Capítulo 174: Um Presente Inesperado
— Isso é incrível, Heian. — Leonardo deixou escapar, a admiração evidente em sua voz enquanto avançava mais profundamente na cuba. O espaço era monumental. Não era difícil imaginar o potencial daquele lugar: com o devido cuidado e planejamento, poderia abrigar não apenas mil, mas muitas vezes mais que isso. — Você fez um trabalho impressionante.
Heian permaneceu em silêncio, caminhando logo atrás, como se os elogios não lhe dissessem respeito. Seu olhar era atento, quase vigilante, como se estivesse mais preocupado com os detalhes do que com as palavras de Leonardo.
Mais adiante, o som de aço contra aço e o ritmo rápido de passos ecoavam pelo espaço vasto. Juno e Arsena estavam no meio de um treinamento. Ao perceberem a aproximação de Heian e Leonardo, as duas diminuíram o ritmo, e Jix, que observava a cena, ergueu a mão, pedindo calma.
— Heian — chamou Jix, com a voz prática de quem estava acostumado a organizar os outros. — Quer que façamos uma pausa?
— Não. — Heian respondeu sem hesitação, lançando um olhar breve para o campo improvisado. — Leonardo queria ver como as coisas estavam ficando. Não vou interferir hoje.
Jix assentiu e, com um gesto firme, bateu uma palma para chamar a atenção de todos.
— Pausa de cinco minutos para repor. Depois voltamos ao pique-pega.
Arsena largou a espada no chão e se deixou cair ao lado dela, respirando pesadamente. Suor escorria de sua testa, deixando marcas escuras na poeira do piso. Juno, por outro lado, sentou-se com mais cuidado, os movimentos disciplinados como sempre. Eram um contraste evidente: Arsena, toda impulso e paixão, e Juno, a imagem da contenção e foco. Mas ambas tinham energia de sobra, o tipo de vigor que só os jovens possuíam.
Leonardo observou-as por um momento, sentindo uma pontada de nostalgia. Jovens, pensou, com um sorriso discreto escondido sob a barba. Ele também já havia sido assim, há muito tempo, quando o mundo parecia cheio de possibilidades e menos marcado pela sombra da sobrevivência.
Heian permaneceu imóvel ao lado dele, os olhos vagando pela estrutura como se ainda estivesse trabalhando mentalmente. Mesmo parado, parecia inquieto, como se nunca conseguisse realmente descansar. Ele não precisa de elogios, pensou Leonardo. Ele precisa de algo que ninguém aqui pode dar: paz.
— Reparou que está mais rápida, garota? — Arsena apontou uma de suas espadas para Juno, a lâmina brilhando à luz fraca do ambiente. Sua voz carregava uma mistura de provocação e genuína curiosidade. — Muito mais rápida do que das outras vezes. O que você fez para ficar assim?
— Nada. — Juno respondeu com simplicidade, piscando os olhos de forma quase indiferente, embora a pergunta parecesse ter lhe causado alguma reflexão. — Eu só treinei com Veronica esses dias. Não estou mais rápida.
Veronica. O nome era conhecido. Leonardo já ouvira menções àquela IA Superior. Uma voz sem corpo, mas com uma mente que transcendia a compreensão humana, vastamente mais avançada do que qualquer coisa que ele pudesse imaginar. Gerhman comentara que Dante também tinha algo semelhante. Mas enquanto Vick, a companheira de Dante, era um tanto imprevisível, Veronica parecia ser algo de uma geração ainda mais refinada — e, talvez, mais perigosa.
— Veronica tem me ajudado também. — A voz de Heian soou atrás dele, carregada de sua costumeira neutralidade. — Foi o acordo que Dante fez com ela.
Leonardo virou-se para encará-lo, a curiosidade crescendo. — Eles fizeram um acordo? Como?
Juno respondeu antes que Heian pudesse dizer qualquer coisa, seus olhos fixos nele. — Você não sabia? Eles lutaram dentro de uma prisão de vidro.
Antes que Leonardo pudesse processar aquela informação, algo tomou forma ao lado de Juno. Um holograma, emergindo do nada, projetou-se com clareza assustadora. Era uma mulher, ou ao menos uma figura que se assemelhava a uma. Traços finos, cabelos escuros que se desvaneciam em um tom branco na lateral, ecoando o visual de Juno. Mas o corpo… O corpo era algo completamente diferente, uma fusão meticulosa de partes metálicas, cada junção tão perfeita que parecia um organismo vivo, mas inegavelmente artificial.
O olhar dela, no entanto, foi o que capturou Leonardo. Era frio, desprovido de qualquer traço de humanidade. Não era o tipo de frieza que ele vira nos olhos de homens endurecidos pela guerra ou pelo sofrimento, mas algo muito mais profundo. O tipo de olhar que antecede a destruição. Já vi olhos assim antes, pensou Leonardo, a lembrança de inimigos antigos pairando como uma sombra. Mas aqueles ao menos sangravam quando caíam.
— Outro idoso. — A voz dela cortou o ar como uma lâmina, desdenhosa, carregada de um tom de superioridade que parecia inerente à sua existência. — Mais um humano com expectativa de vida próxima da morte. Não cansam disso. — Os olhos dela deslizaram para ele, avaliando-o. — E é um espadachim. Ótimo, vai servir.
Jix e Juno se viraram para encarar a projeção, visivelmente confusos. Arsena, por outro lado, mantinha a mão na espada, embora sem saber ao certo contra o quê deveria lutar.
