Capítulo 162: Novos Membros
O vento assobiava pelos escombros do prédio desabado, um lamento contínuo que ecoava pelos cômodos retorcidos. Vergalhões enferrujados despontavam como ossos de um cadáver exposto ao tempo, e o cheiro de poeira misturava-se ao frio cortante. O lugar, como muitos em Kappz, era um monumento à decadência: paredes inclinadas, vigas partidas, um silêncio pesado que falava de vidas há muito desfeitas.
Dante permaneceu atrás, observando. Sua figura imponente parecia absorver as sombras do ambiente, tornando-o ainda mais difícil de decifrar. À sua frente, Marcus liderava o pequeno grupo com sua habitual postura rígida. O atirador era uma presença que inspirava inquietação; sua mão repousava casualmente sobre o coldre, mas o gesto estava longe de ser relaxado. Cada passo que dava parecia pesar no chão, como se sua determinação pudesse esmagar qualquer resistência.
As pessoas reunidas no canto do prédio desviaram os olhos ao vê-lo se aproximar. Andarilhos, claramente desgastados pela jornada, estavam espalhados em grupos pequenos, suas bagagens amontoadas ao redor. Mochilas volumosas e roupas largas escondiam corpos magros e cansados, enquanto um trenó carregado de suprimentos descansava ao lado de uma matilha de cães amarrados, que observavam em silêncio.
Leonardo e Gerhman seguiam Marcus de perto, suas silhuetas mais robustas se destacando contra a penumbra. Mais atrás, ao lado de Dante, estava Cerberus, o rosto marcado por desconfiança e cansaço. Ele olhou de soslaio para o líder, a voz baixa como o vento que serpenteava pelas ruínas.
— O que pretende? — perguntou Cerberus, o tom grave e direto. — Acha mesmo que algo bom pode sair disso?
Dante não desviou os olhos do grupo à frente.
— Marcus já fez isso antes — respondeu com uma calma que soava quase como indiferença, mas Cerberus conhecia melhor. Sob as palavras, havia cálculo.
Marcus parou abruptamente, interrompendo o ritmo da caminhada. O movimento fez os andarilhos se encolherem instintivamente, como se esperassem um golpe que não veio. O silêncio do lugar parecia ainda mais opressor agora, cada respiração pesada e tensa.
Foi quando Jix surgiu das sombras, sua chegada marcada pelo leve tremor de uma luminária a óleo que ele carregava com uma mão. A luz amarelada cortou a escuridão, projetando sombras dançantes nas paredes deformadas. Ele se moveu com uma serenidade que contrastava com a tensão ao redor, parando no centro do espaço improvisado e colocando a luminária sobre um pedaço de concreto plano.
— Podem ficar tranquilos — disse Jix, a voz rouca, mas amigável. Ele ofereceu um sorriso que parecia deslocado naquele cenário de miséria, mas não menos sincero. — Vocês pediram uma reunião, e nós viemos para conversar.
Ele indicou com um gesto amplo os lugares ao redor.
— Sentem-se, por favor. Não vamos tomar muito do seu tempo.
Os andarilhos trocaram olhares hesitantes antes de se moverem lentamente, sentando-se onde podiam. O estalar ocasional de botas sobre detritos era o único som além do uivo distante do vento. Assim que sentaram, puderam ver Jix faz o mesmo, ficando bem diante deles, como um professor que ensinava aos alunos.
— Como podem ver, estamos com menos pessoas patrulhando. — Ele indicou Marcus com um gesto da mão. — Este é Marcus Lima, nosso principal diplomata… embora seja difícil acreditar nisso.
Algumas risadas nervosas ecoaram entre os presentes, um alívio momentâneo que Dante acompanhou com um sorriso discreto.
— Marcus é responsável por proteger nosso abrigo, mas ele não está sozinho. — Jix continuou, gesticulando para os outros. — Temos Leonardo Vulkaris, que alguns de vocês talvez conheçam. Gerhman Aliax, vindo da Cúpula de GreamHachi. Heian Cerberus, que já foi responsável por uma hidrelétrica. E eu, apenas Jix, parte do conselho do abrigo. Essas são as pessoas que responderão suas perguntas.
Os olhos do grupo vagaram por cada um deles, hesitantes. Alguns pousaram brevemente em Dante, que permanecia no canto, observando. Ele não precisava ser apresentado. Aqueles que haviam sobrevivido ao incêndio em GreamHachi sabiam quem ele era. Tinham visto o homem de roupas vermelhas resgatar Leonardo e voar pelos céus com os outros dois. Sua reputação o precedia.
