Índice de Capítulo

    — É pra bater menos — Dimitri apontou para Dante, mas não conseguia esconder a risada. — É um treino, não um combate de verdade.

    Havia passado dois dias desde que Dante tinha nocauteado Calton. Não foi por querer, deixou isso bem claro ao rapaz. Soube que ele ficou acamado por um dia inteiro, e quando perguntaram, Calton respondeu que ficou doente e precisou de repouso.

    Claramente, qualquer um não gostaria de deixar ao público que tinha sido bombardeado por um idoso, ainda mais sendo um Recruta. Dante entendia bem o que ele sentia. Odiava perder, mas lidou com a derrota por quase a vida inteira. Nunca tinha ganhado do seu pai, toda vez que bloqueava o golpe, ele recebia outro, e depois mais um.

    Cada dia um aprendizado e uma derrota nova.

    O gosto da derrota ainda estava impregnado na sua língua.

    — Senhor Dante — Calton o chamou do outro lado do ringue. — Podemos começar dessa vez de maneira mais lenta? Conversei com meu Sargento. Ele não quer que eu fique do mesmo jeito da outra vez.

    Dante concordou. Calton deu uma risada e se aproximou mais uma vez, os dois batendo os punhos e se distanciando. Dante esperou mais uma vez que o rapaz viesse mais uma vez, se fosse fazer o mesmo, não tinha aprendido nada com o erro passado.

    No entanto, ele não veio. Manteve a distância correta e ergueu sua base. Estava trancafiado dentro da sua própria defesa, analisando. O correto a se fazer quando sabia da velocidade e força do seu inimigo. Dante deu um passo adiante e Calton recuou imediatamente.

    Ele está com medo.

    — Para. — Dante abaixou os braços. — Vem cá.

    Ninguém ao redor entendeu o que o velho fez. Calton se aproximou, e Dante empurrou o queixo do rapaz pra cima e depois acertou dois soquinhos no peito dele.

    — Por que está com medo?

    — Sendo sincero? — a mão de Calton foi até sua costela. — A diferença de força me fez entender que eu não podia te ganhar. Mas, eu sei que… se eu não treinar mais, vou continuar do mesmo jeito. Tem um cara que tem mais de cinco suportes que ajudam nos treinos, e eu não tenho ninguém que me leve muito a sério.

    — Certo, foi muito sincero pra mim. Vamos fazer o seguinte, não vou te atacar por cinco minutos, então vai fazer o que for necessário para me acertar. Ou prefere que eu te ataque e você desvia por cinco minutos?

    — Acho que minha defesa ainda é falha. Meu ritmo tem estado mais denso do que o costume, e meu jogo de pés ainda é uma merda.

    Dante concordou e o empurrou de leve para a outra ponta.

    — Vamos fazer desse jeito, então. — Dante ergueu a mão direita. — Vou usar apenas esse braço, desvie somente dele.

    O Sargento Endrik ficou alarmando e brandiu o braço irritado para Dante.

    — O que acha que está pensando, Recruta? Ele não é um soldado. Precisa tratá-lo com mais respeito.

    — Ah, cala a boca você também. Quer que ele melhore ou não? Apanhei a minha vida toda, sei do que estou falando. Vamos, Calton, se defenda e esquive o máximo que puder, não vou usar minha habilidade para não te machucar.

    O Cabo ergueu a mão para Endrik e pediu que ele parasse.

    — O senhor Dante é alguém que vai me ajudar. Pode deixar comigo. — E ergueu as mãos para ele, entrando na base novamente. — Pode vir.

    — Só para lembrar, você não pode me atacar.

    A postura de Dante fez com que Calton sentisse o calafrio. Não era somente a forma com que seus braços se posicionavam, era o ângulo de toda a estrutura do corpo. Desde seus olhos afiados, observando sua presa, até seus pés que arrastavam centímetros à frente se aproximando.

