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    A entrada do metrô era um túmulo carbonizado. O ar ainda estava carregado de fuligem e um calor residual dançava como espectros sobre as pedras chamuscadas. Dante deu dois passos à frente, os olhos examinando as paredes, agora pintadas de negro. O fedor de carne queimada e cinzas era forte, se misturando ao cheiro úmido e rançoso que vinha do túnel. Nenhum som ecoava lá de baixo. Nenhum chiado, nenhuma respiração ofegante. Só a escuridão os aguardava.

    — Parece que encerramos por aqui. — Sua voz cortou o silêncio, mas ninguém relaxou.

    Jix ainda observava o abismo negro, pelo breu e pelas chamas.

    — Aprendemos a lição. — Seu tom era seco. — Não deixem Duna fazer nenhum experimento do lado de fora sozinho.

    Ninguém riu. Nem um resmungo ou piada seguiu a frase. Era uma constatação, não um comentário.

    Leonardo limpou a fuligem da lâmina com o polegar, franzindo a testa.

    — A Pedra Lunar ainda precisa ser estudada antes de usarmos como comunicador. — Olhou para Dante, como se esperasse confirmação. — Aquela IA… Não é? Ela faz parte de Juno?

    — Se chama Veronica. Está com ela desde que capturamos o Centro de Pesquisa. — Jix respondeu, sem desviar os olhos do metrô. — Ainda estamos tentando entender o que ela quer, mas Dante derrotou ela com a promessa de que iria nos ajudar.

    Leonardo ergueu as mãos, como se a resposta fosse óbvia demais para precisar de explicação.

    — Se ela vai ajudar, por que não pediram ajuda?

    Dante riu de canto, balançando a cabeça.

    — Difícil, quando o objetivo dela era exterminar os humanos.

    O silêncio pesou entre eles. Até Heian desviou o olhar do abismo do metrô. Dante não esperou por mais perguntas.

    — Depois da surra que eu dei nela, acho que essa missão diminuiu bastante. Juno colocou ela na linha.

    Heian não riu.

    — Querer exterminar a humanidade não parece ser só uma missão.

    A escuridão no túnel parecia mais densa. Um convite. Uma ameaça.

    — Ceci, faça a análise padrão de Energia Cósmica.

    Dante cruzou os braços, observando. Já ouvira falar de Ceci, a IA de Heian, mas nunca a vira em ação.

    O pulsar amarelo brilhou no ar, descendo como um manto silencioso, sondando o nada. Jix prendeu a respiração ao ver a luz se perder no vazio. Eles esperaram. O tempo se arrastou como um cadáver puxado pelo tornozelo.

    — Nada vivo. — Heian falou por fim, sua voz sem inflexão. — Ceci não consegue ver além de cinquenta metros. Mas é melhor descermos agora do que deixarmos as criaturas voltarem.

    Leonardo assentiu.

    — É um ninho. Se não destruirmos tudo, eles sempre voltam.

    Ele ergueu a espada e apontou para as entranhas escuras do túnel.

    — Prefiro descer e acabar com isso do que fechar as portas e esperar o próximo ataque.

    Jix não demorou a concordar.

    — Dante, temos gente demais para cuidar. Se outro ataque desses acontecer de repente, vai ser um problema. Limpar os túneis já estava nos planos, não?

    Heian cruzou os braços, frio.

    — Eu deixei marcado para depois que os quartos estivessem prontos. — Seus olhos encontraram os de Dante, firmes. — Não quero apressar o projeto, mas a segurança dos civis é prioridade.

    Dante estudou Heian por um momento. Ele mudara. Não era mais apenas um soldado de expressão sisuda e força brutal. Estava aprendendo a pesar o momento certo de agir, deixando de lado impulsos e paixões. Seu rosto se tornara mais rígido.

    Ele o fazia Dante se lembrar de uma pessoa em especial. Dalia.

    — Gostaria de comandar? — Dante perguntou.

    Heian o encarou por um instante.

    — Tenho confiança na sua habilidade — continuou Dante. — Escolha dois para ir com você e faça a limpeza completa.

    — Não… — Heian hesitou, as palavras pesando mais do que gostaria. — Não creio que eu seja bom o suficiente para liderar.

    Dante observou em silêncio, sentindo a hesitação do jovem como se fosse algo palpável. O orgulho o travava, como correntes invisíveis que o prendiam ao chão. Mas então, Leonardo deu um passo à frente. Sua espada, baixa e relaxada, brilhou fracamente sob a luz fria.

    — Já estive em batalhas o suficiente para ajudar. — Sua voz era calma, mas carregada de firmeza. Ele fez uma pausa, medindo as palavras. — Se desejar que eu esteja presente, é claro. E se quiser conselhos, também os darei. Não acredito que essas criaturas possam te derrotar, sendo forte desse jeito, mas um líder em comando nunca deve dispensar aliados.

