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    — Está vendo como é? — Raver caminhava bem a frente de Leonardo Vulkaris, mostrando sua posição para as pessoas que tinham se colocado do lado de suas casas para assistir o homem caminhar. No entanto, numa condenação era sempre notável que os sons e xingamentos se propagassem para o acusador. — Você sempre foi o mais respeitado. Sua espada e do seu pai já estão na história. Fiquei me perguntando porque você faria algo tão idiota assim, Leonardo. Por quê?

    Ele não respondeu. Nem deveria. Na verdade, no momento que decidiu erguer sua espada para as pessoas dentro de GreamHachi, ele esperava que a consequência fosse a própria morte.

    Quanto mais caminhava pela rua fria na direção do palanque já pronto para recebê-lo, mais tinha certeza de que fez algo correto. A primeira espada que se levantava contra uma ordem superior não era a última. Outros viriam, Gerhman, Sindra, talvez sua filha um dia carregaria esse mesmo desejo de não querer mais que os povos fossem tão isolados.

    — Eu posso morrer hoje, mas não vou deixar de ser lembrado.

    Raver deu uma risada e concordou.

    — Sim, você vai servir de exemplo. Estava faltando isso. Um homem mostrar sua misericordia contra um Impuro, e ai teríamos mais motivos para ir adiante contra Kappz, contra o Lago, Rapier também.

    Tantos lugares, Raver não tinha noção das pessoas que moravam do outro lado, nem de que essas mesmas pessoas tinham suas próprias forças. Como ele não entendeu que perderia para Dante naquele dia?

    — Finalmente.

    Eles entraram na grande praça. Iluminada por braseiros ao redor, com seu palanque no centro, de madeira e metal, e um tablete para onde sua cabeça seria depositada para o corte. Leonardo foi guiado por mais dois guardas até as escadas, mas esperou que Raver subisse.

    Mais gente se aglomerava ao redor, curiosos pela primeira execução em dezenas de anos.

    — O senhor Leonardo realmente vai ser executado.

    — Mas, ele defendeu um Impuro? Não tem como.

    Um dos homens surgiu mais perto, encarando com lástima.

    — O senhor não deveria ter feito aquilo. Não deveria ter protegido ninguém que não é Puro, senhor.

    Pureza, pensou Leonardo ao começar a subir os degraus. As mentes deles já tinham sido intoxicadas. Ninguém era puro quando usava as mentes ingenuas com promessas irreais.

    Leonardo subiu os degraus devagar, o peso das correntes em seus pulsos combinando com o fardo invisível que carregava nos ombros. O frio cortava o ar, mas ele não se importava. Seus olhos varreram a multidão ao redor, homens e mulheres que uma vez o respeitaram, agora divididos entre indignação e tristeza. A praça parecia menor, sufocada pela tensão e pelos murmúrios.

    As palavras “puro” e “impuro” ecoavam nos lábios das pessoas como um cântico doente, uma prece para justificar atos que não deveriam ser feitos. Leonardo conhecia aquele veneno, um sistema que criava inimigos onde não havia, uma ordem que sobrevivia à custa do ódio e do medo.

    Raver estava no topo, já de costas para ele, erguendo os braços para silenciar os curiosos e dar início ao espetáculo. A silhueta dele contra os braseiros parecia maior do que era, uma sombra grotesca que escondia sua verdadeira fraqueza.

    — Povo de GreamHachi! — Raver começou, sua voz ecoando pela praça. — Hoje, testemunhamos o que acontece com aqueles que traem nossa cidade, nossos valores, nossa pureza!

    O som de aplausos hesitantes foi abafado pelos murmúrios. Nem todos estavam convencidos, mas ninguém ousava falar.

    Leonardo parou no último degrau, seus olhos fixos na multidão. Ele viu rostos conhecidos, alguns amigos de longa data, outros simples vizinhos. Todos evitavam seu olhar, como se o contato visual pudesse transferir sua condenação.

    Ele inspirou fundo.

    — Está pronto para seu momento final, Vulkaris? — provocou Raver, girando para encará-lo.

    Leonardo levantou o queixo, sua expressão calma, mas firme.

    — Sempre estive. A pergunta é: e você?

    Raver piscou, desconcertado por um instante, mas logo recuperou o controle.

    — Eu não estou no palanque com correntes, Leonardo.

    — Não ainda — respondeu ele, e a multidão murmurou mais alto.

    Raver ignorou, mas o rubor em seu rosto traiu o desconforto.

    Os guardas empurraram Leonardo para frente, posicionando-o no centro do palanque. A madeira rangia sob seus pés, o tablete para sua cabeça à sua frente, frio e impessoal. Ele se ajoelhou sem resistência, o olhar ainda fixo na multidão.