    E ainda assim, ele não usava sua habilidade. Isso era diferente, bem diferente do que qualquer outro que se disponibilizou para ajudá-lo a treinar.

    Quando a respiração de Calton foi exaurida, Dante avançou. O Cabo ficou desesperado. Ele teve que respirar pesadamente jogando seu corpo para o lado, e vendo o punho rasgar sua lateral. Ele nem teve tempo, um chute se aproximou. Teve que abaixar e recuar com os dois punhos perto do rosto, tentou respirar, ganhar um pouco de espaço, mas Dante se aproximou, segurou seu pulso e o dobrou para o lado.

    Todo o ringue virou de cabeça para baixo. Quando Calton percebeu, estava caído de costas, olhando para a lamparina no alto. Arfava, não com dor, ele não tinha lhe acertado em lugar algum, mas seu peito ardia.

    — Dante — Dimitria elevou a voz. — Pegue leve. Ele precisa treinar. Não ser surrado.

    — Não estou nem batendo nele, e você quer eu faça menos do que isso?

    O Recruta apareceu em sua visão, e colocou o charuto na boca.

    — Está bem, garoto?

    Ele realmente é poderoso.

    — Estou… sim.

    — Ótimo, ótimo. — Dante agachou ali mesmo ao seu lado. — Percebeu onde está errando? Mesmo que fuja, sua defesa ainda fica aberta. Precisa usar os braços e pernas. Onde aprendeu a lutar?

    — Em casa. Meu pai era Capitão. Bom, ele ainda é. — A dor em seu peito diminuiu. A pressão que o velho criou antes também. — Posso saber como aprendeu a lutar desse jeito?

    — Meu pai me ensinou. Desde que eu era novo. — Dante deu dois tapinhas no peito de Calton e o puxou para cima. Os dois ficaram de pé, e Dante ergueu a mão. — Mais uma vez até conseguir desviar cinco minutos.

    Os dois se separaram. Calton foi para o seu canto, e o Sargento Endrik subiu as escadas, tocando seu rosto e vendo algum machucado. Calton puxou o rosto e virou de costas, respirando fundo. Observou Dante voltar e conversar com Dimitri casualmente. Eu não sou nada pra ele.

    Era como se estivesse voltado a ser criança mais uma vez. Quantas vezes viu seu pai fazer o mesmo. Uma vez no mês ele podia fazer uma seção de treino com ele, mas sempre perdia antes de completar um minuto.

    — Pare de me fazer perder tempo, Calton. — As palavras do Capitão Hermes, seu pai, ainda doíam bastante quando lembrava do quanto estava se sacrificando. As horas socando as árvores, os corredores de espinhos, os Cabos e Sargentos que sempre o ajudavam nos treinos. No final, o tempo perdido era o mesmo para todos.

    Os rostos corridos para longe, querendo apenas ir embora.

    — Está perdido, Calton?

    Novamente, os punhos de Dante se ergueram no meio.

    — Vamos, você não precisa treinar?

    I

    Dante abaixou os braços quando viu os de Calton desmontar e ele abaixar a cabeça engolindo o que poderia ser o restante da sua saliva. O suor escorria pelos cabelos, tocando a bochecha e escorrendo até o queixo. A roupa encharcada pelas últimas quatro horas sendo surrado constantemente.

    Sinceridade fosse dita, Dante encarou Dimitri:

    — Achei que ele ia desistir depois de cair umas cinco vezes. O garoto é duro na queda.

    — Eu te disse. — Dimitri deu uma risada subindo os degraus do lado de fora e se escorando nas cordas do ringue. — Ele é bom, mas você deu uma aula do que é ataque. Aposto que ele não vai conseguir ir na luta hoje de novo.

    Calton se jogou no banco que Endrik pousou por fora. O jovem jogou os braços na lona, respirando fundo e controlando as batidas do coração. Dante conhecia essa expressão, a resiliência, a determinação. Os olhos do garoto não oscilavam, mesmo com medo da luta, ele sabia o que queria.

