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    Dante atravessou a entrada principal da Cuba, sentindo o cheiro de ferrugem e madeira nova misturados no ar. O eco dos martelos e o arrastar de barris preenchiam o ambiente, um som constante de reconstrução. As portas de metal, agora fixadas de ambos os lados, balançavam levemente ao vento, rangendo sob o peso das dobradiças gélidas. Acima dele, um corredor de metal se estendia a quatro metros do solo, uma ponte improvisada ligando diferentes setores da estrutura.

    Ele parou por um momento, os olhos percorrendo os detalhes do local. A Cuba estava sendo moldada novamente, os quartos erguidos um a um, retornando ao seu antigo propósito. Em poucos dias, cem aposentos estariam prontos. O abrigo estava crescendo, se tornando algo além de uma simples fortaleza: tornava-se um lar. E por isso, Dante permitiu-se um instante de orgulho. Heian tinha feito um trabalho excepcional.

    Ao atravessar os primeiros arcos de ferro, foi saudado por dois homens carregando barris. Eles pausaram brevemente, apoiando a carga no chão.

    — Bom dia, senhor. — disseram em uníssono.

    Dante respondeu com um aceno breve.

    — Bom dia, senhores.

    Continuou sua caminhada, passando por um grupo reunido no pátio central. O motivo da concentração ficou claro assim que avistou Arsena e Juno em pleno combate. As duas se moviam com agilidade, explorando cada centímetro da estrutura ao redor. Arsena manejava a espada com precisão, desferindo cortes calculados, enquanto Juno, com sua velocidade e destreza elétrica, saltava entre vigas e paredes, impulsionada pelos raios que conjurava.

    Dante observou em silêncio, analisando os movimentos da jovem. Ela não usava a eletricidade apenas para atacar, mas também para se movimentar, para desviar e enganar o adversário. Exatamente como ele havia ensinado. Em um mundo onde cada decisão poderia ser a última, transformar uma habilidade em uma ferramenta versátil significava ter mais chances de sobreviver.

    Ao deixar o pátio para trás, encontrou-se com Gerhman e Simone, ambos ocupados registrando os recém-chegados. Nos últimos dias, o abrigo havia acolhido mais gente do que podia sustentar. Muitos vinham em busca de refúgio legítimo, mas outros… outros tinham intenções diferentes. Houve furtos. Tentativas de coletar informações. Gente movida pela raiva e pelo desespero, que acreditava que o abrigo lhes devia algo, como se a destruição de suas casas lhes garantisse um direito automático.

    Dante não podia permitir que isso continuasse.

    — Eu resolvo. — dissera a Clara, horas antes. Então fez um gesto para Leonardo. — Leve-os para os túneis.

    O medo se instalou rápido. Alguns tentaram correr, mas não chegaram longe. As correntes de Juno os prenderam, o estalo da eletricidade ecoando pelo chão de metal. Um a um, os dez homens foram arrastados para os arredores do metrô abandonado. Ali, o ar era denso, impregnado com um cheiro acre de morte. E o som… o som era o pior de tudo. Algo rastejava no escuro abaixo deles, um rosnado faminto reverberando pelos túneis. Os Felroz ainda estavam lá.

    Dante encarou os homens ajoelhados diante do abismo.

    — Sabe o que espera por vocês lá dentro? — sua voz saiu calma, mas carregada de um peso que fez a espinha de muitos deles se arrepiar.

    Um dos capturados, um homem magro de olhos fundos, engoliu seco e tentou argumentar.

    — Por favor, senhor. Só queremos um lugar para ficar. Vocês… destruíram nossa casa.

    Dante ergueu as sobrancelhas, tocando o próprio peito, fingindo surpresa.

    — Eu? — Sua voz era suave, quase divertida. — Depois que tiraram minha amiga de mim, vocês ainda querem me culpar?

    As palavras causaram um efeito imediato. Murmúrios nervosos se espalharam entre os ajoelhados, e o homem que havia falado foi amaldiçoado pelos próprios companheiros.

    Dante apenas sorriu.

    — Não se preocupem. Eu não guardo rancor.

    Ele se virou e começou a se afastar.

    — Pode jogar.

    Leonardo avançou dois passos e, com um chute certeiro, lançou o homem falante contra o abismo. O corpo girou no ar, ainda preso às correntes de eletricidade. Juno hesitou por um instante.

    — É para soltar ele, mestre? — perguntou.

    — Solte.

    A corrente se desfazendo foi o último som que ecoou antes do impacto. O corpo bateu na neve fofa, mas o silêncio foi rapidamente quebrado por um novo ruído. Algo se moveu no escuro do túnel. Um braço esguio e deformado emergiu das sombras, a pele pálida e esticada sobre ossos finos. A criatura farejou o ar.

    Os outros homens recuaram, olhos arregalados, mas não se atreveram a se mover. O horror os mantinha paralisados.

    Dante tinha se lembrado bem de Leonardo descer e acabar com o Felroz sozinho, deixando os demais cientes de que na cidade o perigo mais tranquilo era o fato deles não chamarem atenção. Por isso, quando caminhava na direção da sala de reuniões, não deixou de avistar Marcus parado bem alto, talvez no vigésimo andar.

    O atirador, empoleirado em uma viga mais solta, limpava a Carabina com um pano. E acenou para baixo, reconhecendo Dante daquela altura.