Marcus deu um passo à frente, afastando a mão do coldre, o gesto suficiente para trazer todos de volta à realidade.
— O que estamos fazendo aqui não é uma simples seleção. — Sua voz era grave, mas não autoritária, uma linha tênue entre comando e aviso. — Nosso abrigo está passando por uma reforma, algo grande e importante. Temos mais de cinquenta pessoas para alimentar todos os dias, e todos aqui precisam trabalhar. O que vou dizer não é justo, nem fácil de ouvir.
Os rostos à sua frente se abaixaram, um gesto quase uníssono. Dante observou em silêncio, percebendo a desesperança que pairava sobre eles como uma nuvem negra. Ele não os culpava. Depois de tanto tempo sendo rejeitados, a ideia de serem descartados mais uma vez parecia inevitável.
— Para ficarem aqui — continuou Marcus, sem alterar o tom — vocês terão que trabalhar tanto quanto qualquer um de nós. É assim que mantemos este lugar funcionando. Buscamos comida, construímos abrigos, ajudamos uns aos outros. É isso que significa ser parte deste abrigo.
Os andarilhos levantaram os olhos, surpresos. Não era o que esperavam ouvir.
— Mas isso não é tudo. — Marcus apontou para o chão, firme. — Precisamos saber quem são vocês e o que podem fazer. Jix está com um papiro e tinta. Façam fila. Vamos anotar suas habilidades e designar tarefas. É assim que fazemos as coisas aqui. Alguma dúvida?
Um homem levantou a mão, hesitante.
— Pode falar.
— Sei que seria pedir demais, mas tenho uma irmã e uma sobrinha que não puderam vir. — Ele hesitou, mas continuou. — Elas estão lá fora, sem ninguém. GreamHachi não nos deixará voltar, e ameaçaram nos matar se tentarmos. Eu poderia trazê-las?
Antes que Marcus pudesse responder, uma voz firme cortou o silêncio.
— Onde elas estão?
O homem olhou para Dante, confuso.
— Como?
— Onde elas estão? — repetiu Dante, saindo das sombras com um charuto entre os dedos. Sua presença era mais densa do que a de Marcus, menos ameaçadora, mas carregada de autoridade. — Se estão muito longe, o melhor seria trazê-las o mais rápido possível. GreamHachi não poupará ninguém.
Ele deu um passo à frente, encarando o grupo.
— Se querem segurança, façam o que Marcus mandou. Cerberus, Leonardo — ele virou-se para os dois, apontando com o charuto — descubram onde essas pessoas estão e tragam-nas para cá. Gerhman, organize as habilidades de cada um e veja onde podem ser úteis. Jix e Marcus, mostrem o lugar a eles depois que terminarem e apresentem tudo a Clara.
Os homens assentiram, suas expressões sérias. O grupo de andarilhos observava em silêncio, percebendo o respeito que os líderes demonstravam por Dante. Não era apenas o tom de suas palavras ou o peso de sua presença. Era a influência que ele exercia, algo que transcendia a autoridade formal.
Por mal ou por bem, os andarilhos estavam certos. Ele não era quem comandava o abrigo. Era quem o mantinha unido.
— Quando estiverem aqui dentro – continuou Dante. – Estarão seguros para ir e vir, mas sempre mantenham algo em mente. Existem perigos ainda, mesmo que possamos dar toda a segurança. Esse inverno ainda é um deles. Não se deixem levar pelo conforto ou pela falsa sensação. Ainda temos muito a melhorar.
Ninguém ousou discordar.
— Vieram de um lugar difícil de viver, sem nada. Aqui, vocês tem uma chance. É isso que damos a quem sempre se coloca a disposição. Façam valer a pena porque vale, e muito. – Dante não deixou de erguer o charuto para eles. – Todos os dias antes de dormir, agradeçam por estarem vivos e mantenham respeito pelos mais velhos. Não somente a mim, mas a quem está lá dentro. Querem ser respeitados e ouvidos, então respeitem e ouçam.
Ele tragou um pouco do charuto, deixando ainda mais os andarilhos curiosos.
— Essa cidade já foi um sinal de morte e descrença. – Sorriu, como um verdadeiro campeão. – Vamos mudar esse conceito.
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