    — Ele vai superar. — Dante passou pela corda e saiu do ringue, descendo com Dimitri. Ele pegou um pouco de água e bebeu, mas não suava.

    Soldados e Cabos entraram pela porta lateral. Uniformizados com trajes de batalha, conversavam entre si enquanto esperavam Calton descer ajudado pelo Sargento e outro soldado. Logo atrás, um rapaz alto adentrou. Carregava as duas luvas na mão, e bateu um punho no outro, soltando uma faísca. Dante prestou bastante atenção naquele movimento.

    Dimitri tocou seu ombro.

    — Esse é o Rubbem

    O garoto que tinha trocado Dimitri pelo Comando. Então, esse era o rapaz que muitos falavam ser uma máquina de lutar. Dante fechou a mão e abriu, curioso. Será que eu testo ele?

    — Não faça nada. — Dimitri pareceu ler sua mente. — Ele não é alguém que nós devemos ficar implicando. A base dele aumentou, e tem costa quente com dois Tenentes. Se machucarmos e ele ficar sem lutar, nós podemos ser caçados depois.

    Dante suspirou pesadamente. Queria ter uma chance de bater no ladrãozinho de armas.

    — Certo, vou falar com Calton.

    Ele atravessou pelas laterais e se aproximou de Endrik, que de costas, virou-se quando Dante o cutucou no ombro. O Sargento deu uma abertura, e Dante agachou para ver Calton sentado, ainda se recuperando.

    — Sua base é fraca. — As palavras podiam doer mais do que alguns golpes, Dante sabia do que se tratava isso. — Não falo isso pra te ofender, garoto. Você tem uma boa coordenação, mas precisa melhorar sua agilidade e sua base defensiva. Comece dessa forma e aprimore como explorar a falha do inimigo. Antes de usar sua habilidade, aprenda a usar o corpo.

    — E como vou treinar… isso tudo? — Calton ainda estava sem ar. — Preciso de ajuda nisso também.

    Endrik abaixou e fechou o punho.

    — Te ajudo nisso. Não vai ser complicado já que o Oficial Arnako vai ficar fora por alguns meses por causa da Balsa.

    Dante ficou de pé e esticou o punho para ele. Calton demorou algum tempo, talvez reunindo energia para erguer o braço e chocar os dedos.

    — Quando precisar de alguém para aquecer antes das lutas, me chame.

    — Sim, senhor Dante.

    O rapaz parecia prestes a desabar de cansaço, mas manteve-se acordado e usou os colegas ao redor para levantar.

    Dante cruzou novamente o lado de fora do ringue, mas sentiu um olhar de cima. Quando moveu a cabeça, era Robbem o fitando. Erguendo a sobrancelha, Dante deu uma risada debochada e continuou até Dimitri.

    — Essas crianças de hoje em dia. — E pegou a sua farda. — Cada vez menos respeitosas, não acha?

    Dimitri ainda encarava Robbem, mas concordou com um movimento de cabeça.

    — Sempre orgulhosos.

    Dante o acertou um tapa com as costas da mão no braço dele.

    — Vamos. Você tem que arrumar uma luta comigo amanhã. Cansei de esperar.

    Dimitri recuou, mas ainda encarava o garoto no ringue. Em seu rosto, um misto de preocupação e desgosto. Deu as costas, saindo pela porta da frente. Dante e ele mantiveram calados até a saída, por onde passaram por outros soldados e recrutas.

    — Não se preocupe, está bem? —  Dante acendeu o charuto e colocou na boca.

    — Acha que eu me preocuparia com você? Não mesmo.

    Os dois deram uma risada.

    — A hora dele vai chegar, Dimitri. — Dante fechou a mão e abriu, liberando a energia acumulada no seu corpo. — Sempre chega, isso é certo.

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