Capítulo 177: O Construtor
Heian estendeu a mão na direção do cômodo destruído. Um brilho prateado começou a emanar de seus dedos, espalhando-se como uma teia viva. A luz engoliu as paredes ruídas e o teto desmoronado, reconstruindo-os com precisão. Os buracos se fecharam como feridas cicatrizadas, enquanto as rachaduras no chão se alisavam, deixando uma superfície sólida e uniforme.
Criar um cômodo era uma tarefa simples para ele. Não exigia grande esforço ou sacrifício de sua Energia Cósmica. Era como desenhar algo que já existia em sua mente. Com um movimento deliberado, ele se voltou para um canto escuro, onde antes havia apenas restos de móveis queimados.
— Criação: Estante.
O brilho prateado intensificou-se, dançando ao longo do espaço vazio. A luz moldou-se, tomando forma. Aos poucos, um móvel alto e robusto emergiu, cada detalhe — desde os entalhes nas bordas até as prateleiras perfeitamente alinhadas — refletindo a precisão do criador.
Heian recuou um passo, observando o resultado com olhos clínicos.
— Qual foi o gasto? — perguntou, a voz calma, mas carregada de curiosidade.
Uma resposta veio, clara e firme, direto em sua mente:
— Pelos meus cálculos, cerca de 1% apenas. — A voz era feminina, baixa e metódica, como a de uma bibliotecária atenta. — Se criar um por dia, poderá erguer cem cômodos como este em cem dias. Deseja registrar a atividade?
— Sim, por favor.
Heian permitiu-se um pequeno sorriso. A inteligência artificial que habitava sua mente, uma criação própria, era mais útil do que ele esperava. Inspirado pelo que aprendera observando Veronica, ele decidira criar algo semelhante a Vick, a assistente de Dante, mas ajustada às suas necessidades específicas.
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— Ceci, armazene as informações e ajuste o consumo de Energia Cósmica. Quero testar mais algumas criações.
— Como desejar, senhor.
O tom formal da voz era reconfortante, uma constante em meio ao caos que sempre parecia rondá-lo. Heian fechou os olhos por um instante, sentindo o fluxo de energia em seu corpo se reorganizar. Ele sabia que, com paciência e foco, poderia transformar os destroços à sua volta em algo útil, algo digno de ser chamado de lar.
Heian continuou produzindo alguns pequenos objetos. Uma escrivaninha, um quadro sem nenhuma pintura, apenas para pendurar em uma das paredes, mas parou quando Ceci lhe informou que pelas estruturas antigas, fiações deveriam ser esticadas por dentro das paredes, como uma forma de poder transmitir a energia elétrica até ali.
Heian ficou imóvel, um traço de hesitação cruzando seu rosto. Não sabia ao certo qual seria o próximo passo, mas confiava na voz em sua mente, uma companheira constante em meio ao caos. Ceci, a IA que criara, não era apenas uma ferramenta — era uma extensão de sua própria mente, refinada e precisa.
— Como condutora, posso implementar um sistema que lhe permita visualizar cada uma das opções disponíveis, senhor. Com uma função de simulação visual e efeitos imediatos, poderá analisar o impacto de suas escolhas antes de agir.
A sugestão era intrigante, e Heian assentiu lentamente.
— Gostei da ideia. Pode aplicar.
Uma explosão de luz invadiu seus olhos, cegando-o por um momento. Ele permaneceu firme, inabalável, com plena confiança em Ceci. Quando a visão retornou, um novo mundo se revelou diante dele. O ambiente ao redor parecia transfigurado: linhas amareladas brilhavam nos cantos do quarto, como veias de luz pulsante. Cada fio parecia conectado a algo maior, formando uma rede que se estendia para além das paredes.
Heian seguiu o rastro de luz com cuidado, observando enquanto os fios corriam pelo teto, mergulhavam nas paredes e desapareciam em direção ao subsolo.
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— Parece que eles tinham um sistema de conservação de energia aqui — murmurou, quase para si mesmo.
O caminho o levou para fora do quarto, onde precisou desviar de vigas caídas e escombros que bloqueavam o corredor. Mesmo na penumbra, os fios brilhavam com intensidade suficiente para guiá-lo. A luz era um farol, um lembrete de que o passado ainda estava vivo, mesmo que enterrado.
Chegando a uma escada que descia em diagonal, Heian parou. O ar parecia mais pesado ali, carregado de poeira e algo mais sombrio. O subsolo não era um lugar convidativo. O vazio que se abria à sua frente não o assustava, mas também não o atraía.
