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    Dante permaneceu ao lado de Cerberus, observando a figura mascarada enquanto a luz esverdeada emanava de suas mãos. Era curioso como aquele homem, antes tão temido, agora parecia quase… humano. Cerberus havia se isolado nos primeiros dias, mas aos poucos tornara-se parte do abrigo, ajudando Simone a cuidar de Duna. Dante ainda tentava compreender o paradoxo que ele representava: um carrasco que agora salvava vidas, não por bondade, mas por necessidade.

    Duna, deitado em uma maca improvisada, esticou sua mão boa em direção a Dante, o rosto marcado por uma expressão que oscilava entre cansaço e alívio.

    — Ah, Dante. — A voz do velho soou rouca, mas carregada de um tom brincalhão. — Vi que você mandou os meus garotos pegarem minhas coisas. Fez bem em deixar a menina e o velhinho na linha de frente?

    Dante segurou a mão estendida, apertando-a com cuidado, como quem segura algo precioso e frágil.

    — Jix e Juno sabem se cuidar, Duna.

    O velho arqueou as sobrancelhas, um gesto que denunciava sua incredulidade.

    — Sei que sim, mas ficaria menos preocupado se fosse aquele cara, o atirador. Por que mandou a menina?

    — Juno é minha protegida — respondeu Dante, com um meio sorriso que carregava mais peso do que ele gostaria de admitir. — Mas ela tem talento. Sua habilidade está quase no mesmo nível que a minha. Ela precisa de experiência, e Marcus é mais útil aqui, cuidando de tudo. — Ele deu um leve tapa no ombro de Duna, um gesto amistoso que não conseguia mascarar a seriedade em sua voz. — Não se preocupe. Se Juno não voltar com o seu braço novo, a gente dá um jeito de consertar, não é, Cerberus?

    Cerberus ergueu a cabeça, o brilho verde refletindo em sua máscara enquanto sua voz soava baixa e tranquila.

    — Sim, com certeza. Sua capacidade de absorção de Energia Cósmica não foi comprometida. Simone e Clerk fizeram um trabalho impressionante em estabilizar suas feridas, mesmo com os poucos recursos que tinham. Assim que trouxerem tudo, posso concluir o processo.

    Duna fitou o mascarado por alguns segundos, a desconfiança dançando em seus olhos. Ele então voltou-se para Dante, como quem busca confirmação.

    — Confia mesmo no Carrasco de GreamHachi, Dante?

    Dante sorriu, aquele sorriso que parecia desarmar qualquer argumento.

    — Duna, eu confio em você. E confiei nos seus dois alunos, mesmo quando vieram tentar me matar. Por sorte, não precisei matá-los. Então, dê uma chance ao rapaz.

    O velho suspirou, rendendo-se à lógica desconcertante de Dante.

    — Certo. Eu queria dizer que não me sinto melhor, mas… não sinto dor desde que ele começou a usar essa habilidade. — Ele riu, uma risada seca e amarga. — E pensar que o homem que matava qualquer um que se aproximasse da hidrelétrica agora está me ajudando. Ei, garoto, o que Dante fez para te fazer mudar de ideia?

    Cerberus permaneceu em silêncio, os olhos fixos no trabalho em suas mãos.

    — Ah, vai, conta pra mim — insistiu Duna, inclinando-se para frente, curioso como uma criança diante de um mistério. — O que foi que ele fez?

    Finalmente, Cerberus quebrou o silêncio, sua voz carregada de algo sombrio.

    — Ele agarrou meu braço, me levantou duzentos metros no ar e me jogou contra as defesas de GreamHachi. — Ele virou o rosto para Duna, a luz esverdeada dançando em sua máscara. — Quebrou a barreira da cidade, lutou contra os guardas e me mostrou que eu era apenas um escravo. Foi isso o que ele fez.

    O sorriso de Duna desapareceu, substituído por uma expressão sombria. Ele lançou um olhar questionador para Dante, cuja expressão, para seu desconforto, era de pura diversão.

    — Ele está brincando, certo?

    Dante não respondeu, mas foi Cerberus quem falou, sua voz cortante como uma lâmina.