    Fabiana e Carly estavam lá, mantidas a distância, mas próximas o suficiente para que ele pudesse vê-las. O olhar de Fabiana era de desespero contido, enquanto Carly, mesmo jovem, mantinha uma postura rígida, determinada a não deixar lágrimas caírem.

    Leonardo sorriu para elas, um sorriso pequeno, mas cheio de significado.

    Raver ergueu a mão para chamar a atenção.

    — Que isso sirva como um lembrete! Aqueles que desafiam a ordem de GreamHachi não têm lugar entre nós. Sua traição será punida!

    O carrasco apareceu, segurando uma lâmina curva, afiada e brilhante. Ele se posicionou ao lado de Leonardo, aguardando a ordem.

    — Alguma última palavra, Leonardo? — perguntou Raver, triunfante.

    Leonardo inclinou a cabeça, encarando-o.

    — Sim. — Sua voz era alta o suficiente para ser ouvida, mas não tremia. — Lembrem-se de que esta cidade não é construída com pureza, mas com medo. Vocês podem me matar, mas a verdade não morre comigo.

    Raver rangeu os dentes, irritado pela convicção nas palavras de Leonardo.

    — Prossiga — ordenou ele ao carrasco.

    O homem ergueu a lâmina, mas antes que pudesse desferir o golpe, um som ensurdecedor rasgou o ar.

    — Lei de número 32, Artigo 4, decretado pelo Mestre Cordeal, filiado à massa e à cúpula.

    A voz soou firme e carregada de autoridade, rompendo o murmúrio pesado que pairava no ar como um véu sufocante. O carrasco, com a lâmina suspensa, parou seu movimento. Um filete de nervosismo percorreu sua garganta, fazendo-o engolir seco. As mãos firmes que seguravam o instrumento da morte agora tremiam ligeiramente, traindo o controle que ele deveria ostentar.

    Raver, que até então mantinha a postura dominante, congelou no lugar. Seus olhos, semicerrados, procuravam com urgência a origem da voz. A familiaridade daquela entonação não apenas o inquietava, mas parecia despertar algo incômodo em sua memória.

    — E me parece que ninguém se lembra bem das leis que nos regem como seres humanos.

    A voz cortou o silêncio novamente, cada palavra ressoando como um martelo contra a moral coletiva. Havia uma intensidade nas palavras, uma força que parecia destinada a atingir não apenas os ouvidos, mas as consciências.

    — Vocês dizem que conhecem a verdadeira arte, mas gritam pela morte de um reverenciado como Leonardo Vulkaris.

    As palavras eram como lâminas afiadas, penetrando nas crenças que sustentavam aquela multidão. Havia um peso palpável na menção do nome de Leonardo, um nome que carregava consigo uma história imensa, quase mítica.

    — Ele, quem portou sua espada por mais de trinta anos, afastando os Felroz e mantendo os saqueadores e ladrões longe de nossa cidade.

    Cada feito listado era uma acusação contra a multidão, uma lembrança amarga de que aquele homem, agora ajoelhado e algemado, havia sido um protetor, um símbolo de força e lealdade.

    — Um homem que batalhou do lado de fora da cidade contra um demônio de Rapier, cerca de cinco anos atrás.

    A referência ao passado recente, a um ato heroico que poucos ousariam sequer tentar, trouxe um peso quase tangível à praça. As palavras reverberavam, desafiando cada indivíduo a encarar sua própria hipocrisia.

    — Ignoram sua história e o sentenciam à morte?

    A pergunta pairou no ar como uma sentença, desafiando o senso de justiça de cada pessoa presente. Não era apenas uma pergunta retórica, mas um apelo à razão, à moralidade, ao que restava de humanidade naquele cenário.

    — As leis ditam a verdade.

    Houve um breve silêncio, como se as palavras precisassem de espaço para se acomodar nas mentes dos ouvintes.

    — As leis são a verdade. Sem elas, não somos diferentes dos animais lá de fora.

    Gerhman saiu caminhando do meio de um aglomerado de pessoas com um livro grosso e antigo em seus braços. Usava seu óculos de leitura, mas apontava para a página que lia. O rapaz foi encarado por todos, inclusive Harrow e Zeck que se aproximavam do outro lado da praça.

    — E pela lei, um espadachim aposentado pode desafiar a própria cidade em uma batalha.

    — Ele não é mais um espadachim — berrou Harrow chegando mais perto, irado. — Você dita as regras, mas também iria proteger um Impuro.

    — Está contrariando as regras? — Gerhman folheou mais uma vez e fez silêncio descendo até uma parte. — Ah, aqui. Se um homem diz que as leias da cidade não são válidas e se coloca acima delas, ele deve ser decapitado.

    Gerhman encarou o rosto de Harrow e Raver.

    — E então, qual dos dois referenciados quer morrer agora?

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