Ele queria dar essa satisfação, dar esse gosto.
— Eu não tinha intenção de fazer nada contra as pessoas daqui, mas sairei com Cerberus e se alguém ousar me tocar, irei quebrar tudo. Me entendeu? Essa é a nossa aposta, Leonardo.
O espadachim concordou ainda com a arma erguida. Ele realmente se parece com meu pai de certa maneira.
Indiferente se fosse amigo ou inimigo, se houvesse um perigo, manteria a guarda erguida.
— No dia certo — disse Leonardo —, lhe darei Raver e Maethe.
— Quem é essa mulher?
— Quem comanda Raver, e quem faz lavagem cerebral nas pessoas do lado de fora. Eu lhe darei os dois, mas preciso que me ajude. A moral da cidade está caindo, as pessoas vão começar a ser soterradas pela sede e pela fome. Acredito que você não deva ter uma base, e sim um abrigo. Eu farei de tudo para contrariar esses pivetes que se dizem fortes, mas você precisa esperar o tempo certo, o lugar certo.
Os dois mantiveram o olhar centrado. Dante, então, fechou os olhos e concordou.
— Sei que o senhor é forte — disse Dante. — Proteger as pessoas e ainda manter sua espada erguida para mim por tanto tempo. Quero acreditar que possa fazer o melhor, mas não vou deixar aquelas pessoas sofrendo do lado de fora. A cidade de Kappz não é só mais um lugar isolado, ela é a minha casa, e por ser a minha casa, não vou deixar que machuque as pessoas de lá.
— De um homem experiente para outro, não tenho como discordar das suas palavras.
Dante então balançou a cabeça e olhou para aquele mundo enegrecido.
— Uma habilidade diferente.
E quando encostou na parede, houve um estalo. A estrutura enegrecida que era recheada de Energia Cósmica foi bombardeada por uma expansão interna. Ela se esticou para todos os lados, e depois pelos tetos.
Dante sentiu a Energia Cósmica pulsar ao seu redor, mas não hesitou. Seus dedos se fecharam com força ao redor daquela estrutura maleável, e com um movimento brutal, ele a despedaçou como se fosse vidro fino. A explosão resultante reverberou como um rugido de desafio, lançando fragmentos de energia em todas as direções, dissipando a habilidade de Gerhman em um instante.
Ao emergir, sua presença dominava o campo. Não havia ferimentos em seu corpo, apenas uma calma implacável e a aura de um homem que cumpria o que dizia.
Os olhos de Raver, Trinity e Harrow se arregalaram em choque, enquanto Leonardo permanecia com a espada erguida, os músculos tensos, como se cada fibra de seu ser estivesse preparada para a batalha inevitável.
Dante não os encarou de imediato. Ele caminhou em direção a Cerberus, cada passo ecoando como um martelo em uma bigorna. Gerhman tentou se interpor, mas as palavras de Dante o congelaram.
— Saía.
O jovem obedeceu, movendo-se com um terror quase reverente.
Cerberus ergueu a cabeça com dificuldade. Ajoelhado, ele parecia uma sombra do guerreiro que havia sido, mas ainda havia algo nele, uma faísca de força. A aura verde que o envolvia oscilava, parte dela começando a mudar para um tom azul-gélido. Mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, Dante pousou uma mão firme em seu ombro.
— Eles não vão te dar a oportunidade que quer. — A voz de Dante era baixa, mas cada palavra era como uma lâmina afiada. — Você nunca vai entrar aqui. Viu como eles te trataram? Como me trataram?
Do outro lado, Raver gritou, sua voz carregada de fúria e pânico.
— Matem os dois. Atirem neles, agora!
O som de carabinas sendo destravadas ecoou, e Dante não se moveu. Mas Leonardo, rápido como um relâmpago, apontou para as torres. Os soldados hesitaram, suas armas tremendo em mãos inseguras. A aura de Leonardo era sufocante, uma força que impedia qualquer ação precipitada.
— O que está fazendo? — rugiu Raver, sua raiva crescendo. — Esse cara destruiu nossa casa!
Leonardo girou a espada, a lâmina brilhando com um vermelho intenso.
— E vai sair porque eu decidi fazer um acordo com ele. — Sua voz era como uma muralha, inabalável. — Se quer vir, vai ter que passar por cima de mim primeiro.
Raver riu, uma risada amarga e carregada de desprezo.
— Bem que me disseram uma vez… — Harrow se juntou ao coro, girando suas correntes com um sorriso zombeteiro. — Seus pais eram Impuros, e agora o restinho do que sobrou de um homem finalmente mostrou a verdadeira cara. Eu sabia, Raver. Eu te disse. Ele é um desses merdas lá de fora.
A acusação pairou no ar como veneno, mas antes que Leonardo pudesse responder, Gerhman deu um passo à frente, sua paciência finalmente se esgotando.
— É melhor retirar o que você disse, Harrow, ou vou acabar com você agora mesmo.
Harrow gargalhou, suas correntes girando ainda mais rápido.
— Ah, o filhote mostrou as garrinhas. — Sua voz estava carregada de escárnio. — Mais um corrompido pelos Impuros. Vai ter que ser sacrificado.
Enquanto isso, Dante permaneceu imóvel, ainda encarando Cerberus. Mesmo com a máscara que cobria o rosto do homem ajoelhado, Dante podia ver a dor, a desolação de alguém que teve tudo em que acreditava despedaçado em um único dia.
Ele conhecia aquele olhar. Ele o havia causado.
E faria questão de garantir que Cerberus nunca mais fosse tratado como uma ferramenta descartável.
— Vamos. — Ele segurou o braço de Cerberus e o ajudou a se levantar. — Confie em mim, esse lugar não é a sua cidade. E nunca vai ser.
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