Capítulo 195: Confirmação
Foi somente no terceiro dia depois de GreamHachi ter ficado em pedaços que metade dos moradores que ainda habitavam os portões começaram a se espalhar pela cidade de Kappz. Mesmo com o inverno e a tempestade açoitando, eles perderam a admiração e o respeito de verem exatamente o que a cidade representava.
A líder do Aquário tinha usado a própria cidade para alimentar sua própria raiva para destruir tudo ao redor. E quando viram que ela não terminaria ali, também compreenderam que o poder não se unia somente num único ser que ordenava o que era certo ou não, ele se unia também naqueles que queriam o melhor para todos.
Por isso, quando Dante se sentou no último andar do abrigo, verificou quem se aproximava e quem parecia estar com medo de mostrar as caras. Claramente vão ter famílias que moravam em GreamHachi.
Se esgueirar entre os verdadeiros desabrigados seria um problema e tanto, mas Gerhman e Leonardo ficaram responsáveis por isso. A função de Dante era apenas relaxar um pouco, mas quando fechava os olhos tentando se concentrar, voltava para dentro da sua mente, onde enxergou todos os seus conhecidos.
— Está tarde para ficar aqui. — Clara se aproximou já segurando uma cadeira e colocou ao seu lado. — O que houve para estar sozinho aqui essa hora?
Dia ou noite, Dante sempre se perguntava se era normal não ligar muito pra quando era de dormir ou de ficar acordado.
— Acredito que eu não queira dormir. — Ele forçou um sorriso. — Tive pesadelos esses dias.
Clara se apoiou no braço da cadeira, interessado.
— Me conte, Comandante de Kappz.
Ele deu uma risada, um pouco envergonhado.
— Não sou um Comandante. É o jeito que as coisas foram se desenrolando. — Dante parou de falar quando viu o pulso de Clara ainda marcado. — Desculpa… eu podia ter… sido mais rápido.
Ela negou com a cabeça lentamente.
— Nunca peça desculpas pra mim, não por isso. Eu estou aqui agora, isso importa bastante. Eu tirei esses dias de folga, mas quero que você fique tranquilo também. — Sua mão gesticulou a frente. — O que você sonhou? Não me disse ainda.
Dante ainda sentia um aperto no seu coração de vez em quando. Desde que retornou, tinha diminuído. Nunca teve nada parecido, mas ao levar a mão ao peito, parecia que a qualquer momento podia voltar.
— Acho que é medo — explicou, tentando saber se era para Clara ou para si. — Você foi levada. O abrigo estava sozinho. Eu não sabia o que fazer. Tentei ser justo, tentei ser a pessoa certa. Eu queria ir, mas não queria deixar ninguém sozinho. E ai quando eu durmo, só de fechar os olhos e pensar que alguém tinha entrado na minha cabeça me traz uma sensação ruim de novo.
— Medo das pessoas que estavam ai dentro?
Ele a encarou. Clara também tinha entrado naquele dia.
— Você os viu também, não é?
— Muitas pessoas. Não sabia quem eram eles, mas eu tenho quase certeza que sei quem são os seus pais e quem era a sua amiga Dalia. — Clara não tirava o sorriso do rosto. A cabeça apoiada no braço, deixando seus cabelos caírem pelos ombros e tocando a cadeira. — Tem muita gente que te protege. Eles também te protegem quando você dorme.
— Se protegessem, eu teria dormido bem.
Clara coçou a bochecha.
— Por que não deixa outra pessoa cuidar de você, então?
A resposta foi uma risada descontraída, mas quando Dante viu que Clara fugia do seu olhar, ele finalmente entendeu. Parece que… viver não seria tão ruim.
Ele arrumou o casaco e se ajeitou na cadeira.
— Eu gostaria de conversar com você lá na Cuba. Podemos?
Ela não esperava por esse pedido. Clara rapidamente ficou sem jeito, falando mais alto e embolada:
— Mas, o que vamos… fazer lá? Está de madrugada. E está… frio também. Olha só. — Ela gesticulou para o vento que soprava ao redor. — Vamos ficar gripados assim. Já tem muita gente gripada, Dante.
Com uma gargalhada, ele se levantou e esticou a mão.
— Vamos, Clara. Sei que vai gostar.
Ela tentou dar um sorriso de lado, em vez disso, abriu um grande e concordou indo adiante. Dante a puxou para perto de si, e antes dela ter tempo de dizer algo, já tinha saltado para frente. Dentro daquele mundo de neve, Dante segurou Clara com cuidado, e usou o bombardeamento no corpo inteiro ao mesmo tempo, enviando ondas de ar ao redor para proteger da tempestade.
No meio do caminho, no ar, a cabeça de Clara Silver foi se erguendo aos poucos. Encantada por estar voando, ela olhou para trás. Os cabelos esvoaçantes rebatiam uns nos outros, e antes de Dante pousar, ela já estava praticamente acostumada.
— Chegamos. — Dante a soltou, mas Clara ainda segurava seu braço. — Gostou da viagem? Consigo te levar pra qualquer lugar de Kappz em segundos. Mas, gosto de caminhar.
— Vir caminhando pra cá seria mais trabalhoso.
A imensa Cuba tapava metade da tempestade que chegava do norte, mas não impedia que as imensas ondas de neve se acumulassem em suas paredes largas e grossas. Mesmo os três dias de descanso, Heian continuou trabalhando arduamente para criar mais quartos e também consertar algumas partes internas.
