Índice de Capítulo

    Num impulso feroz, Dante se lançou ainda mais alto, a altitude roubando o fôlego, mas alimentando uma euforia que ele não sentia desde que pisara em Kappz. A cidade inimiga surgia no horizonte como uma promessa — de conflito, de confronto, de respostas. A adrenalina queimava em suas veias, tão viva quanto o vento gelado que cortava sua pele.

    Não era apenas a batalha que o excitava. Era a possibilidade de enfrentar Januario, o homem que parecia ocupar um espaço em sua mente que ele mal entendia. Lembranças enterradas emergiam à superfície — de seu pai, anos atrás, com ordens severas e uma mão pesada. “Seja mais forte, mais rápido, mais resistente.” As palavras ainda ecoavam, uma oração distorcida que ele odiava, mas que o moldara. E sempre, sempre, a punição vinha junto. A dormência no braço depois de cada golpe, o gosto amargo da derrota misturado à dor do esforço.

    A voz de Gerhman cortou seus pensamentos.

    — O que está fazendo? — ele gritou contra o rugido dos ventos. — Por que diabos quer ir tão alto?

    Dante respondeu com uma risada curta, sem olhar para trás. Ele aumentou o fluxo de Energia ao redor de si, afastando as correntes de neve e vento que tentavam prendê-lo. A cada metro que subiam, a tempestade parecia ganhar vida própria, tentando expulsá-los.

    E então, ele parou. Lá no alto, onde o ar era rarefeito e os ventos uivavam como espíritos raivosos, Dante abriu os braços e fechou os olhos.

    Sem aviso, ele se deixou cair.

    O mundo se dissolveu em sensações: o som das rajadas de vento, o peso do frio contra sua pele, e a Energia cinética que pulsava em seu corpo, acumulando-se com cada segundo de queda.

    “Conversão atingindo 5%,” a voz de Vick soou, quase entediada, mas com um tom mais humano do que o habitual.

    — Só isso? — Dante murmurou, abrindo os olhos para encontrar o olhar de puro horror de Gerhman, que ainda era arrastado junto a ele.

    — Por que está com medo? — ele provocou, o tom casual como se estivesse em uma conversa tranquila e não em uma queda livre rumo ao solo.

    Com um movimento brusco, Dante liberou rajadas de ar das solas de suas botas, desacelerando a queda em um instante e, em seguida, acelerando novamente, como uma flecha. O ar ao redor se contorceu, criando um rastro de energia que vibrava como um trovão.

    Eles passaram por Cerberus, que seguia sua rota linear, impassível como sempre, e Dante executou uma curva fechada, mergulhando entre prédios e casas em ruínas, cada movimento calculado, mas insano.

    — Vai nos matar desse jeito! — gritou Gerhman, agarrando-se como podia. — Não podemos voar de forma… normal?

    Dante olhou para ele por cima do ombro, um sorriso selvagem iluminando seu rosto.

    — E onde estaria a graça nisso?

    A cidade de GreamHachi surgiu além das sombras, uma visão familiar que, ao mesmo tempo, carregava o peso de um passado que nenhum dos três desejava revisitar. As torres irregulares e os muros quebrados contrastavam com a aura ameaçadora que emanava da barreira do Aquário. O som de ordens altas e gritos desenfreados atravessava a tempestade, cortando o vento como lâminas invisíveis.

    Dante ergueu a mão, um gesto rápido que indicava para pararem ali. Ele diminuiu a velocidade e pousou no terraço inclinado de um prédio que parecia ter sido empurrado para o lado pela força do tempo ou de algum evento passado. Com um movimento firme, largou Gerhman, que caiu sobre a neve e deslizou até quase alcançar a beirada.

    O homem respirava com dificuldade, apoiando-se nas mãos enquanto lutava para se equilibrar.

    — Cacete… — arfou, o peito subindo e descendo como se o ar lhe fosse negado. — Eu achei que ia morrer.

    Dante pousou com leveza, sem traço algum de cansaço, e riu de forma breve.

    — Calma. Nem fomos rápido.

    Gerhman levantou o olhar, a irritação estampada no rosto.

    — Se eu morrer, como acha que vai entrar na cidade? Não é só chegar lá e bater na porta. Não tínhamos um plano?

    Dante deu de ombros, abanando a mão como se fosse uma questão menor.

    — Relaxa, não precisa ficar tão desesperado. Eu parei aqui porque parece que eles já têm problemas suficientes. Não está ouvindo?

    Foi só então que Gerhman silenciou e prestou atenção. Os gritos, antes abafados pela ventania, agora pareciam se intensificar. Um som fino, agudo demais para ser ignorado, acompanhava os berros. Algo além do humano estava em movimento.

    Heian Cerberus aterrissou ao lado de Dante, sua postura ereta e o rosto tão inexpressivo quanto sempre, mas a voz que quebrou o silêncio tinha uma seriedade incomum. Ele apontou para frente, inclinando-se ligeiramente.

    — Parece que um Felroz do tipo voador está tentando invadir a cidade — disse, os olhos fixos no horizonte turvo.

    Gerhman franziu o cenho, tentando visualizar o que Cerberus descrevia.

