Capítulo 179: Sombras e Chá
Clara caminhava naquela manhã, sozinha, mas com uma bela cesta cheia de frutas. As ruas logo cedo nunca se tornaram muito cheias de neve ou de água, sempre foram varridas pelo vento da madrugada ou escorridas para os bueiros.
Por isso, quando precisava seguir até Luma, fazia na parte mais cedo do dia.
Ao fazer a curva que definia claramente a parte urbana da parte industrial, com os prédios sendo substituídos pelas árvores e casas mais antigas, algumas de madeira bruta e outras de pedra refinada. Sempre ficou muito tempo pensando quando era mais jovem de morar por ali, mas o fato do trabalho de Luma ser pesado demais para os mais velhos foi o que tirou essa ideia de sua cabeça.
Boa parte dos moradores de Kappz atualmente eram mais velhos. Colocar para trabalharem nos campos durante o inverno seria maluquice. Mas, Luma sempre estava cheia de disposição e também alimentos, e por isso que estava ali.
Encontrou a casa dela, e já do portão, a mulher de cabelos longos negros acenava. De ambos os lados, dois grandes homens segurando um guarda-chuva, não dando nenhum tipo de intrusão contra a chuva ou neve.
Ao se aproximar, viu Luma ficar mais animada.
— Quanto tempo, Clara. Vem, vamos tomar chá. Temos tanto pra conversar.
— Eu trouxe uma cesta com algumas comidas que fizemos no abrigo. — A cesta foi erguida para eles. — É meu presente como visitante. Você sempre leva pra gente, queria retribuir o favor.
Luma ficou toda sorridente e pegou a cesta.
— Não precisava, sabe bem disso. Mas, já que trouxe. — Ela entregou para Rex, o brutamonte da direita. — Leve pra dentro e mande Suzana separar tudo. Quero que seja preparado a mesa e também a sala para receber Clara. Vão ver se está tudo certo.
Os dois concordaram em silêncio e se despediram, adentrando. Luma pegou a mão de Clara e a puxou para dentro com mais velocidade, ainda sorrindo.
— Você vai amar tudo que preparei pra gente. Vamos falar sobre um monte de coisa, adoro saber de como estão os projetos de vocês. Claramente deveriam me inserir neles, quero muito poder usar aquela água do Reservatório com mais liberdade.
— A gente pode conversar, sim.
Elas entraram. A casa inteira era recheada de velas espalhadas, mas as chamas não se misturavam com clareza, dando aspectos de que algumas partes ainda eram escuras. Sempre foi assim, Luma tinha uma habilidade bem diferente, com a capacidade de gerar velas e pequenas faíscas, como se ela mesmo fosse uma vela.
E quando se apropriou dos recursos de seu pai, que era um dos poucos moradores de Kappz, restantes de uma geração mais antiga, as pessoas começaram a segui-la. Desde então, ela quem manda nas fazendas e na parte suburbana.
Sua por direito, até que fosse provada ao contrário.
As duas sentaram no sofá, com a mesa de centro já recheada de biscoitos e duas xícaras.
— Suzana vai trazer o nosso chá, mas quero saber. Como está sendo as coisas por lá? Marcus não costuma me visitar mais também. O que houve que parece que todo mundo está tão ocupado recentemente?
O rosto dela, euforia e ansiedade, misturados.
— Está indo bem. Bom, tem algumas coisas que não estão indo tão bem, mas não estou preocupada muito com isso. Acredito que o tempo vai colocar juízo na cabeça de algumas pessoas e elas vão entender o que estou falando.
— Ah — Luma fez uma expressão de entendimento. — Está falando da briga que teve com Dante?
— Isso… Como você sabe?
— Dante veio aqui faz dois dias perguntar sobre algumas questões envolvendo a fazenda.
Naquele momento, Suzana saiu do corredor com o bule. Ela se inclinou, despejando o chá e enchendo as duas xícaras. Assim que encerrou, fez uma reverência curta e saiu. Era a primeira vez de Clara vendo aquela mulher.
— Trocou de ajudante?
— Sim, sim. Suzana é muito mais organizada. Pedi que Melinda fosse colocada na casa da minha mãe para ajudar com as roupas, ela tem uma agilidade com os dedos que você ficaria surpreendida. — Luma pegou a xícara e molhou os lábios. Soltou um suspiro, aliviada. — Nossa, está ótimo. Experimente.
Clara fez o mesmo. Adocicado, mas sem o uso de açúcar. Realmente, os chá que Luma produziam eram acima da média em qualquer lugar. Tirando o fato de que nunca tomei chá em outros lugares.
— Voltando ao assunto — disse Clara. — O que Dante veio fazer aqui?
— Ah, muitas coisas. Ele veio tomar uma xícara de chá comigo. Conversamos sobre as fazendas, dos grãos e também da comida. Ele é um conhecedor nato sobre muitas coisas, nunca esperava isso vindo dele. Ele é um senhor de idade muito esperto.