Respirou fundo, afastando a ideia de descer sozinho.
— Ceci, há alguma maneira de recriar essa conexão aqui em cima?
— Verificando dados. Baseando-me nas informações disponíveis, uma fonte de energia sustentável, utilizando movimentos e conversões, permitiria replicar o sistema. Uma caixa de disjuntor poderia ser criada para redistribuir a energia.
Heian franziu a testa, pensativo. Não fazia sentido que toda a estrutura dependesse de algo soterrado no subsolo. Ele precisava de uma solução prática, algo que pudesse ser implementado imediatamente.
— O que sugere como ponto de partida? — perguntou, olhando para os fios brilhantes. — Talvez um daqueles moinhos de vento que Jix mencionou?
A resposta de Ceci veio rápida, eficiente, como sempre.
— Com base na intensidade da tempestade e na força dos ventos nesta área de Kappz, essa seria a opção mais viável. Posso criar uma visualização detalhada de como essa estrutura pode ser construída. Gostaria que eu iniciasse o processo?
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Heian permitiu dar um leve sorriso.
— Sim, por favor.
Heian retornou ao quarto recém-construído. A luz da luminária a óleo tremeluzia suavemente sobre a mesinha que ele mesmo montara, projetando sombras longas e dançantes nas paredes. O ambiente exalava uma tranquilidade quase irreal, como se fosse um refúgio isolado de todo o caos que reinava lá fora. Ele puxou uma cadeira, sentou-se e fixou o olhar nas chamas, observando o jogo de tons dourados e alaranjados com uma atenção que parecia desproporcional.
A chama refletia algo dentro dele — um calor tênue, um propósito que ainda ardia, mesmo que silenciosamente. Por mais que não demonstrasse, sentia uma satisfação sutil ao saber que tinha algo para fazer, algo que fazia sentido. Sua mente, no entanto, vagava.
Lembrou-se de Leonardo tentando iniciar uma conversa dias antes, algo que o deixara desconfortável. Não era a abordagem de Leonardo que o incomodava, mas sim a sensação de que Fabiana, a esposa do homem, estava por trás disso. Fabiana tinha um olhar que parecia atravessar sua fachada, como se pudesse ver os cantos mais obscuros de sua alma. Heian evitava ambos, assim como evitava os outros moradores do abrigo.
Quanto mais tempo passava perto deles, mais sentia que aquele desconforto interno se ampliava. Mas havia algo que o mantinha firme: a Cuba. Aquela construção não era apenas um projeto; era seu propósito, sua penitência. Ele havia prometido a si mesmo que faria um quarto para cada morador, transformando aquele espaço vazio e impessoal em um lar de verdade.
— O senhor parece triste — observou Ceci. — Posso ajudar com algo?
— Apenas pareço, por causa dos meus pensamentos — respondeu Heian, a voz baixa. — Não se preocupe. Estou apenas esperando o projeto do moinho.
Houve uma breve pausa antes que Ceci respondesse:
— Projeto concluído, senhor. Como se trata de um sistema grande, recomendo construí-lo do lado de fora e providenciar uma reserva de bateria para acumular energia. O senhor já possui uma ou gostaria de forjar?
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Heian balançou a cabeça.
— A bateria não depende de mim. Preciso esperar Dante voltar. Ele vai decidir como proceder. Não quero adiantar as coisas sem necessidade.
Ele não ultrapassaria Dante, nem mesmo quando muitos no abrigo cochichavam que o verdadeiro poder ali pertencia a Clara Silver. Clara era fácil de se lidar, mas o olhar que ela lançava sobre ele era outra história. Sempre questionador, como se ponderasse a validade de suas ações, como se o desafiasse a justificar cada passo.
E então havia Marcus Lima. O atirador era uma presença constante, mesmo quando ausente. Heian podia sentir a energia de Marcus, como uma sombra pairando sobre ele, vigilante e desconfiada. Era impossível culpá-lo. Afinal, a alcunha de carrasco não inspirava confiança. Era um fardo que ele ainda precisava carregar — e limpar.
Seus dedos deslizaram sobre a madeira lisa e polida da mesa. Ele sorriu, quase imperceptivelmente. Este quarto era especial. Era o primeiro quarto que ele poderia chamar de seu, o primeiro espaço que verdadeiramente pertencera a ele.
O momento foi interrompido por duas batidas na porta atrás dele.
— Nenhum indício de presença ou Energia Cósmica — alertou Ceci, com sua voz precisa e neutra. — Nenhum registro detectado. Impossível identificar.
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