Capítulo 197: O Caminho das Pedras (II)
Dante permaneceu no centro da Cuba, observando o fluxo incessante de pessoas ao seu redor. O lugar vibrava com a energia dos recém-chegados, que se esforçavam para organizar seus poucos pertences nos quartos designados. Cada novo residente recebia uma lamparina a óleo, cuidadosamente distribuída por Gerhman, que mantinha-se atento enquanto as pessoas se aproximavam, uma a uma, para pegar o item. O cheiro de querosene pairava no ar, misturado ao leve murmúrio das conversas abafadas pelo ambiente subterrâneo.
Quando os olhos de Gerhman encontraram os de Dante, ele fez um sinal discreto para Simone assumir seu lugar. Em seguida, limpou as mãos sujas de óleo seco nas calças gastas e caminhou em direção a Dante, a expressão carregada de curiosidade e expectativa.
— Algo de errado? — perguntou Dante, analisando a aproximação com atenção.
Gerhman arqueou as sobrancelhas, como se a pergunta o pegasse de surpresa, e balançou a cabeça lentamente.
— Pior que não. Tudo está seguindo conforme o esperado. Não houve mudanças significativas nos últimos dias. Mais gente chegou, e formalizei o registro de cada um — nome e profissão, como Clara pediu. — Contava nos dedos as tarefas realizadas. — Também organizamos as camas, os armários e algumas estruturas improvisadas para os novos moradores.
— E os quartos de casal? Como ficaram?
Gerhman indicou uma das casas no segundo andar com um breve movimento de cabeça.
— Cada um recebeu um espaço maior, com um cômodo adicional que pode ser usado como cozinha para evitar tumulto nos refeitórios. Ainda não temos fornalhas suficientes para todos.
— Degol e Meliah estão cuidando disso.
Gerhman assentiu, mas a expressão avaliativa deixava claro que algo lhe incomodava. Ele estreitou os olhos, absorvendo cada detalhe da postura de Dante antes de falar.
— Você saberia de tudo isso se estivesse conversando com Clara. O que você realmente quer?
Dante sorriu de canto, cruzando os braços.
— Bom que me conhece bem. Caminhe comigo.
Gerhman hesitou por um instante, mas obedeceu. Ambos se afastaram do grupo, atravessando o espaço até alcançarem o centro do pátio. Ali, longe de olhares curiosos, Dante finalmente parou.
— O que houve? — questionou Gerhman, a voz carregada de cautela. — Parece sério.
— Apenas assuntos pendentes de GreamHachi. — Dante manteve um tom controlado, embora o peso da conversa fosse inegável. — Tivemos uma confirmação sobre algo na Zona Cega e quero saber o que você sabe sobre os Três Soberanos e os negócios que conduzem por lá.
Gerhman franziu o cenho, refletindo por um instante antes de assentir devagar.
— A Zona Cega é um território complicado de acessar livremente. Até mesmo Raver encontrou dificuldades para se aproximar. Ela se estende por quase metade de Kappz. Se levarmos em conta as regiões de Rapier, GreamHachi e Kappz, estamos falando de aproximadamente quarenta por cento do que restou da cidade original.
— Eles têm mais território e mais gente do que nós? — Dante absorveu a informação rapidamente. — O que eles vendem?
— Suprimentos menores, em sua maioria. Nenhuma colheita é perfeita, e os Três Soberanos controlam suas regiões dentro da Zona Cega com leis diferentes. Eles vendem esses produtos para moradores e pequenos comerciantes.
— E comerciantes maiores, como Maethe?
A pergunta fez Gerhman hesitar.
— Não, acho que me expressei mal. Maethe era considerada uma comerciante pequeno, Dante. Nenhuma parte da cidade opera um comércio tradicional. Ninguém precisa pagar para comer. As cidades ao redor sempre negociaram com ele porque os Três Soberanos possuem uma renda muito maior do que as cidades menores.
— E se Maethe era uma pequena, então quem são os grandes?
Gerhman deu de ombros. O gesto foi quase indiferente, mas seus olhos traíam um brilho pensativo. Aquele era um homem que ouvia mais do que falava, e falava apenas quando tinha certeza de que valia a pena.
— Muita gente fala que a Zona Cega usa esse termo para inflacionar os preços, para enganar os tolos e fazê-los pagar mais, mas nunca ouvi quem vive lá chamando alguém de “grande”.
Ele passou a língua pelos dentes, pensativo, e então soltou um leve riso, quase como se estivesse saboreando uma lembrança.
