Capítulo 136: Lei ou Decreto?
— Esse é o caminho que os nossos ancestrais nos deram.
A voz de Gerhman ecoou pela praça, firme e carregada de convicção. Ele deu três passos à frente, o peso de cada movimento ressoando como um desafio à multidão que se reunia ao redor. Não eram apenas algumas pessoas — a execução havia atraído quase mil moradores, lojistas e soldados. A praça estava lotada, um mar de rostos atentos, uns cheios de expectativa, outros marcados pela incerteza.
Gerhman olhou para cada um deles, absorvendo a tensão que pairava no ar. Ele podia sentir os questionamentos que pulsavam entre os presentes, dúvidas e confirmações pairando como nuvens densas. Muitos ali nunca haviam testemunhado uma execução. Outros, talvez, nunca tinham visto as leis sendo aplicadas de forma justa e verdadeira.
— Quantos homens foram executados injustamente?
A pergunta atravessou a multidão como uma faísca em um campo seco. Gerhman ergueu o queixo, sua postura desafiadora.
— Eles dizem que Leonardo ajudou um homem, mas esse mesmo homem foi enganado por aqueles que seguem.
Ele estendeu o dedo, apontando diretamente para Raver, que permaneceu imóvel, embora sua expressão denunciasse um leve desconforto.
— Ele, somente ele, é o culpado por esse problema. Fez um acordo com um Impuro, um acordo que obrigava o homem a defender uma hidrelétrica por dez anos. Dez anos de exílio, lutando contra o frio, contra criaturas e contra a própria desesperança. E, somente após esse período, Raver Ibrick prometeu deixá-lo se tornar um Puro.
A multidão começou a murmurar, vozes se entrelaçando como ondas de um mar agitado.
— Mas nada disso é real.
Gerhman levantou a voz, abafando os murmúrios que cresciam. Era como jogar óleo em uma chama já viva, e o efeito foi imediato. As pessoas começaram a olhar umas para as outras, buscando confirmação ou refutação na expressão de quem estava ao lado.
— E agora, quando dizem que Leonardo Vulkaris deve ser executado, afirmam também que as leis devem permanecer fiéis até seu último ato de moralidade. Então, que seja feita a vontade das leis.
O olhar de Gerhman estava fixo em Raver, cuja falsa calma começou a se dissipar. Havia algo em sua postura — uma rigidez sutil, um leve tremor nos lábios — que denunciava sua luta para manter o controle da situação.
— Gerhman — começou Raver, tentando recobrar a compostura —, se você quer um espetáculo, acabou de ganhar um. Esse povo realmente merece ouvir que um homem que defende Impuros precisa que as leis sejam usadas de forma correta?
Ele gesticulou com desdém para a multidão.
— Um povo que foi traído depois de confiar tanto, guardando um homem que nunca teve sua honra revelada.
— E quem é você para dizer qual lei é ou não funcional?
Gerhman avançou um passo, sua voz cortante como uma lâmina.
— Então, se eu não precisar de homens para lidar com uma guerra, posso decretar a vitória simplesmente erguendo a bandeira branca?
Raver soltou uma risada seca e balançou a cabeça, tentando disfarçar o golpe que aquelas palavras haviam desferido.
— Não se vence uma batalha com uma bandeira branca.
— E nem se fazem leis menores do que homens.
A resposta de Gerhman foi imediata, sua voz transbordando determinação. Ele apontou para Leonardo, ainda ajoelhado e acorrentado, mas com o olhar firme, como se estivesse em paz com seu destino.
— Dê a Leonardo Vulkaris a verdadeira honra de um espadachim. A vida por combate, como nossos antepassados decidiram ser o correto.
— Não é dado o direito de escolha pelos homens desonrados.
Gerhman ergueu o dedo.
— Essa é a lei que determina a pena de todos os homens presentes dentro da própria GreamHachi, não é algo que você ou qualquer um determina. – Seu dedo ficou apontado na direção de Raver, mas ninguém se moveu. – Independente do que o veredito, ele tem a escolha como um decreto exercido.