    Heian sustentou o olhar de Leonardo, e por um instante, parecia que os dois estavam prestes a medir forças ali mesmo. O passado pesava entre eles como uma lâmina não embainhada. Heian não queria aceitar. Isso estava claro em cada linha rígida de seu rosto. Mas, por fim, desviou o olhar, engolindo o orgulho como se fosse vidro moído.

    — Se quer ficar, que seja. — Seu tom era seco, mas não havia mais hesitação. Ele virou-se para Dante. — Quero Juno. A garota tem uma coordenação excelente. Nunca vi alguém tão nova ser tão rápida. Posso levá-la?

    Dante ergueu a mão para as duas garotas. Elas se aproximaram, cautelosas, olhando o buraco negro que se abria na escada abaixo deles. Magrot, com passos pesados e lentos, caminhou na direção deles ainda limpando o braço do sangue preto.

    — Oh, parece até uma caverna — comentou Arsena, jogando neve nos degraus. — Quem vai descer lá? Eu tô fora.

    Pelo menos era honesta.

    — Juno, Heian quer você para descer. Leonardo também vai. Quero saber primeiro: Veronica está aí?

    Antes que Juno respondesse, a imagem da IA tomou forma diante deles. Braços cruzados, boca torcendo-se para baixo, olhos faiscando irritação. Seu corpo projetado brilhava com uma leve oscilação, mas sua postura não poderia ser mais rígida.

    — O que você quer, velhote? — Sua voz era um rosnado ácido. — Está querendo minha ajuda agora?

    Dante ergueu uma sobrancelha, mantendo aquele sorriso provocativo que ele sabia que a irritava.

    — Se já sabe, por que ainda pergunta?

    O olhar de Veronica estreitou-se.

    — Sério, humanos são patéticos demais. Sabem que a Energia Cósmica da Pedra Lunar é forte demais e atrai predadores pelo cheiro. Vocês têm pouca sensibilidade, mas as criaturas ao redor não. Elas se alimentam disso.

    O silêncio que se seguiu foi pesado. Heian e Leonardo se entreolharam, absorvendo a informação. Dante fechou os olhos por um instante. Então, Duna teria que encontrar um meio de ocultar a presença da Pedra Lunar.

    — E como podemos fazer isso? — perguntou, sem rodeios.

    Veronica bufou, balançando a cabeça como se estivesse falando com crianças.

    — Idiota, use outra Pedra Lunar para criar uma frequência que colida com a original. — Ela suspirou, impaciente. — E imaginar que vocês foram o que sobrou para comandar a cidade. Antigamente havia mentes mais brilhantes.

    Leonardo cruzou os braços, sem desviar os olhos dela.

    — Algum deles ainda está vivo para contar essa versão?

    — Apenas espadas e boas intenções foram o que varreu vocês dessa terra. — Veronica inclinou a cabeça para o lado, como se estudasse um bicho prestes a ser abatido. — Acha que me importo se eram mais inteligentes ou mais fracos? Apodreceram debaixo da terra, como qualquer outro que veio antes ou virá depois.

    Dante não respondeu. Não precisava. Já ouvira aquelas palavras tantas vezes que elas haviam perdido o efeito. No começo, o enraiveciam. Agora, eram apenas um eco distante de uma máquina que nunca entenderia o peso de ser humano.

    — Você prometeu nos ajudar. — Ele gesticulou ao redor, como se lembrando-a do trato. — Pode fazer com que a comunicação funcione?

    Veronica fechou os olhos e respirou fundo, como se precisasse se acalmar. Quando os abriu novamente, suas íris haviam mudado do castanho para um tom de amarelo incandescente, depois voltando ao normal.

    — Certo. Deixei uma mensagem para o seu velho. Aquele que se acha o mais inteligente do mundo. Ele vai entender o que fazer.

    Então, de repente, ela apontou para Dante, os olhos ardendo de fúria contida.

    — Eu quero minha revanche. E você vai me dar isso, entendeu?

    Dante ergueu o queixo, saudando-a com um leve aceno de cabeça.

    — E o que vai apostar dessa vez?

    O gemido de raiva que Veronica soltou foi suficiente para arrancar um sorriso discreto de Dante. Antes que pudesse responder, sua imagem começou a se dissipar, dissolvendo-se no ar como fumaça.

    Leonardo e Heian trocaram um último olhar, desta vez sem o peso do orgulho entre eles. A tempestade uivava ao redor, mas a tensão havia se esvaído. Juno, no meio dos dois, virou o rosto de um para o outro, balançando a cabeça de um lado para o outro como se avaliasse o que quer que estivesse se passando ali.

    — Então, quando vamos descer? — perguntou, animada. — Quero ver como é lá embaixo.

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