    Dante respondeu ao aceno de Marcus, mantendo os passos firmes até a sala de reuniões. Assim que abriu a porta, encontrou Clara, Heian e Jix conversando. A posição da porta, às costas de Clara, permitiu que ele entrasse silenciosamente, ouvindo a conversa sem ser notado de imediato.

    — O relatório está perfeito — elogiou Clara, devolvendo os papéis a Heian. — Sei que tem feito muito ultimamente, mas só consegui ver a questão da bateria e dos disjuntores hoje cedo. Tem problema se esperarmos mais um dia?

    Heian negou com calma.

    — Só o fato de poder forjar um armazém já vai ocupar minha cabeça. A energia podemos ver depois.

    Jix esticou outro papel, este sendo único.

    — Simone registrou que temos alguns novos membros, mas estamos montando uma lista. Heian me ajudou a separar nome, idade e profissão.

    Clara tomou o papel para si e ficou lendo por alguns segundos.

    — Espero que não sejam parecidos com os outros.

    — Aqueles lá aprenderam a lição — respondeu Jix, então virou-se para Dante, que observava da porta. — Não é mesmo, Dante?

    — Ah, sim, aprenderam e rápido.

    Clara não se virou, já sabendo e sentindo sua presença ali.

    — Ótimo. Assim espero, para que eles não tenham que tomar uma decisão errada e a gente tomar uma pior ainda. — Ao devolver o papel para Jix, deu o aval aos dois: — Está perfeito. Podem continuar o projeto se acharem melhor. Total eficiência da parte dos dois.

    Heian levantou e agradeceu com um gesto de cabeça respeitoso. Ao passar por Dante, entregou-lhe o relatório.

    — Depois me diga o que achou. Quero conversar sobre o telhado ainda.

    — Certo.

    Heian saiu, e Jix logo atrás, com seus passos curtos. Ele acenou para Dante antes de fechar a porta. O baque seco ressoou pela sala, e Clara virou-se rapidamente, os braços apoiados na cadeira, seu rosto levemente avermelhado.

    — Por que entrou de fininho? Não pode fazer isso quando estou tendo reuniões. As pessoas se sentem incomodadas.

    Dante riu e concordou.

    — Perdão, eu gosto de ver as pessoas sendo surpreendidas do nada.

    — Só você mesmo. Vem, tem umas coisas pra resolver sobre GreamHachi ainda.

    Dante se sentou ao lado dela, observando as anotações do caderno pessoal. Ele puxou o bloco para si, tentando verificar a ortografia, mas Clara se levantou, foi até a outra mesa e pegou um copo de água.

    — Escreve muito bem. Aprendeu com seus pais?

    — Minha mãe. Ela me ensinou quando eu era bem novinha. — Retornou à mesa e sentou-se. — O que achou dos quartos no segundo andar? Heian ficou receoso, achando que as pessoas poderiam pensar que quem está mais alto é mais importante do que as que estão embaixo.

    — Pode parecer isso se não for conversado mesmo. — Dante continuou observando as anotações. — Posso pedir para Degol e Meliah conversarem com os moradores. Eles gostam de falar com as pessoas.

    — Pensei em deixar os dois justamente responsáveis por isso e pelas fornalhas.

    Dante achou uma ótima ideia.

    — Falo assim que sairmos. E Luma, ela pensou na proposta?

    — Ainda sem resposta — respondeu Clara puxando o caderno para trás. — Precisamos falar sobre o projeto de Leonardo e Juno. Eles querem descer para fazer o canal de esgoto.

    Ao recuar na cadeira, Dante a encarou.

    — Não tenho problema deles fazerem, mas por que parece que está me incluindo?

    — Porque eles pediram que você fosse supervisor. E não é uma ideia ruim. Leonardo disse que está muito tempo sem lutar, e foi até GreamHachi sem confiança na própria arma, e Juno é nova demais para comandar qualquer tipo de expedição que for. Gostaria que estivesse presente.

    — Ah, eu queria ficar na Cuba mais um pouco. Não faz nenhuma que a gente saiu do abrigo. — Fez biquinho, olhando para cima. — Queria ficar um pouquinho mais. Mas, se eles querem o Comandante…

    — Ele mesmo, o próprio Comandante — brincou Clara. — Se quiser ir, Comandante, precisa conversar sobre o planejamento sobre esse problema. Vou cuidar de Heian e Marcus. E sobre as pessoas de GreamHachi, o que era?

    O caderno foi aberto em outra página. Haviam nomes, lugares e rabiscos. Dante ficou alguns segundos lendo para entender o que se tratava.

    — A Zona Cega, então?

    — Pelo que parece, sim. — Clara cruzou as pernas. Sua mão direita tocou o braço de Dante, e apertou levemente. — Não quero nenhuma surpresa dentro da Cuba enquanto não estivermos tudo certo. Pode demorar meses. Então, segure a animação contra os Três Soberanos esse tempo, pode ser?

    Dante deu uma risada larga e concordou.

    — Claro, senhora Clara Silver. Eu farei o possível. Mas, se eles vierem, ai já é outra coisa.

    Não duvidava que Maethe tinha ido até eles pedir ajuda, mas pelo que parecia, ela também financiava e fazia comércio direto com a cidade sem que os moradores de GreamHachi soubessem. Por isso, mesmo durante a crise de comida, eles não passaram tanta fome.

    Maethe ainda vendia algo para eles que Clara procurava. E claramente, agora com a cidade aos pedaços, alguém deveria pagar essa dívida.

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