Capítulo 155: Preso
A sombra que cobria a praça parecia viva, uma criatura feita de medo e escuridão, infiltrando-se nos corações e mentes dos que a encaravam. Até os mais fortes hesitaram, passos vacilantes para trás, enquanto os mais fracos sucumbiam, abandonando o lugar com olhos arregalados e murmúrios nervosos. E no centro de tudo, Dante, imóvel, preso por algo que não era visível, mas que todos podiam sentir.
Januario, observando a cena, deixou escapar uma risada seca, cortante.
— E pensar que decepcionar o papai seria o maior medo dele. — Sua voz ecoou como um açoite. — Homens, no fundo, são tolos. Quando colocados diante de seus próprios julgamentos, congelam. E é por isso que não ultrapassam os limites que tanto acreditam ser capazes de superar.
A chegada de Raver e Harrow foi silenciosa, mas suas presenças eram inconfundíveis. Caminharam até o pátio, o olhar de ambos pousando sobre Dante, que permanecia rígido, a cabeça inclinada para cima, os olhos apagados em um brilho esbranquiçado. Sua Energia Cósmica parecia selada, sufocada por forças invisíveis.
— Mais um que achou que poderia escapar ileso — comentou Raver, a voz baixa, mas cheia de peso, enquanto analisava a figura paralisada. — Admito que esperava mais. Depois de tanto discurso, pensei que ele fosse ao menos entreter por mais tempo. Mas a vida é assim, não é? Alguns homens precisam ser lembrados de seu lugar.
— Posso matá-lo, senhor? — perguntou Januario, os olhos cheios de uma falsa reverência.
Raver ergueu a mão, permitindo um breve sorriso.
— Seja rápido. Mas fale antes. Quero que Leonardo e essas pessoas entendam o que acontece quando alguém ousa desafiar a ordem que nos mantém unidos. Civilização existe porque há leis. Porque há medo. Eles esquecem disso e pensam que são livres. Mostre-lhes o erro.
Januario abaixou a cabeça em obediência, mas havia algo de teatral no gesto, um exagero deliberado para o público ao redor. Quando ergueu o rosto, sua expressão era de um homem seguro de seu lugar no topo da cadeia.
Os olhares ao seu redor não eram de admiração, mas de medo. O povo que o odiava também temia o que ele era capaz de fazer. Ele sentia isso e se alimentava disso.
— É por isso que sou o escolhido — murmurou para si mesmo, enquanto suas mãos apertavam a espada.
Com a Cúpula de GreamHachi erguendo-se imponente atrás dele, Januario começou seu discurso.
— Este homem — disse ele, apontando para Dante, imóvel diante da multidão — é aquele que ousou dizer que salvaria um traidor. Ele se proclamou salvador, mas o que vemos aqui? Arrogância. Apenas mais um tolo que acreditou em sua própria mentira.
A espada em sua mão brilhou com uma energia fria, quase tão gélida quanto o tom de sua voz.
— Vocês veem isso? — Januario continuou, girando o corpo para encarar o povo ao redor. — Esta é a verdade. Todos os homens que se proclamam fortes, no final, encontram seu destino assim: parados, quebrados, sem ação. Eles falam de esperança, mas não passam de cães feridos, incapazes de morder.
Dante continuava imóvel, sua silhueta endurecida como uma estátua contra o vento que agora soprava com força crescente. Januario deu um passo à frente, o sorriso se alargando.
— Quantos como ele tentaram e falharam? Quantos mais seguirão o mesmo caminho? Este é o destino dos que desafiam a ordem.
A espada de Januario começou a se erguer, brilhando como um aviso de morte iminente. O silêncio da praça era quase absoluto, exceto pelo som do vento que carregava suas palavras. Quando Januario ergueu o olhar mais uma vez para Dante, o velho parecia ter movido um pouco a cabeça para baixo, mas seus olhos ainda permaneciam cinzentos.
Mais afastados, Gerhman e Cerberus observavam de joelhos, o ar ao redor deles pesado como se o próprio medo tivesse forma. O carrasco avançava, a espada brilhando à luz opaca da praça.
— Essa habilidade dele é um inferno — murmurou Heian Cerberus, apertando o peito como se pudesse conter o pânico que o tomava. — Mesmo que não seja voltada para nós, ela nos afeta. É por isso que ele derrotou Leonardo.
