Capítulo 139: Ajuda
— Não tenho muito tempo. — Gerhman sussurrou, abaixando-se junto às grades com a urgência de um homem que sabia ser observado. O suor brilhava em sua testa suja de fuligem, e seu casaco, outrora digno de um comerciante respeitável, estava manchado de lodo até a barra. O cheiro do esgoto misturava-se ao metal frio das celas. — Eles não aceitam ninguém da cidade para ser seu escudo. Estou tentando negociar com os lojistas, alguém de fora, mas Raver… Raver vai escolher um dos Romancers. Talvez Januário. O mesmo que te substituiu.
Leonardo manteve a cabeça baixa, como se o peso de seu destino fosse um fardo físico. Os cabelos brancos, outrora tão puros quanto a neve, estavam agora empastados de sujeira, poeira e lama, formando nós que pendiam como cordas. O espadachim de outrora havia desaparecido, substituído por uma sombra vestida de trapos marrons, as correntes em seus pulsos um cruel lembrete de sua nova condição.
Ele ergueu o olhar, apenas por um momento, e Gerhman quase recuou. Aqueles olhos, que antes irradiavam confiança e habilidade, agora carregavam o vazio de um homem despido de tudo.
— Gerhman… — A voz de Leonardo saiu como um sussurro, áspera e quebradiça, um eco de sua antiga força. — Proteja minha família. Tire-os daqui. Ninguém… vai me ajudar.
O jovem balançou a cabeça com veemência, apertando as barras como se quisesse rompê-las pela força de sua vontade.
— Deixar você morrer? Não. Isso é impossível.
Ele se aproximou mais, até que o ferro frio quase tocou sua testa.
— O senhor não será morto aqui. Prometo que vou tirá-lo.
Gerhman sentiu o peso do olhar de Leonardo. Havia algo de cruel naquela troca: o homem que o acolhera como aprendiz na Cúpula, que lhe ensinara o valor de uma lâmina e a arte da palavra, agora estava à mercê de um destino que ele, Gerhman, não tinha poder para evitar. A culpa era uma adaga cravada fundo. Leonardo estava ali porque ousara desafiar um homem que se dizia dono de GreamHachi. Por isso, seria sentenciado.
Acima deles, o som de botas ecoou no corredor. A porta rangeu ao se abrir, acompanhada de vozes ríspidas de guardas. Gerhman lançou um último olhar a Leonardo, um olhar carregado de promessas e desespero, antes de se virar e desaparecer pelo quadro de esgoto.
A luz fraca da tocha dançou sobre o rosto de Leonardo, mas não aqueceu. Ele permaneceu ali, imóvel, uma estátua quebrada, esperando o golpe que sabia estar por vir.
I
Gerhman emergiu do bueiro com um movimento rápido, erguendo-se no silêncio pesado da noite. O cheiro do esgoto ainda o envolvia, uma lembrança pungente de onde estivera. Antes que pudesse falar, uma toalha foi estendida em sua direção. Johan, o grande lojista, aguardava, a expressão rígida emoldurada pela luz vacilante de uma lanterna. Ele apontou para uma escada próxima com um gesto autoritário.
— Banho. Deixei roupas novas no quarto. Agora. — A voz de Johan era um grunhido firme, quase uma ordem.
Gerhman balançou a cabeça, a exaustão e a urgência em seus olhos falando mais alto que palavras.
— Não vou precisar disso. — Ele passou a toalha por cima dos ombros, mas não fez menção de usá-la. — Tenho que arrumar um jeito de sair da cidade. Não há tempo, Johan.
Por um instante, o grandalhão pareceu desabar. O braço, antes erguido com a força de sua convicção, caiu lentamente ao lado do corpo. A luz em seu rosto apagou-se como uma vela no vento.
— Sair? Não. Você vai se tornar Impuro. É isso que vai acontecer.
Aquelas palavras cortaram Gerhman como uma lâmina oculta. Ele ergueu uma sobrancelha, os lábios curvando-se em uma expressão de incredulidade.
— Você ouviu o que vão fazer com a família do senhor Leonardo? — Sua voz saiu mais alta do que pretendia, ecoando no corredor estreito. Ele passou a mão pelo rosto, tentando conter a torrente de pensamentos. Quando a abaixou, seus olhos encontraram o quadro pendurado na parede, bem no centro do corredor que levava ao segundo andar.