— O que foi, seus merdinhas? — Veronica continuou, como se sua provocação fosse uma forma natural de se comunicar. — Ele é um espadachim habilidoso. Dá para ver como se porta. Prestem atenção nos braços e pernas. Mesmo parado, ele está posicionado como se fosse sacar uma espada. Destro… não. — Ela inclinou levemente a cabeça, um sorriso surgindo em seus lábios artificiais. — Você é ambidestro.
— Sou, mas impressiona-me que você consiga perceber isso apenas me observando por alguns segundos. — Leonardo inclinou levemente a cabeça, um sorriso cansado surgindo em seus lábios. — Isso diz muito sobre sua capacidade de observação.
Veronica deu de ombros, como se fosse algo trivial para ela, um dom tão natural quanto respirar.
— Nada que você faça vai me surpreender. — Sua voz tinha um tom cortante, cheio de desdém. — Admito perder para ele, mas não para qualquer velho que já segurou uma arma. No entanto, essas duas garotas… — Ela gesticulou para Juno e Arsena. — Essas podem te surpreender. O que acha, homenzinho? Quer tentar a sorte com duas novatas de sangue nos olhos?
Leonardo ergueu as mãos, recuando um passo com um suspiro resignado.
— Não treino, nem luto, faz muito tempo.
— Leonardo, — Jix interveio, seu tom ponderado, mas cheio de expectativa. — Seria ótimo para elas treinarem com alguém que tem habilidades diferentes. Uma luta de verdade poderia mostrar onde estão falhando. E estarei presente para monitorar. O que acha? Pode ser uma boa chance de ajudar.
Ele hesitou. Uma luta de verdade não era apenas treino; tinha peso, consequências. A última vez que sacou sua espada com real intenção foi contra Dante. Naquele dia, estava disposto. Mas o que veio depois… Ser preso, rebaixado, humilhado, reduzido à condição de hóspede no abrigo temporário de outros. O que sobrou de um guerreiro que perdeu seu auge?
Ele lançou um olhar para Juno e Arsena. Ambas estavam cheias de vigor e determinação. Seria difícil negar. Veronica, por sua vez, o observava com aquele sorriso malicioso, como uma predadora saboreando o medo de sua presa.
— O que foi, velhinho? — provocou a IA, mordendo os lábios em um gesto de zombaria. — Está com medo de ser superado por duas garotas? Ou será que sabe que não tem mais força para lutar?
— Infelizmente, — Leonardo respondeu, o tom mais firme agora. — Não tenho minha espada.
— Não seja por isso.
Heian deu um passo à frente, estendendo a mão. A Energia Cósmica pulsou ao seu redor, um brilho escarlate profundo iluminando o espaço. O ar pareceu vibrar com a força que ele canalizava, e, em um instante, a luz se condensou. Quando desapareceu, em sua mão estava uma espada, perfeita em sua forma.
Ele a lançou para Leonardo, que a pegou com mãos experientes, ainda que hesitantes.
— É toda sua. Pelo que me lembro, era assim, certo?
O peso era familiar. Não, mais do que isso. Era idêntico. Leonardo olhou para a espada em suas mãos, a bainha dourada reluzindo suavemente, os anagramas gravados nela como um eco do passado: “Até a morte, cada derrota é psicológica.”
Ele apertou o cabo com mais força. Era impossível. A arma era exatamente como a que sua mãe lhe dera tantos anos atrás. Cada detalhe, desde o adorno grosso costurado à mão até o material enegrecido da lâmina, carregava a marca de sua terra. A espada de sua juventude, perdida há décadas, agora estava ali.
— Como você fez isso? — Sua voz quase falhou, tomada pela emoção. — Eu perdi essa arma há tanto tempo… Ela é…
— Um presente da sua mãe. Eu sei. — Heian respondeu sem encará-lo diretamente. — Você me contou, na última vez que nos vimos, antes de voltar para GreamHachi. Quando veio para cá, não tinha nenhuma. Posso recriar algumas coisas que consigo lembrar.
Leonardo puxou o cabo, revelando a lâmina negra. Ela parecia pulsar, viva, carregada com o mesmo calor vibrante de uma memória antiga. A vitalidade de sua mãe, a ousadia de seu pai, ambos desafiando o Shogunato para forjar aquela arma. No reflexo da lâmina, ele viu os rostos dos dois, espreitando do outro lado da vida.
— Achei que nunca mais veria vocês. — Sua voz era um sussurro carregado de lágrimas. — É bom tê-los de volta.
Ele limpou os olhos rapidamente, uma risada inesperada escapando de seus lábios. Era uma risada verdadeira, quase como se por um momento ele tivesse esquecido do peso do mundo.
— Parece que terei mesmo que lutar contra vocês duas. — Ele girou a espada, traçando um arco no ar. Seus pés se posicionaram com firmeza, enquanto a Energia Cósmica crepitava em torno dele, criando um estalido no chão. — Estou feliz por isso. Muito feliz.
Juno e Arsena se entreolharam, um misto de empolgação e apreensão. Veronica sorriu, triunfante. Jix observava em silêncio, curioso para ver o que aconteceria.
Leonardo ergueu a espada, a postura de um verdadeiro guerreiro tomando conta de seu corpo. Por um momento, ele não era um homem envelhecido, mas o espadachim lendário que um dia foi. E aquele momento seria mais do que suficiente para que se lembrasse do motivo de ter chegado no pico.
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