Capítulo 148: Chegada (IV)
Cerberus seguia em um ritmo que poucos ousariam acompanhar. Seu corpo parecia feito para a velocidade, e ele sabia disso, mas ao ver Dante disparando à frente como um meteoro desenfreado, movendo-se em curvas insanas que ignoravam qualquer noção de segurança — especialmente para Gerhman, que parecia mais um boneco pendurado —, sentiu algo que não costumava sentir: inveja.
Sempre confiara em suas habilidades, pois eram o pilar de sua força. Desde os primeiros ensinamentos de Leonardo, ele construíra uma reputação sólida, capaz de derrotar adversários tanto humanos quanto Felroz. Enfrentara lutadores formidáveis, homens mais fortes que Gerhman, mais rápidos até do que Marcus. E, claro, havia Leonardo, cuja velocidade parecia transcender o humano. A Hidrelétrica era mais do que um lar; era sua fortaleza, sua prova de que ele era invencível ali.
— Acelere mais! — gritou Dante, sua voz cortando o rugido da tempestade enquanto eles se aproximavam da barreira azulada.
A cidade surgia imponente, uma visão de fortaleza envolta em sua cúpula de energia. Dante já a tinha visto antes, mas de cima, com a tempestade como moldura, ela parecia diferente: majestosa, quase bela, mas ainda assim, suja. Um monumento à corrupção que dominava aquele mundo.
— Estou logo atrás — respondeu Cerberus, mantendo-se próximo.
À medida que avançavam, os céus começavam a se iluminar. Raios azulados e vermelhos riscavam o ar como flechas luminosas, projetando-se para o alto e clareando a escuridão da tempestade. Era quase como se a própria cidade estivesse tentando lutar contra a noite. Entre esses rastros, uma sombra imensa os observava.
Gerhman se agarrava à mão de Dante como se sua vida dependesse disso — e, de fato, dependia. Enquanto lutava para manter o equilíbrio, viu o brilho de um rastro vermelho se projetar no céu, uma explosão silenciosa que iluminava as nuvens.
— O que é isso que estão lançando para o alto? — perguntou Dante, sem desviar os olhos da luz.
— É uma bomba de Energia Cósmica — respondeu Gerhman, com a voz trêmula, mas tentando parecer calmo. — Um mecanismo antigo, usado nos tempos do exército de Ripier. Não vejo essas coisas há anos.
Dante fixou o olhar no rastro luminoso que subia e atravessava as nuvens. A luz era vibrante, pulsante, quase viva, e, toda vez que desaparecia no céu, o grito agudo do Felroz ecoava. Ele estava ali, oculto pela tempestade, uma presença que podia ser sentida, mas não vista.
— Alguma ideia de como localizar essa coisa? — Gerhman perguntou, a sombra do Felroz projetando-se à esquerda como uma montanha em movimento. — Porque, sabe, o céu é bem grande.
Foi quando Cerberus passou por eles como uma flecha.
— Deixa isso comigo — disse ele, sua voz carregada de determinação.
Ele ergueu o braço, e uma onda de Energia Cósmica pulsou de sua mão, expandindo-se em todas as direções. O som que acompanhou o movimento era profundo e oco, como o bater de um tambor distante. Não afetou o ambiente ao redor, mas continuou a se expandir, crescendo em alcance e intensidade.
Dante parou, observando, sem saber exatamente o que Cerberus pretendia. O ar parecia mais denso, carregado de tensão.
Então, um som diferente emergiu, algo que não vinha do céu, mas do solo.
— Atirem! — ecoou uma voz abaixo, cortando o silêncio momentâneo.
Dante olhou para baixo. A imensa esfera vermelha começou a se aproximar em velocidade. Cerberus estava ainda concentrado, não poderia se mover de maneira brusca ou a busca poderia ser interrompida.
— Gerhman. — Dante segurou o homem pelos ombros, obrigando-o a encará-lo. — Espero que me perdoe por isso.
Antes que Gerhman pudesse protestar, Dante o lançou para o alto com uma força descomunal. O movimento foi rápido e preciso, como uma flecha que rasga o vento. Enquanto isso, Dante se jogou em queda livre, descendo em direção ao projétil de Energia Cósmica que cortava o ar abaixo deles.
— Vamos com os 5%, Vick.
“Entendido. Nivelando Energia Cósmica em ajustes”, respondeu a voz mecânica de Vick.
Com um rugido feroz, Dante concentrou toda a energia em seu punho. Quando estava a vinte metros do projétil, ele desferiu um soco para baixo. Por um breve momento, o mundo pareceu segurar a respiração. O som cessou, o tempo quase parou. Então, a explosão veio.
Uma onda avermelhada se espalhou em todas as direções, iluminando o céu como um sol temporário. O rugido que seguiu foi ensurdecedor, ecoando como um trovão em um vale desolado.
