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    A sala de reuniões do abrigo parecia um relicário de segredos e planos inacabados. A lanterna a óleo, posicionada sobre a mesa central, projetava sombras vacilantes que dançavam como espectros nas paredes nuas. Mapas antigos, desbotados pelo tempo e pela negligência, cobriam a superfície de madeira, enquanto papéis repletos de anotações desordenadas jaziam espalhados, testemunhas silenciosas de uma luta interminável.

    Duna estava curvado sobre um caderno surrado, os olhos fixos no que escrevia, como se as palavras fossem a única âncora para sua mente inquieta. Um lápis gasto se movia com determinação entre seus dedos, enquanto a mão metálica, lisa e funcional, batia ritmicamente na mesa, um som seco e constante que preenchia o silêncio opressivo.

    A porta rangeu ao se abrir, e Dante entrou, seus passos firmes abafados pelo chão de concreto. Ele carregava um pequeno pergaminho enrolado, que colocou sobre a mesa com cuidado. A luz da lanterna reluziu brevemente no metal do braço de Duna, chamando a atenção de Dante, que parou ao lado do homem, observando os movimentos precisos dos dedos artificiais.

    — Vai ficar me admirando? — resmungou Duna, sem levantar os olhos do caderno. Com um gesto rápido, virou a página e continuou a escrever. — Comecei a trabalhar no que pediu, mas não encontrei nada que funcionasse direito. Não lembro de alguém ter usado algo assim antes.

    Dante puxou uma cadeira e sentou-se do outro lado da mesa, cruzando os braços enquanto estudava os papéis à sua frente.

    — Era bem comum na minha cidade — comentou, a voz baixa, mas firme.

    Duna finalmente ergueu o olhar, apenas para estreitar os olhos em ceticismo.

    — Pode ser — disse ele, o tom carregado de descrença —, mas aqui não é a sua cidade. Não tenho como montar um sistema funcional sem uma base sólida de energia. Comunicação não funciona do jeito que você imagina.

    Com um movimento deliberado, Dante puxou um pequeno objeto metálico do bolso e o colocou no centro do mapa. Era o Cubo de Comunicação, um artefato raro e enigmático. A luz bruxuleante da lanterna refletiu em sua superfície polida, destacando os entalhes intrincados que percorriam suas laterais.

    Duna arqueou uma sobrancelha, desinteressado.

    — E o que eu devia fazer com isso? — perguntou, o tom carregado de sarcasmo enquanto empurrava o cubo com o dedo, como se fosse uma peça de sucata sem valor.

    Dante se inclinou para frente, os olhos fixos nos de Duna.

    — Isso aqui é o que pode te ajudar a melhorar esse bando de papel aqui. 

    — Mesmo que seja algo importante, ele precisa se conectar a algo, idiota — resmungou Duna, empurrando o cubo de volta com desdém. — Quando arranjar outro igual, venha falar comigo.

    A porta rangeu novamente, interrompendo o diálogo tenso. Marcus entrou com uma pedra reluzente nas mãos, jogando-a para o alto e apanhando-a com facilidade. O timing era quase teatral, e Dante ergueu uma sobrancelha, achando a coincidência irônica.

    — Aqui está o que me pediu, velho — disse Marcus, aproximando-se e colocando a pedra ao lado do cubo na mesa. — Refazer isso levou mais tempo do que eu esperava. Precisei entender o que era antes de conseguir replicar com precisão.

    Dante estendeu a mão e empurrou as duas peças para Duna, junto com o pergaminho que trouxera consigo.

    — Agora tem duas — disse Dante, enquanto o som seco do papiro sendo deslizado sobre a mesa ecoava pela sala. — E aqui estão as informações que lembro, além do que Vick me contou. Creio que isso seja suficiente para começarmos a ter controle sobre a situação.

    Duna pegou o papiro com a expressão de alguém que fora desafiado. Enquanto mastigava algo — talvez um pedaço de carne seca ou um biscoito velho —, desdobrou o documento e o analisou em silêncio. Murmúrios baixos escaparam de seus lábios, palavras desconexas que pareciam destinadas a ninguém além de si mesmo. Logo, o lápis estava de volta em sua mão, arranhando a superfície de uma folha em branco enquanto rabiscava suas próprias teorias com a energia febril de quem perseguia uma ideia esquiva.

    Marcus aproveitou a concentração de Duna para chamar Dante para um canto da sala. Sua voz abaixou, mas a urgência em seu tom era clara.

    — Sobre aquelas pessoas — começou Marcus, o olhar firme fixado em Dante —, acredito que sejam sobreviventes dos portões de GreamHachi.

    — Não é surpresa que tenham vindo. A cidade está em ruínas — respondeu Dante, a voz sem emoção, como se o assunto fosse uma constatação inevitável.

    Marcus não desviou o olhar, seus olhos estreitos e cheios de algo entre frustração e compreensão.

    — Você fez o que devia ser feito. Não me faça repetir isso.

    Dante soltou uma risada seca, sem humor.

    — Não precisa repetir. Estou ciente. Fiz o necessário para salvar quem precisava de ajuda. E isso nos trouxe duas pessoas importantes.

    — Jix está lidando com eles — disse Marcus, inclinando-se levemente para frente, a voz ainda baixa. — Mas acho que ele não será suficiente. Não sou bom em lidar com pessoas. Você pode cuidar disso?

    Dante olhou para o lado, pensativo por um momento.

    — Mostre-me onde eles estão — disse por fim, com a voz grave e decidida.

    Marcus assentiu, um leve alívio cruzando seu rosto. Na mesa, o som contínuo do lápis de Duna preenchia o espaço. Ele continuava a descrever, e os dois o deixaram sozinhos, acenando. O velho sequer lhes deu atenção.

    O caminho que Marcus abriu era de volta para o primeiro andar. Em vez de passar por Clara e algumas pessoas conversando, deram a volta em um outro corredor. Havia uma saída de fundo, na qual Dante não lembrava direito, e ao escapulir para o lado de fora, deu de cara com Cerberus, Leonardo e Gerham parados.

    — Me falaram que você precisa de uma ajuda com as pessoas que chegaram – disse Leonardo Vulkaris, novamente esticando a mão. – Não quero ser um peso morto e minha esposa sabe que não sou de ficar devendo fichas para quem nos ajuda.

    Nem houve tempo de responder.

    — Eu também – disse Gerhman erguendo uma mão, tremendo de frio, mas sorrindo. – Quero ajudar com o que eu puder. Eu era político, conheço bastante de normas e leis.

    Cerberus abaixou a cabeça, em uma curta reverência, e bem respeitosa disposição.

    — O que for necessário, senhor Dante. Estamos para ajudar.

    Marcus deu um tapa na coluna dele e passou, dando um olhar aprovador.

    — Conseguiu pessoas de bom caráter, velhote. Não desperdice a oportunidade.

    De queixo erguido, Dante ficou um pouco orgulhoso. Essas pessoas não eram somente o trigo separado do joio, eram a própria colheita erguida para dar frutos quando necessário. Se precisavam de um sol para amadurecer, forjariam isso.

    E o primeiro passo seria organizar o local onde migrariam.

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