Capítulo 160: Primeiros Passos
Duas semanas haviam se passado desde que a notícia se espalhara: GreamHachi havia cedido às chamas.
A revelação pairava como uma sombra sobre o abrigo, um peso insuportável para aqueles que ali viviam. O boato de que Dante fora o responsável pela destruição da cidade só tornava a atmosfera mais opressiva. Dante, no entanto, não negou nem confirmou. Sentado no salão principal, ele escutou em silêncio enquanto Clara se dirigia aos moradores.
Clara falava com firmeza, descrevendo as dificuldades que o Aquário Feudal enfrentara nos últimos anos e os métodos cruéis usados para subjugar aqueles fora de seus muros. Havia algo sombrio na forma como suas palavras ecoavam no recinto, uma acusação implícita contra o mundo lá fora.
O murmúrio inquieto dos ouvintes foi interrompido pela voz grave de Leonardo.
— Pode ser difícil entender o que GreamHachi realmente significa — começou ele, sua expressão carregada de amargura. — Eu fui um dos poucos de minha geração a sobreviver. Mas também fui rotulado como traidor por ajudar aqueles que precisavam. Nunca quis contribuir para a crueldade daquele lugar, mas o poder e a arrogância transformaram-no em algo abominável. Dividiram o mundo entre Puros e Impuros.
Ele fez uma pausa, o peso de suas memórias refletido em seu rosto.
— Passei cinco anos tentando encontrar uma maneira de derrubar aquele sistema, mas não fui forte o suficiente. — Leonardo abaixou a cabeça, como se sua confissão fosse um fardo pesado demais para suportar. — É por isso que, quando digo que Dante não teve culpa no incêndio, espero que compreendam. Ele me salvou quando ninguém mais teria. Assim como Gerhman e Heian. Devo minha vida a ele, e por isso, pretendo ficar.
A declaração de Leonardo trouxe um alívio inesperado para Clara, que havia temido perder mais um aliado. Dante, por sua vez, permaneceu impassível, embora um brilho de surpresa cruzasse seus olhos. Ele havia assumido que Leonardo partiria assim que tivesse a chance, temendo a vingança dos Romancers.
A destruição de GreamHachi havia deixado uma cicatriz no mundo, uma que não se curaria tão cedo. Dante sabia que deveria permanecer vigilante.
Enquanto Clara continuava seu discurso, Marcus desceu as escadas, atraindo olhares. Ele se aproximou de Dante, murmurando baixo para não interromper a reunião:
— Parece que um grupo está vindo para cá.
Dante assentiu levemente.
— Mande Jix cuidar disso.
Marcus procurou por Jix, que estava sentado próximo a Juno, e com um aceno discreto, indicou que ele deveria agir. Juno fez menção de segui-lo, mas Jix a impediu com um gesto firme.
Dante sentiu o olhar dela, mas não demonstrou reação. Seus olhos estavam fixos no tumulto crescente entre os moradores.
Clara ergueu a voz novamente, trazendo o foco de volta para si.
— Temos um problema maior do que gostaríamos de admitir. — Ela hesitou, mas continuou com firmeza. — Temos um abrigo, mas é só isso: um prédio. Lá fora, temos o básico para sobreviver, mas o inverno tem sido cruel, e isso não será suficiente. Precisamos criar algo mais. Uma cidade acampamento, mais afastada daqui, protegida pelos prédios caídos, mas onde possamos construir algo melhor, algo maior.
O anúncio caiu como uma pedra na água, gerando ondas de protestos.
— Está dizendo que vamos abandonar tudo? — questionou Clerk, a incredulidade em sua voz clara. — Temos certeza disso? Trabalhamos duro para erguer esses andares!
Outros se uniram à objeção, vozes se elevando em discordância.
— Esse lugar é nosso lar! Fazemos parte de Kappz!
— E se o lugar para onde formos não for tão seguro?
Dante observava em silêncio. As reações não o surpreendiam. Havia algo visceral no apego das pessoas ao que chamavam de lar. Ele sabia o quanto aquilo importava, mas também sabia que a sobrevivência exigia sacrifícios.