Dante, no entanto, riu. Uma risada larga, descontrolada, o som de alguém que se deleita no caos. Ele amava aquele frio na barriga, aquela liberdade absoluta. Mas sua diversão foi interrompida por um grito estridente.
— Seu desgraçado! — Gerhman berrava enquanto girava no ar, completamente fora de controle.
Com um movimento rápido, Dante o segurou pelo pé, erguendo-o como se fosse uma criança. Lentamente, puxou Gerhman para cima até que seus rostos ficassem próximos.
— Você viu isso? — perguntou Dante, com um brilho eufórico nos olhos.
— Claro que vi! Enquanto girava como um maldito pião! — Gerhman cuspia as palavras, furioso. — Agora me segure direito, caramba!
Dante riu, puxando o homem para perto, mas o som de algo mais grave interrompeu a troca. Um pulsar oco ressoava pelo ar. Cerberus, com sua presença imponente, abaixou a mão e apontou para um ponto no céu.
— Marquei uma delas. — Ele falava sério, mas havia algo de contido em sua voz. — Não vou poder ajudar no controle. Só consigo usar duas habilidades ao mesmo tempo.
Dante assentiu, puxando Gerhman para suas costas enquanto pairavam no ar.
— Está na hora. Você vai ficar preso a mim, e nós vamos entrar lá. — Ele olhou para a sombra amarelada no céu, movendo-se com velocidade absurda. — Aqueles Felroz… eles têm uma Pedra Lunar.
A lembrança do último Felroz que enfrentara veio à mente. Fora uma batalha terrível, exaustiva, mas ele saíra vitorioso.
— Daqui pra frente, Gerhman, vou te mostrar como um Recruta da Capital caça.
Cerberus se aproximou, posicionando-se ao lado deles.
— Quero ver isso.
Dante ajeitou Gerhman, prendendo-o com força em suas costas. O homem segurava seu pescoço como se fosse um colete salva-vidas, enquanto suas pernas se agarravam à cintura de Dante.
— Por que você não fez isso antes? — reclamou Gerhman. — Eu não teria reclamado tanto.
— Você reclama de tudo — retrucou Cerberus. — Qual o plano, Dante? Vamos derrubar todos eles?
Dante observava o Felroz marcado. O brilho amarelado dançava no céu, movendo-se com uma agilidade impossível. Era como uma sombra viva, e as rajadas de vento que produzia eram fortes o suficiente para criar ondas ao redor.
— Esse não é um Felroz comum — disse Dante, quebrando o silêncio. — Eles mudaram.
— Mudaram? Como assim? — perguntou Gerhman, tentando olhar para frente, mesmo preso nas costas de Dante.
— Alguns Felroz comeram Pedras Lunares. Não sei como ou por que, mas isso os transformou. Eles ficaram mais fortes, mais rápidos. — Dante fez uma pausa, como se avaliasse a gravidade do que estava dizendo. — E agora, eles conseguem usar habilidades.
— Habilidades? — Gerhman engasgou com a palavra. — Você está dizendo que aquelas coisas podem fazer o que nós fazemos?
— Deve haver algum limite — ponderou Cerberus, ainda focado no brilho amarelo que se movia à distância. — Mas não sei se consigo manter a habilidade ativa por muito tempo.
Dante deu um tapinha no ombro dele.
— Temos Gerhman aqui.
— O que tem eu? — perguntou Gerhman, claramente desconfortável com a conversa.
Dante apenas sorriu.
— Você vai descobrir.
Dante disparou adiante, mas não antes de ouvir outro som de tambor na cidade abaixo. Ele ignorou, mas continuou subindo mais e mais. Atravessou uma grossa onda de nuvem, ficando bem úmido, mas quando saiu do outro lado, viu a quantidade de Felroz se debatendo no ar enquanto a Criatura Dourada arrancava suas asas e comia suas cabeças em uma bocada.
Todo o enxame de Felroz normal tentava arrancar uma parte da criatura. Mordiam as asas, tentavam arranhar a garganta, mas com a boca aberta e tantos dentes, banhados em uma estranha coloração verde, eles não tinham chance alguma.
— Gerhman, está na hora do Decreto.
Rapidamente ele começou a desdobrar a manga das camisas, ainda meio desequilibrado por estar nas costas de Dante.
— Certo, certo. Qual eu uso?
— Consegue deixar ele brilhando? Cerberus também vai participar.
— Claro que consigo. — Gerhman fez sua Energia Cósmica dançar pelo braço, descendo até seu punho. E ao mesmo tempo que parecia tenso, vendo Dante e Cerberus esperando pelo seu comando, a confiança começou a surgir em seu peito. — Eu Decreto: aquele que não for humano e ter comido uma Pedra Lunar vai brilhar como se o próprio sol estivesse presente.
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