A pintura parecia observá-lo de volta, com uma nitidez cruel. Era Johan, Leonardo e ele, ainda uma criança, os três juntos em um dia ensolarado que parecia pertencer a outra vida. O peso da memória o atingiu como uma marreta.
— Eu devo isso a ele. — Gerhman murmurou, os dedos crispando ao lado do corpo. — Devo muito a ele.
Johan balançou a cabeça, um gesto insistente e quase desesperado.
— Não deve nada. Nada! Leonardo está preso. Acabou.
— E eu estou solto! — Gerhman deu um passo à frente, o tom ganhando intensidade. — O que importa agora é tirá-lo de lá. Ele nos deu tudo, Johan. Você acha que vou simplesmente cruzar os braços?
Johan hesitou, mas sua resistência não cedeu.
— Mesmo que você tente… Leonardo disse que aquele homem era mais forte. Muito mais forte.
— Então, é só encontrar alguém mais forte. — Gerhman disse, o tom afiado como uma lâmina. — E eu sei exatamente onde procurar. Consegue me colocar para fora ou não?
Johan permaneceu em silêncio, os olhos cravados em Gerhman como se buscassem algo além das palavras. A hesitação no rosto do lojista era uma sombra que o jovem não podia permitir. O tempo estava contra ele, e cada segundo perdido parecia mais um grilhão.
— Tenho um colega. — Johan finalmente murmurou. — Espere no fundo da casa. Vou chamá-lo.
Duas horas se arrastaram como se fossem dias. Gerhman esperava, sentado sobre um barril, o corpo escondido entre tábuas e feno. O frio era cortante, infiltrando-se até os ossos. Ele tremia, mas sua mente se agarrava a outra imagem: as roupas surradas que Leonardo usava na cela. O pensamento era um estranho consolo, sufocando sua irritação diante do desconforto.
O som de uma carroça quebrando o silêncio noturno o despertou. As rodas batiam contra o asfalto irregular, um ruído que parecia ecoar no vazio. Quando parou junto ao portão da loja de materiais, Johan surgiu para abri-lo. A pequena lanterna que carregava projetava sombras dançantes, e ele a pousou no chão com cuidado.
Gerhman se levantou, mas não se moveu de imediato. Observava.
Johan abriu a porta da carroça, e um homem emergiu da lateral, como uma figura saída de uma pintura borrada pela penumbra. A carroça estava abarrotada de caixotes empilhados e lacrados, mas o foco de Gerhman estava no estranho. Nunca o havia visto antes. Johan, no entanto, o cumprimentou como faria com um velho amigo, o aperto de mãos entrelaçado seguido por um abraço de um braço.
— Bom te ver, Jonny.
— Não gosto de rever velhos companheiros quando Leo está na cadeira. — A voz de Jonny era grave, marcada pelo peso de uma história que Gerhman não conhecia. Seus olhos escanearam o ambiente até pararem, implacáveis, onde Gerhman estava. Mesmo nas sombras, ele sentiu o olhar perfurá-lo como uma lança. — Esse é o nosso cara?
Johan assentiu, o rosto sério.
— Gerhman, pode vir.
Com passos cautelosos, ele se aproximou. Jonny o observou de cima a baixo, avaliando algo que Gerhman não podia decifrar. Mas Gerhman fez o mesmo. Não havia nada no homem que sugerisse força como a de Leonardo ou a importância de Johan. Apenas uma presença fria e resoluta.
— Vai ser uma viagem só de ida, sabe disso. — Jonny declarou, sua voz pesada como chumbo. — Quando voltar, é melhor estar preparado para soltar Leonardo ou morrer tentando. Não vai ter ajuda lá fora. Nem de mim, nem de ninguém.
— Ele sabe. — Johan respondeu antes que Gerhman pudesse. — Nosso maior problema será lidar com o sumiço dele aqui dentro. Mas vou pedir para Hena preparar o público.
— Boa pedida.
Jonny subiu na carroça, segurando a porta aberta. Ele estendeu a mão para Gerhman, que hesitou por um instante.
— Vamos, cara. Não temos tempo para conversa fiada.
Gerhman agarrou a mão do homem e subiu rapidamente. Do lado de dentro, o cheiro de madeira e poeira era sufocante, mas o silêncio era pior. Johan fechou a porta atrás dele, e, em um instante, o mundo lá fora desapareceu, engolido pela escuridão.
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