Clara tentou apaziguar a multidão, mas os murmúrios continuaram. Dante manteve-se imóvel, encarando o futuro que parecia cada vez mais incerto. A questão não era apenas sobre partir ou ficar, mas sobre como manter a esperança viva naqueles homens e mulheres.
Ele apenas levantou. As vozes foram silenciadas na mesma hora.
Clara se virou, vendo-o se aproximar. Dante sabia que tinha ajudá-la.
Dante permaneceu no centro do salão, observando os rostos à sua volta. Havia preocupação neles, misturada com relutância e o peso da dúvida. O ar estava carregado, como antes de uma tempestade, mas Dante sabia como comandar o vento.
— O que ouviram de Clara não é difícil de entender. — Sua voz cortou o silêncio como uma lâmina. — A vida sempre foi difícil. Alguns de vocês estão com Clara há anos. Outros chegaram agora. Mas deixem-me dizer algo: nossa casa não é feita de paredes ou tetos, nem dos andares que construímos sobre nossas cabeças. Casa é onde podemos contar uns com os outros, seguros de que não seremos traídos ou enganados.
Seus olhos varreram o salão, prendendo cada olhar.
— Por isso, espero que escutem a mulher que tem feito de tudo para proteger vocês do que está além do que podem ver.
Clerk, envergonhado, abaixou a cabeça, mas Dante não se deteve.
— Não quero agradecimentos ou desculpas — continuou, sua voz firme como aço. — Quero apenas que a escutem. Temos um plano. Temos gente suficiente para que todos contribuam. E temos algo mais valioso do que tudo: energia. Clara vai explicar o que precisa ser explicado, mas antes, vocês precisam ouvir. Estamos entendidos?
O murmúrio de concordância foi abafado, mas unânime. Dante sorriu, um raro lampejo de leveza em sua expressão.
— Por que parecem tão tristes? — perguntou, uma pitada de ironia em sua voz. — Terão quartos, um espaço só para vocês. E isso será apenas o começo. Nós vamos ter… água.
O salão mergulhou em silêncio, antes que uma onda de murmúrios excitados o preenchesse. A palavra simples, mas poderosa, reverberou entre eles. Clara riu suavemente ao ver a animação crescer.
— Fique tranquilo — pediu ela, erguendo uma mão para conter a agitação. — Vamos precisar de foco.
A seu pedido, Degol e Meliah trouxeram uma mesa. Sobre ela, Clara estendeu um mapa rudimentar da cidade, desenhado com esforço por Leonardo e Fabricia. As linhas irregulares traçavam prédios tombados, ruas esburacadas e áreas que antes haviam sido prósperas.
— Vamos usar cerca de cinco ou seis prédios caídos como barreira — explicou Clara, apontando para o mapa. — Esses prédios serão nossa primeira linha de defesa. Mas segurança não será apenas sobre paredes. Vamos precisar de vigilância, de rotinas. Qualquer brecha pode nos expor ao que está lá fora.
Seus olhos percorreram o salão, buscando o comprometimento de cada um.
— Isso não será fácil — continuou ela. — Vamos precisar de gente dedicada, disposta a fazer o que for necessário.
O salão permaneceu em silêncio por um instante. Não era o tipo de quietude que vinha do medo, mas de determinação crescente. Cada um ali sabia que o futuro seria um campo de batalha, e por isso mesmo estavam dedicados a poder mergulhar um pouco na verdadeira calmaria antes da tempestade.
Para eles, seria um caos incessante. Dante faria que fosse bem calmo. “Ser temido do que respeitado”, era exatamente isso que o deixava mais excitado enquanto ouvia aqueles planos. E também, ver Clara dando mais foco ao que realmente nasceu para fazer: Comandar.
Houve um chamado na parte de cima, Arsena apareceu da escada e pediu que Dante subisse.
Dante deixou Clara, mas antes pediu que Degol e Meliah ficassem de olho em qualquer coisa, e quando Leonardo se aproximou, Dante o reconfortou em um sorriso.
— Precisa de algo? — perguntou o espadachim, com um aperto forte. — Só dizer, estou aqui pra isso.
— Antes de tudo, fique com sua família primeiro. Depois disso, nós podemos definir isso.
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