    — Por que acha isso? — Seus olhos, mesmos ocultos pela máscara, pareciam perfurar Duna. — Ele me trouxe aqui à força. Me fez entender algo que ignorei por nove anos inteiros.

    Duna desviou o olhar, o peso das palavras pairando no ar como uma sombra. E Dante, sempre sorridente, parecia alheio à tempestade que havia provocado, ou talvez estivesse exatamente onde queria estar: no olho do furacão.

    Dante inclinou-se levemente para frente, um sorriso brincando em seus lábios, e piscou um dos olhos para Duna.

    — Está vendo? — disse ele, com a familiaridade de quem já viveu mais do que deveria. — A gente faz de tudo para trazer as pessoas de volta para a linha.

    Duna soltou uma risada seca, carregada de algo entre incredulidade e resignação.

    — Você é uma peça rara, Dante. Mais raro ainda é esse garoto aqui. — Ele apontou com o queixo para Cerberus, que permanecia em silêncio, concentrado no trabalho em curso. — Cerberus, é isso mesmo? Esse é seu nome de verdade ou é só um apelido pra te dar um ar mais ameaçador?

    Dante virou-se para o mascarado, curioso. O nome “Cerberus” sempre parecera algo imposto, uma sombra do que o homem realmente era. Ainda assim, ele continuava, a aura verde fluindo de suas mãos enquanto trabalhava no braço de Duna.

    — Heian. — A palavra saiu baixa, quase um sussurro, como se tivesse peso demais para ser dita em voz alta. — Mas não sou chamado assim há mais de vinte anos.

    Foi a primeira vez que Dante ouviu Cerberus falar com tanta naturalidade. Não havia a frieza habitual, nem a cautela que ele carregava como uma armadura. Por um momento, Dante se viu ponderando como seria possível fazer com que aquele homem encontrasse conforto no abrigo, mesmo sabendo que as pessoas ali ainda carregavam desconfianças em relação a ele.

    Simone, no entanto, fora a primeira a estender a mão. Literalmente.

    — Deixa eu ver essa cara. — Foi o que ela disse ao puxar Cerberus para perto, arrancando a máscara sem cerimônia.

    Ele ficou paralisado, como se a máscara fosse parte de si, mas Simone não se intimidou.

    — Você tem um rosto bonito demais pra esconder assim. — Ela apontou um dedo na direção dele, com um tom de quem não aceita argumentos. — Espero que tire essa coisa toda vez que estiver comigo, entendeu? Quero te ver sorrindo e bem. Não com essa cara de bunda mal lavada.

    Cerberus virou o rosto, confuso.

    — O que seria uma bunda mal lavada?

    — É essa cara que você faz, como se tivesse cheirado merda. Agora, para de falar sobre merda e bundas e vamos trabalhar.

    Desde então, Cerberus passava mais tempo com Simone do que com qualquer outra pessoa, e, para a surpresa de muitos, parecia gostar disso. Ele se dedicava ao trabalho com uma intensidade que sugeria mais do que mera obrigação, uma necessidade de ser útil, de fazer parte.

    Dante quebrou o silêncio, chamando o nome de Cerberus com um tom deliberadamente alto:

    — Heian. — Ele sorriu, testando o nome na boca, como se experimentasse um vinho raro. — Heian Cerberus. É um belo nome. O que acha, Duna?

    O velho bufou, sem esconder sua opinião.

    — Acho que você é maluco, e ele, um lunático. — Ele estreitou os olhos para Dante, como se quisesse ler algo que não estava sendo dito. — Agora, Clara me disse que você vai ficar uns dias fora. Vai pra onde, hein? Já não basta me tirar os meus garotos, quer parar de ouvir minhas reclamações também?

    Dante riu, aquela risada que carregava o peso de responsabilidades que ninguém deveria carregar sozinho.

    — Vai sentir minha falta, Duna?

    O velho revirou os olhos, mas não respondeu.

    — Heian – chamou Dante, de forma amigável. – Está na hora. Termine e me encontre lá em cima.

     Ele concordou com a cabeça levemente e continuou focando. Dante deu as costas e saiu caminhando. Antes de chegar a escada, gritou para Duna:

    — Vê se fica vivo até eu voltar, velhote. 

    — Cala a boca, seu velho maluco.

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