Era um trabalho tão minucioso que Dante ficava impressionado sempre que chegava para inspecionar ou conversar. Claramente Heian não estava presente, e nem deveria. Essa era chance de Dante. Ele pegou a mão de Clara e começou a adentrar a Cuba.
— Quero conversar lá dentro.
Eles passaram pelo primeiro arco de ferro, gerado para ser a porta de entrada. Lá dentro, no meio do escuro, Dante a levou para onde sabia que tinha uma lamparina. E estalou criando uma pequena fagulha que acendeu.
Dante fez uma curva para onde os pequenos quartos de apartamentos eram construídos. E quando adentrou no branco cômodo, colocou a lamparina em cima da mesa no centro. E apontou para uma das cadeiras. Ele puxou rapidamente para Clara se sentar e fez o mesmo em seguida.
— Bom — disse Clara olhando ao redor —, estamos aqui. O que gostaria de me dizer?
— Acredito que dizer isso seria uma das coisas mais difíceis que eu fiz na minha vida. — Dante de uma risada sem graça e depois coçou a barba que crescia aos poucos. — Até mais do que enfrentar as criaturas lá fora ou qualquer pessoa que apareceu. Desde o dia que eu cai nessa cidade, eu sinto muito medo. As vezes, medo de não conseguir voltar pra casa. Medo de não conseguir ajudar com o que posso. Minha mente sempre esteve dividida entre o que eu deveria fazer. Porque sempre que penso na minha casa, lembro da minha promessa de voltar vivo, mas quanto mais eu penso em voltar pra casa, penso também que não posso fugir das minhas responsabilidades.
Clara continuou escutando, atenta.
— O que mais?
— No dia que derrotamos Maethe, ela entrou na minha cabeça para bagunçar tudo. Vi minha mãe. E ela me deu uma bronca daquelas.
Isso fez Clara dar uma risada.
— Você levando bronca depois de velho?
Dante concordou. Havia esquecido que era estranho ainda para as pessoas pensarem que mesmo sendo um idoso, na verdade tinha seus vinte e nove anos. Clara também poderia estranhar.
— Ela sempre me deu broncas. Mas, naquele dia, ela me disse que todo mundo na minha casa estaria me esperando voltar quando eu estivesse pronto. — Sua mão subiu até os olhos, e ele coçou um pouco. — Por isso, quando digo que quero ficar aqui, bom, eu quero dizer que também quero ficar com você.
Clara não disse nada, um pouco assustada.
— Está dizendo em ficar no abrigo e cuidar das coisas?
— Bom. — Dante ergueu um pouco o pescoço e coçou. — Sim e não. Bom, eu sempre me sinto bem quando estou perto de você. Sempre gosto de conversar e saber mais do que está pensando. Não tenho medo de falar nada e nem de deixar meus pensamentos irem embora. Nós nos conhecemos faz um tempinho, e acredito que eu não seja uma pessoa tão feia assim. Claro, sou velho, mas…
— Dante.
Ele parou de falar na hora, engolindo em seco.
— O que foi? Falei demais?
— Sim. Bastante. Seja objetivo no que quer falar comigo. Vai ser mais fácil, não acha?
Aquele tom gentil dela sempre o quebrava por inteiro. Era como simplesmente estar abraçado com bons sentimentos a todo instante. Mesmo passando por uma situação tão deplorável, ela ainda sorria com doçura.
Preciso fazer o mesmo por ela.
— Ser direto. Certo. — Dante respirou fundo e a encarou nos olhos. — Não tem um dia que eu não pense em você. Talvez, nenhum momento do meu dia eu não cogite em ir atrás de você para poder conversar e saber mais do que está fazendo. Durante os dias, quando estou mal ou quando estou bem, você é quem está comigo. E eu acho justo, por grande mérito, de querer estar junto de você.
Ela ainda sorria amorosamente.
— Continue.
— Por isso, eu quero poder dizer que dentro dos dias que estive aqui em Kappz, o destino me deu a oportunidade de te encontrar. No dia e na hora que cai, você me salvou. Não só dos Felroz, mas de todos os perigos que minha mente podia ter trago. Clara Silver, eu quero permanecer o restante dos meus dias, enquanto eu estiver em Kappz, com você. Porque não tem nada e nem ninguém que me faz querer melhorar tanto. E se algum dia, quando estivermos procurando por motivos para viver mais um dia, desesperados, quero poder estar contigo. Pra nunca esquecermos.
O sorriso dela afrouxou um pouco, e seus olhos marejaram. Dante ficou confuso e tentou se aproximar, mas a mão de Clara se ergueu, o impedindo.
— Estou bem. Eu só… estou um pouco surpresa.
— Eu fui direto demais? — Dante não sabia o que fazer. — Desculpas, eu achei que…
— Você foi perfeito nas palavras. — Ela terminou de limpar os olhos e segurou a mão de Dante. — Tem um bom modo de dizer, sabia? As pessoas me falaram o que disse antes de partir para me resgatar. E quanto mais eu ouço que você estava tão irritado, mais me pergunto até onde você iria para salvar todas essas pessoas.
— Até o fim do mundo. Eu iria até o fim do mundo.
Ela o abraçou, com força, trazendo para perto de si.
— Sei que está se esforçando muito, e eu reconheço tudo isso.
Dante sentiu o braço dela o apertar com gentileza e fez o mesmo.
— Então, qual a sua resposta? — Mesmo depois de ter ouvido ela dizer aquilo tudo, ainda tinha dúvidas. — O que acha?
Clara se afastou. Olhos fundos, chorosos, mas cheios de amor.
— Claro que aceito, seu idiota. Aceito um milhão de vezes!
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