— Na verdade, da última vez que fui à Zona Cega, um dos Alopocos me disse uma coisa engraçada.
Dante franziu a testa.
— O que é um Alopoco?
— Um Mestre de Caravana. — Gerhman apoiou uma mão no quadril, como se estivesse pronto para partir a qualquer momento. — Homens e mulheres que vivem nas estradas, carregando mercadorias de cidade em cidade, vendendo o que podem e comprando o que precisam. Mas como GreamHachi nunca abriu os portões, eles nunca vieram para cá. Muitos deles têm ligações com os Felroz.
— E o que ele disse?
Gerhman deu um meio sorriso, o tipo de sorriso de alguém que já ouviu muitas histórias e não se impressiona mais com nenhuma delas.
— Que nas Estradas Viris, onde a Zona Cega se conecta com o resto do mundo, existe uma cidade submersa. Um lugar que nunca pôde produzir comida ou coletar água, porque… bem, está debaixo d’água.
Dante arqueou uma sobrancelha. A ideia parecia absurda, mas não impossível.
Lembrou-se de Talia, curvada sobre os livros à luz trêmula das velas, murmurando para si mesma enquanto absorvia conhecimentos esquecidos. Em uma dessas noites, ela mencionou algo sobre um dispositivo que removia o sal da água do mar, tornando-a potável. Mas o processo era caro, tão caro que apenas os mais ricos podiam pagar por ele.
— Então, um grande comerciante seria essa cidade?
Gerhman soltou um riso curto, quase zombeteiro.
— Eu nunca fui lá, Dante. — Ele balançou a cabeça. — O que sei vem das estradas e dos boatos. Se alguém pode saber mais, esse alguém é Leonardo. Ele passou tempo suficiente na Alta Cúpula para ouvir o que importa. Mas há outra pessoa que pode ter ainda mais informações.
Dante inclinou a cabeça.
— Quem?
Gerhman abaixou o tom de voz, como se receasse que até mesmo as sombras pudessem escutá-lo.
— A esposa dele.
Dante piscou.
— Fabiana?
Gerhman assentiu.
— Ela já esteve em várias cidades ao redor de Kappz antes de se casar com Leonardo. Conhecia gente. Gente poderosa.
Dante lançou um olhar para o pátio. Seus olhos encontraram Leonardo, demonstrando a uma garotinha a maneira correta de empunhar uma espada. Sua filha. Ao lado deles, Fabiana observava com um sorriso leve, acompanhada por Arsena e Juno.
Um grupo unido. Raro nos tempos de agora.
Por um instante, os olhos de Fabiana se ergueram, vasculhando o pátio. Dante desviou o olhar antes que ela percebesse que a observava.
— Ela deve saber bastante. — Gerhman continuou. — Na Alta Cúpula, muitos diziam que Fabiana escondia os melhores contatos para si. Quando os suprimentos começaram a escassear, sua família não passou fome como as outras. Isso não foi coincidência.
Dante cruzou os braços.
— Ela tem aliados.
— Sim. — Gerhman suspirou. — O Grande Yohan. O Mestre Pice. Ambos juraram lealdade a Fabiana, e não a Leonardo. São Alopocos, ou pelo menos é o que dizem.
Dante estreitou os olhos.
— E Leonardo?
Gerhman apertou os lábios.
— Nunca perguntei a ele sobre isso, mas os rumores persistem. Conversar com eles pode lhe dar respostas. Mas tome cuidado, Dante.
Ele então fez algo inesperado. Segurou o braço de Dante. O aperto era firme.
— Os Vulkaris não gostam de ser testados, nem mesmo por aliados. Leonardo matou um homem só por contrariar uma decisão da esposa.
Dante sustentou o olhar de Gerhman. Havia um peso naquelas palavras, mas também um equívoco. Se o velho realmente achava que Dante precisava de tal advertência, então não fazia ideia do que ele havia enfrentado nos últimos meses.
Mas Dante não corrigiu Gerhman. Apenas assentiu e se afastou.
Havia coisas a fazer. Algumas pessoas ainda precisavam receber seus pertences, e ele precisava de um momento de descanso.
Subiu os degraus do primeiro prédio da Cuba e caminhou até seu quarto. O segundo andar estava silencioso, exceto pelo farfalhar do vento através das janelas quebradas.
Quando girou a maçaneta, ouviu uma voz do outro lado.
— Dante.
Era Duna.
— Você demorou.
A porta rangeu ao abrir.
— Entre. Tenho coisas para te mostrar.
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