Gerhman não respondeu de imediato. Seus olhos estavam fixos em Dante, imóvel como uma estátua no centro do horror. A esperança ainda resistia, frágil, mas viva.
— Já se passaram mais de dez segundos — disse ele finalmente, a voz baixa, mas firme.
Cerberus se lembrou, relutante, das palavras de Gerhman. Leonardo havia sucumbido em cinco segundos diante da habilidade de Januário, dobrado por seus próprios medos antes que pudesse reagir. Mas Dante, mesmo estático, não havia caído. Eles viram, juntos, o velho abaixar ligeiramente a cabeça, como se reconhecesse algo. Seus olhos, antes vazios, agora pareciam focados, fixos em Januário.
— Ninguém jamais escapou de Januário — Gerhman falou novamente, mas havia uma mudança em seu tom. O medo ainda estava lá, sim, mas algo mais começava a surgir. Determinação. — E, mesmo assim, não posso permitir que outra pessoa carregue o peso de lutar enquanto eu fico parado.
Com um movimento rápido, ele puxou a manga, revelando o pulso. Um gesto simples, mas que parecia carregar a intenção de um juramento. Januário e Raver perceberam, mas não reagiram de imediato.
— Eu decreto: todos aqueles que nunca erraram pela lei, que se…
Antes que pudesse terminar, uma lança atravessou o ar, cravando-se entre suas pernas, tremendo como um aviso. Gerhman ergueu o olhar, apenas para ver Trinity do outro lado da praça. Sua postura estava firme, mas o peso da habilidade de Januário era visível em seus olhos semicerrados e na tensão de seus músculos.
— Por todos os favores que lhe devo, Gerhman — disse ela, a voz carregada de cansaço. — Não faça nada imprudente. Seu julgamento ainda virá. Fique quieto.
O rosto de Januário se iluminou com uma satisfação perversa. Ele girou a lâmina até a lateral do pescoço de Dante, parando a um fio de cabelo da pele. A posição lhe trazia um prazer cruel, e ele não fez questão de esconder.
— Nada do que fizerem será suficiente para salvá-lo — declarou Januário, sua voz reverberando pela praça. — Este é o destino de quem ousa acreditar que pode vencer. Assim é a vida e a morte daqueles que se acham no controle de seu destino. Querem ser heróis, mas acabam apenas como coadjuvantes. — Ele ergueu o olhar para Leonardo Vulkaris, preso ao fundo, observando a cena. — Está vendo isso, Leonardo?
Leonardo, mesmo enfraquecido e abatido, ergueu o rosto. Não havia raiva ou medo em seus olhos, apenas a sombra de uma determinação desgastada pelo tempo. Ele olhou para Januário, depois para Dante, e finalmente desviou o olhar, como se resignado ao destino.
— Este é o homem que apostou sua vida… e está prestes a perder — murmurou ele.
Antes que qualquer resposta pudesse ser dada, uma voz metálica e distorcida rompeu o silêncio, como um trovão distante que anunciava a tempestade.
“Conversão Cinética em 5%. Possível uso de ‘Estalo’, Dante.”
Januário franziu o cenho, confuso. Ele ergueu o olhar, tentando identificar a origem da voz. Quando seus olhos encontraram os de Raver, sentiu um frio subir pela espinha. O rosto do chefe, sempre imperturbável, agora carregava algo que ele jamais esperava ver: medo.
— Cuidado — disseram Harrow e Trinity, suas vozes quase se sobrepondo.
O aviso chegou tarde. Januário girou o corpo, a lâmina cortando o ar em um arco letal. O golpe encontrou carne, abrindo uma linha no peito e no ombro de Dante. Sangue jorrou, um borrifo carmesim contra o branco da neve.
Mas Dante não recuou. O impacto de seu punho foi rápido e brutal, acertando o rosto de Januário com a força de um martelo em brasa. O carrasco cambaleou para trás, sangue escorrendo de sua boca, seus olhos arregalados pela dor e pelo choque.
O ar ao redor deles parecia vibrar, carregado de energia. A praça, antes dominada pelo medo, agora era palco de algo que ninguém ali poderia esquecer.
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