Houve tensão entre os dois lados. Gerhman sabia bem que a lei determinava que somente Leonardo poderia lutar, mas isso não seria difícil de levar em consideração. Se houvesse uma espada na mão daquele homem, nenhum daqueles malditos teria chance.
Era por isso que o tiraram da alta cúpula. Desde sempre, eles retiraram os mais velhos do conselho, da cúpula, das decisões mais arriscadas, agora as consequências chegavam depois de anos. A cidade passava pela maior crise, sem ao menos ter um ministro da moeda para cultivar a chance de negociarem fundos.
A única forma era usar os homens e mulheres que estavam do lado de fora como marionetes. E isso era impensável, até mesmo para Gerhman.
— Você ousa dizer que estou errado? — Raver pressionou a pergunta como uma lâmina, tentando fincá-la na garganta de Gerhman. — A vontade daqueles que morreram para proteger o que é justo será jogada fora simplesmente porque você quer? Que tipo de líder passa por cima do que é certo? Que liderança é essa que não questiona seus métodos? E que povo são vocês que aplaudem enquanto um homem como Leonardo Vulkaris seria decapitado sem sequer a oportunidade de defender sua honra? Quando nos tornamos tão… animais? O que vocês realmente querem ver? A morte imposta pelas mãos de um homem ou a justiça que vem dos céus?
As palavras ecoaram, misturando-se com os murmúrios que começaram a se espalhar entre a multidão. Era impossível ignorar as vozes sussurradas, algumas mais audíveis, questionando Raver e o peso de sua liderança. A atmosfera mudou, densa e carregada. Gerhman podia sentir o momento virar a seu favor.
— Ouçam a minha voz! — ele gritou, erguendo-a acima do caos crescente, comandando atenção absoluta. — Essa é a lei dos homens, não a de Deus. Quem somos nós para julgar a verdade ou a justiça? Então que seja feita a vontade da própria verdade, porque eu irei mostrar a verdade pelo Decreto.
Raver e Harrow reagiram de imediato, negando em uníssono, como se tentassem desesperadamente retomar o controle da situação.
— Isso não é necessário! — Raver foi o primeiro a falar, sua voz carregada de urgência. — Usar uma habilidade contra as pessoas seria desastroso.
Ele hesitou por um momento, talvez ponderando o impacto de suas palavras, mas logo prosseguiu:
— As leis podem ser mutáveis, mas Gerhman está correto. Se existe a possibilidade, que seja feita a vontade das próprias leis escritas por nossos antepassados.
Raver deu alguns passos à frente, posicionando-se como se quisesse recuperar sua autoridade.
— Leonardo Vulkaris terá a batalha que deseja. Ele poderá escolher um único homem para representá-lo, enquanto a Cúpula escolherá o seu. — Raver lançou um olhar gelado para Gerhman, uma promessa de que a situação não ficaria por isso mesmo. — E que Deus tenha piedade daquele que perder.
Um sorriso escorregou pelo rosto de Gerhman, carregado de uma confiança que parecia quase insolente. Ele ergueu os braços, incitando a multidão, que agora se agitava com a reviravolta inesperada.
— E se Leonardo vencer, pela lei, ele terá o direito de sair desta cidade com seus pertences e sua família. Assim como entrou pela porta da frente, poderá sair por ela, de cabeça erguida, carregando a dignidade de quem conquistou sua liberdade.
Cada palavra era uma provocação calculada. Gerhman observava os rostos de Harrow e Raver, a raiva deles crescendo a cada instante, as expressões carregadas de frustração mal contida.
Esse é o jogo que eu domino, seus idiotas, pensou Gerhman, triunfante. E nenhum de vocês pode me vencer.
— Uma semana! — ele gritou, sua voz cortando o ar como um trovão. — Uma semana será o necessário para que a luta ocorra!
A multidão explodiu em murmúrios e exclamações, o anúncio de Gerhman acendendo um fervor que transformava a tensão em excitação. Enquanto isso, ele permanecia no centro do turbilhão, cada vez mais certo de que o controle da narrativa estava em suas mãos.
E os seus adversários o fitando fervilhando.
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