— Não tenho como discordar disso. Mas, ele veio só pra isso? Falar sobre a fazenda?
— Claro que não. Ele veio ver se eu tinha algum tipo de pedido. — Luma repousou a xícara na mesa novamente. — Tem muita gente que pensa que as fazendas são autossustentáveis, que temos recursos que sempre vão ser recriados, mas não é assim. Temos muitas limitações, e o tempo é um deles.
— O inverno está sendo uma desgraça. Tem durado muito mais tempo do que imaginamos.
Luma concordou com um gesto de ombro.
— Por isso ele veio. Disse que Marcus está tendo muito trabalho, por isso queria se certificar que estava tudo correndo bem. Eu pedi apenas para ele trazer mais um pouco de água, mas ele foi bem mais engenhoso, trouxe uma caixa de água daquelas grandes, sabe? Muito bom.
Dante estava ajudando Luma por qual motivo? Se fosse apenas por ajudar, era entendível, mas ele vir aqui para conhecer mais sobre a fazenda? O que ele estava pensando?
— Ele sempre ajuda bastante quando não quer sair por ai procurando problema.
— Ah, isso ele também me avisou. — Luma arrumou a postura, colocando os pés em cima do sofá, ficando mais confortável. — Menina, que tipo de briga vocês arrumaram para ele ficar daquele jeito? Dante é um ótimo homem, na sua faixa etária, tem um bom coração.
— Ele ter um bom coração não quer dizer que não faz escolhas erradas. — Clara beliscou o chá de novo. — Ele tem uns projetos que são perigosos para as pessoas do abrigo. Quer instalar uma torre de comunicação, mas vai precisar ir pra perto da Zona Cega.
Esperou que Luma fosse contra a ideia, mas a cara dela era de quem estava esperando um final.
— E…? Mais alguma coisa?
— Ele está arrumando briga com GremHachi. Quer ir pra perto da Zona Cega? Era pra ele ficar aqui e não ir para todos os lugares que são perigosos. Como vamos fazer se numa dessa, gente estranha aparece no abrigo?
Mais uma vez, a expressão de Luma era de alguém que entendia e não entendia suas palavras.
— Clara, você parece preocupada demais em prender um homem a um lugar que não é dele necessariamente. Sei que você possui suas próprias maneiras de querer brigar para manter sua casa segura, mas prender um homem que quer fazer de tudo para te manter segura não é das melhores escolhas.
— Não sei se estou fazendo isso, mas ele não entendeu meu lado.
— Não? O que ele disse?
Clara negou com a cabeça.
— Já foi. Eu queria apenas uma dica de como você consegue manter todos aqui tão bem alinhados. Parecem que gostam de estar aqui. E eu não sei se tenho capacidade para imitar isso.
A mão de Luma repousou na sua.
— Pelas pessoas que vivem com você, por aqueles que já disseram que são leais a você, quantos você acha que vão seguir Dante caso ele queira deixar o abrigo? É exatamente isso que ofereço a eles, a oportunidade de serem eles mesmos.
— Quer dizer que os deixa livres para fazer o que quiserem?
— Claro que não, Clara. Isso causa confusão. Mas, se uma pessoa foi criada para limpar a fazenda, e gosta disso, por que eu deveria simplesmente tirá-la de lá? Você tem uma mina de tesouros na mão, mas parece que a verdadeira joia está fora da sua alçada e isso te deixa irritada.
Então, ela acreditava mesmo que Dante tinha razão.
— Dante vai causar problemas se continuar com a ideia de querer seguir para mais longe da cidade.
— Então, quando ele partir, você vai precisar entregar Clerk pra ele, a bateria, a água, os meninos que ele trouxe. — Luma não era debochada, falava com sinceridade. — Você criou aquele lugar, mas hoje divide funções. Marcus, o que ele tem feito?
— Ele fica fazendo ronda sozinho pela cidade.
— E nunca mandou ele parar, não é?
Clara negou no mesmo instante.
— Conheço Marcus o suficiente para saber que ele não vai me causar problemas. Ele é racional, ele pensa bastante antes de fazer alguma coisa.
— Então, conheça Dante o suficiente para que possar confiar nele. — Luma pegou o chá de novo. — E antes que eu me esqueça, tentar separá-los não vai ser a melhor ideia. Dante gosta de Marcus, o trata como um irmão.
Clara concordou abaixando o olhar. Mesmo assim, influenciar o abrigo não é o correto.
Vir até Luma lhe deu muita certeza de que Dante fazia mais do que falava. E pra quem sempre esteve cuidando dos desabrigados, Clara tinha certeza de que ele poderia fazer o bem da mesma forma que poderia fazer o mal.
Se tratando do abrigo, Clara faria qualquer coisa para deixá-lo mais seguro. Nem que isso fosse confrontar Dante.
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