    — Um Felroz? Voando? Desde quando esses malditos voam?

    — Nunca vi um assim — respondeu Cerberus, o tom seco, quase indiferente, mas os olhos denunciavam uma ponta de preocupação. — Ele tem asas. Lembra uma andorinha, mas cada asa tem cerca de seis braços maiores.

    Dante estreitou os olhos, tentando distinguir a figura que começava a tomar forma contra a luz pálida da tempestade. O som agudo crescia, como se a criatura estivesse rasgando o próprio ar ao se aproximar.

    — Então, a diversão já começou — disse Dante, com um sorriso perigoso no rosto. — Parece que a gente chegou na hora certa.

    — Hora certa pra quê? — disparou Gerhman, levantando-se com esforço. — Isso parece mais um convite pra morte.

    — Convite ou não, estamos aqui. — Dante deu um passo à frente, ajustando as luvas como se fosse uma preparação ritualística. — Vamos ver se GreamHachi realmente tem culhão para enfrentar aqueles carniças.

    Cerberus cruzou os braços, observando o movimento da criatura à distância.

    — Se for o que penso, essa coisa não vai parar até derrubar a barreira.

    Dante olhou para ele, o sorriso ainda no rosto, mas os olhos já calculando.

    — Então, acho que vamos ter que mostrar que nem tudo o que voa é livre.

    Os três ficaram em silêncio por um momento, o som da tempestade e os gritos à frente preenchendo o espaço entre eles. A tensão no ar era palpável, mas Dante não parecia abalado.

    — Vamos. — Ele virou para os dois, a determinação brilhando em seus olhos. — GreamHachi vai nos agradecer depois. Ou não. Tanto faz. A gente nem veio pra isso mesmo. Vamos derrubar a criatura, mas quero testar algo.

    — O quê?

    — Cerberus, você consegue usar uma habilidade de dominação? Gerhman precisa voar sem mim.

    As palavras pairaram no ar como uma lâmina prestes a cair. Para surpresa de Dante, Heian soltou uma risada baixa e inesperada, abafada pela máscara que cobria parte de seu rosto.

    — Tem certeza de que quer fazer isso? — perguntou ele, com um tom que beirava a provocação. — Ele vai ficar assustado demais.

    — Não tem problema.

    Dante virou-se para Gerhman, cujo olhar oscilava entre confusão e pânico crescente. Assim que percebeu que o plano envolvia ele voar — e, pior, voar em um Felroz — seus olhos estreitaram, a incredulidade estampada em cada linha de seu rosto.

    — Estão falando do quê? — Gerhman começou a balançar os braços, um gesto instintivo que não escondia sua apreensão. — Não. Não. Eu não vou de jeito algum pisar em uma delas. São Felroz! Eles matam humanos como se fosse a coisa mais natural do mundo!

    Dante soltou uma risada curta, o som quase se perdendo no uivo da tempestade.

    — Ah, pare. Use um Decreto, não consegue? — Ele inclinou a cabeça, avaliando a reação de Gerhman. O homem parecia prestes a protestar, mas a ideia já começava a germinar em sua mente. — Imagine só: você controlando um Felroz, entrando na cidade montado em algo que todo mundo considera impossível de domar. Não é exatamente o tipo de entrada que vai fazer GreamHachi tremer?

    Gerhman hesitou, o peso da proposta caindo sobre ele como a neve ao redor.

    — Nunca fiz isso — admitiu, a voz quase engolida pelo vento. — Como vou usar um Decreto que nunca pratiquei? Eu também tenho limites.

    Cerberus, sempre o pragmático, levantou o punho levemente, ainda oculto pela máscara.

    — Podemos tentar uma junção. Assim que você usar seu poder, eu posso fortalecê-lo.

    Dante arqueou uma sobrancelha, surpreso.

    — Não sabia que conseguia fazer isso.

    — Nem eu, na verdade. — A voz de Cerberus carregava uma sinceridade rara. — Tenho aprendido que posso fazer mais do que pensava, mas preciso de tempo para entender. Cada habilidade é como um mundo novo para mim. — Ele ergueu a mão, examinando-a como se o movimento pudesse revelar algum segredo escondido. — Existe um universo dentro de mim que ainda não explorei, mas, por muito tempo, fui ignorante demais para enxergá-lo.

    Dante observou-o com algo que beirava admiração. Ver Cerberus questionar a si mesmo, explorar suas limitações e enfrentá-las de frente era uma prova de força. Não importava o resultado — fosse uma vitória ou um fracasso —, esse tipo de introspecção era o que separava os fracos dos verdadeiros sobreviventes.

    Mas Dante afastou esses pensamentos rapidamente. Eles não eram mestres e alunos, aliados ou líderes. Não naquele momento. Eram apenas três almas tentando sobreviver em um mundo que insistia em engoli-los.

    Ele virou-se novamente para a silhueta sombria de GreamHachi, que se erguia à distância, cercada pela tempestade e pelo caos.

    — Chegou a hora de pegar um monstrinho para colocar medo neles! — disse Dante, com um sorriso perigoso no rosto, enquanto a adrenalina pulsava em suas veias.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota