Índice de Capítulo

    Leonardo teve que se ajoelhar com seus dois braços puxados para trás. Ele respirava profundamente, e teve a cabeça forçada para cima. Todas as cadeiras no andar superior se apresentaram, da mesma forma como anos atrás, muitos anos.

    Aquele era o seu destino, apenas o seu. Defender um Impuro, deixar que dois deles fugissem, escapando dos dedos depois de terem quebrado uma das torres e explodir a barreira que protegia a cidade por inteira.

    Fazia praticamente três dias desde o ocorrido. E agora ele seria julgado, de uma forma ou de outra. As correntes que prendiam seus pulsos eram ligadas a uma pilastra com marcações antigas, habilidade passiva registrada até mesmo antes da antiga cúpula ter sido marcada pela espada e o fogo.

    Agora, a nova cúpula entrava. Raver, Maethe, Harrow, Trinity e Zacker. Raver sentou-se ao meio, como se fosse a pessoa que comandava aquele lugar. Leonardo conhecia bem quem mandava ali, era a mulher ao seu lado, a cabeça e também a maldição que carregava Raver e GreamHachi para dentro do buraco que se instaurava.

    Os outros sentaram, dobrando suas pernas e demonstrado visivelmente que apreciavam o belo espetáculo. Leonardo manteve o olhar relaxado, mas quando as portas se abriram pela sua esquerda, via sua esposa Fabiana e sua filha Carly entrarem com dois outros guardas.

    Sua posição não era a mesma de antes — poderia não gostar da cidade, mas sua família tinha sido colocada ali para ver sua humilhação.

    — Leonardo Vulkaris — a voz de Raver se espalhou pelo imenso salão. — Sabe o motivo de estar aqui?

    — Você me colocou aqui. Não pela força, evidentemente. Não conseguiria.

    Leonardo levantou o olhar com uma serenidade desafiadora, mesmo com os braços presos e a dor das correntes marcando sua pele. Ele encarou Raver diretamente, ignorando o peso das cadeiras acima, onde os membros da cúpula estavam sentados como juízes de um espetáculo grotesco. O brilho das tochas nas paredes lançava sombras dançantes sobre os rostos deles, destacando os sorrisos satisfeitos de Harrow e Trinity, e a expressão calculista de Maethe.

    Raver se recostou em sua cadeira, tamborilando os dedos no braço da mesma. O som ecoava pelo salão, um ritmo lento e provocador.

    — Você fala como se tivesse escolha, Leonardo — respondeu Raver, sua voz carregada de desprezo. — Mas o que fez foi uma traição direta. Não há como negar isso.

    Leonardo permaneceu em silêncio por um momento, o suficiente para que a tensão no salão crescesse. Ele não precisava de palavras para responder; sua presença ali, sua postura, era um desafio em si.

    Mas quando suas palavras vieram, foram como um golpe preciso.

    — Traição, Raver? — Ele riu baixo, um som seco e vazio. — A única traição aqui é o que vocês fizeram com este lugar. Chamam isso de proteção? Escravizam mentes, destroem vidas e vendem a ideia de segurança enquanto vivem como reis sobre os restos de um povo faminto.

    A sala caiu em um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelo som de Maethe se ajeitando em sua cadeira. Seu olhar, frio como gelo, era o de alguém que sabia o jogo que estava sendo jogado e que nunca aceitava perder.

    — Você é corajoso, Vulkaris — ela disse, sua voz cortante. — Mas palavras bonitas não mudarão os fatos. Você defendeu Impuros. Permitiu que destruíssem nossa barreira, nossa segurança. E agora estamos vulneráveis.

    Leonardo virou a cabeça na direção dela, ignorando os olhares da esposa e da filha.

    — Segurança? — Ele cuspiu a palavra como se fosse veneno. — Sua barreira não protegia ninguém além de vocês. Lá fora, as pessoas morrem, e aqui dentro vocês fingem que isso não é problema.

    — Basta! — A voz de Harrow cortou o ar, carregada de irritação. Ele se inclinou para frente, as correntes em sua cintura tilintando. — Não estamos aqui para ouvir suas filosofias. Você traiu a cidade. Aceite isso.

    Leonardo inclinou a cabeça, como se ponderasse a acusação, antes de responder calmamente:

    — Traí a cidade? Não. Eu traí vocês. E se tivesse que fazer isso de novo, faria sem hesitar.

    Fabiana soltou um leve arquejo, mas não disse nada. Carly, ao lado dela, mantinha os olhos fixos no pai, seu rosto uma máscara de confusão e medo.

    Raver se inclinou para frente, sua expressão agora sombria.

    — Leonardo Vulkaris, você não está aqui para justificar seus atos. Está aqui para pagar por eles.

    Leonardo sorriu, um sorriso cansado, mas desafiador.

    — Então faça isso, Raver. Faça o que veio fazer. Mas saiba disso: a história não se lembrará de você como um salvador. Apenas como mais um tirano.

    As palavras pairaram no ar, pesadas como chumbo, enquanto Raver se levantava lentamente, o olhar carregado de algo que ia além de raiva. Era ódio. Um ódio que só existia entre aqueles que sabiam que estavam perdendo controle.

    E naquele instante, mesmo com as correntes apertando seus pulsos, Leonardo sabia que ainda tinha o poder de desafiar.

    — Prefere a morte lenta na frente dos seus familiares ou prefere que seja feita de forma limpa, de maneira pública? Muitos tiveram a chance de escolha. — Raver demonstrou uma fragilidade para quem o observava. — E você, por ter um histórico quase perfeito, realmente mostrou que mesmo quando há uma chance de tornar sua família que veio de fora realmente Pura, tomou uma decisão que levou praticamente essa oportunidade. Sua geração…

    — Acabou? — Leonardo não tinha tirado os olhos dele. — Não preciso que me ensine sobre moralidade e ética dentro de uma cidade que nem sequer tem isso. As leis foram feitas para serem seguidas, e exatamente por isso que estou aqui, então, faremos dessa maneira. Você vai ter sua missão de me executar, mas seja rápido, está ficando sem tempo.

    Raver parou por um momento, como se o desafio direto de Leonardo tivesse tirado parte de sua compostura. Sua fragilidade, antes sutil, agora era evidente para aqueles que o observavam com atenção. Ele abriu a boca para responder, mas o silêncio que se seguiu foi mais revelador do que qualquer palavra que pudesse dizer.

    Os outros membros da cúpula trocaram olhares. Maethe estreitou os olhos, como se estivesse avaliando cada palavra dita, cada movimento feito. Harrow, no entanto, parecia prestes a explodir de raiva.

    — Você fala como se tivesse algum controle aqui, Vulkaris — disse Harrow, inclinando-se para frente. — Mas está nas correntes, no chão, como um cachorro que traiu seu dono.

    Leonardo desviou o olhar de Raver por um instante, apenas para encarar Harrow com uma expressão de desprezo.

    — Melhor estar nas correntes por uma escolha honesta do que ser livre por se curvar a homens como você.

    O salão ficou tenso. As palavras de Leonardo cortaram como lâminas, e Harrow se levantou de repente, batendo com força na mesa diante dele.

    — Insolente! — rugiu Harrow. — Você fala como se tivesse alguma dignidade, mas não passa de um traidor que colocou todos nós em perigo!

    Raver ergueu a mão, silenciando Harrow. O gesto era fraco, quase hesitante, mas suficiente para que Harrow recuasse, ainda que relutante.

    — Leonardo — começou Raver, sua voz carregada de falsa calma. — Você entende que suas ações colocaram sua família em risco? Que a presença delas aqui hoje é um lembrete do que está em jogo?

    Leonardo finalmente virou o rosto para olhar sua esposa e filha. O olhar de Fabiana era uma mistura de dor e determinação. Carly, por outro lado, tinha os olhos marejados, mas segurava as lágrimas com firmeza. Ele sentiu um aperto no peito, mas não deixou transparecer.

    — Entendo perfeitamente — respondeu ele, voltando o olhar para Raver. — E é por isso que estou aqui. Não vou implorar por minha vida, e muito menos por um perdão que vocês nunca ofereceriam. Se quiserem me executar, façam. Mas saibam que a memória disso não será apagada.

    Raver franziu o cenho, como se as palavras de Leonardo o incomodassem mais do que ele gostaria de admitir.

    — Prefere mesmo morrer assim? Sem tentar salvar o que resta de sua família?

    Leonardo soltou uma risada seca, sem humor.

    — Minha família não precisa de um homem que se ajoelha diante de tiranos. E vocês, por mais que tentem, não podem quebrar o que eu construí.

    Raver respirou fundo, sua expressão oscilando entre raiva e incerteza.

    — Então, escolheu. Será rápido e público. — Ele olhou para os guardas. — Preparem a execução.

    Os guardas começaram a se mover, mas Maethe levantou a mão, sua voz cortando o ambiente.

    — Esperem.

    Todos se viraram para ela. Seu olhar estava fixo em Leonardo, avaliando-o como se fosse uma peça em um tabuleiro.

    — Antes de seguirmos com isso, gostaria de ouvir algo dele. Uma última palavra, se é que tem alguma.

    Leonardo ergueu o queixo, o olhar firme.

    — Minhas últimas palavras? — Ele fez uma pausa, olhando para cada membro da cúpula. — Que vocês aproveitem este momento. Porque quando tudo desmoronar, e vai desmoronar, serão vocês que o povo culpará. Não eu.

    Maethe sorriu de canto, como se estivesse satisfeita com a resposta, embora suas intenções permanecessem obscuras.

    Raver, no entanto, não escondeu a irritação.

    — Chega de discursos! Guardas, levem-no.

    Enquanto Leonardo era arrastado, seu olhar encontrou o de Fabiana mais uma vez. Ele não disse nada, mas esperava que ela entendesse. Sua luta não terminava ali, mesmo que ele não sobrevivesse.

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