Capítulo 203: Comunicação Estabelecida
O brilho azulado das Pedras Lunares pulsava no escuro como corações gêmeos. Dante observava a oscilação das energias, o jogo de forças invisíveis que colidiam e se repeliam, formando um véu de camuflagem quase imperceptível. O ar ao redor parecia eletrizado, carregado com aquela força bruta e incompreensível.
Não esperava que Veronica ajudasse tanto. O desgosto da IA pelos humanos era quase palpável, mas os projetos que passara a Duna funcionavam. Era um raro momento em que as peças do tabuleiro estavam onde deveriam estar.
Duna ergueu um Cubo de Comunicação e analisou sua superfície refletindo a luz bruxuleante das pedras.
— Posso testar de novo? — perguntou, segurando o cubo como um troféu. Um sorriso enviesado se formava no canto dos lábios. — O que acha? Dessa vez não vai dar merda.
Dante soltou uma risada fraca.
— Tem certeza?
— Nunca tive mais.
Duna fechou os olhos por um instante e então canalizou a Energia Cósmica. O brilho das pedras aumentou em resposta, envolvendo-se em uma aura tênue que dançava em torno delas. No instante seguinte, algo esquentou no bolso de Dante. Ele franziu a testa, enfiou a mão no casaco e retirou sua própria Pedra Lunar. Ela pulsava em resposta, refletindo a mesma frequência da outra.
— Duvidar de mim é maluquice — murmurou Duna, quase como um sussurro para si mesmo. — Só precisava de um pequeno reajuste.
Dante permaneceu quieto. Ele aprendera, ao longo dos anos, a não se precipitar com boas notícias. Antes de comemorar qualquer coisa, era melhor verificar se nada saíra do controle.
— Vick, análise — ordenou.
A resposta veio quase de imediato, a voz da IA ecoando em sua mente como um sussurro metálico:
“Uso correto da Pedra Lunar. Sem resquícios ou sinalização da Alta Frequência.”
Duna girou o Cubo de Comunicação entre os dedos e, sem hesitar, aproximou a boca do objeto.
— Estão me ouvindo? — O silêncio respondeu. Ele sorriu, sacudindo a cabeça. — Para os que estão me ouvindo, aqui é o seu capitão. O mestre da tecnologia antiga e pioneiro das novas. O homem que vai revolucionar o mundo inteiro, sou eu…
— Cala a boca, Duna.
A voz de Arsena irrompeu do cubo como um trovão. Duna piscou, surpreso, antes de lançar um olhar para Dante.
— Capitão de merda — outra voz se fez ouvir, desta vez carregada de sarcasmo. Magrot. — Consertou esse troço sem precisar nos mandar pra morte? Grande inventor.
Dante deixou um meio sorriso escapar.
— Parece que agora temos uma tela de comunicação. Como estão as coisas do lado de fora?
Arsena respondeu, sem a empolgação habitual:
— Mesma coisa de sempre, velhote. Frio e vento pra caralho.
Dante esperou que ela dissesse mais alguma coisa, mas a hesitação ficou evidente do outro lado. Então, veio a pergunta que ele já esperava:
— Sem sinal daqueles três ainda. Já se passaram três dias. Eles estão bem mesmo?
O silêncio que se seguiu era pesado como uma lápide. Dante se permitiu um momento para processar a preocupação dela. Ele não temia por Leonardo e Heian, e Juno era rápida o suficiente para escapar de qualquer situação. Mas três dias era tempo demais.
Ele não deixaria transparecer qualquer dúvida.
— Eles vão voltar — afirmou, sem hesitação. — Até porque, temos Marcus lá em cima.
Virou-se para o canal aberto.
— Marcus, está vendo alguma coisa se movendo na direção do túnel?
A espera foi longa. Dante quase podia ouvir o vento cortante do lado de fora, o silêncio cruel das planícies brancas. Então, a voz do atirador veio, curta e afiada como uma lâmina.
— Negativo.
Finalmente.
Dante abaixou os braços e soltou um longo suspiro. Ele queria gritar, queria socar o ar ou simplesmente rir, mas a única coisa que fez foi fechar os olhos por um momento.
A comunicação estava funcionando. E isso mudava tudo.
Ele abriu os olhos novamente. Agora era questão de tempo. E tempo, em um mundo como aquele, valia mais do que qualquer Pedra Lunar.
Ele e Duna saíram do quarto em passos firmes, descendo para o pátio. O ar ali estava mais cortante do que antes, o frio apertava os ossos como garras invisíveis. O céu cinzento pesava sobre a fortaleza improvisada que chamavam de lar. Mas nada disso importava agora.
Quando chegaram à base da escada, Clara surgiu correndo como um vendaval. Seu capuz caiu para trás, revelando o cabelo desalinhado e as faces ruborizadas pelo frio e pela pressa. Os olhares ao redor se voltaram para ela, mas Clara não hesitou nem por um instante antes de se lançar contra Dante, os braços envolvendo-o num abraço feroz.
O impacto o fez dar um passo para trás, mas ele segurou a garota com firmeza, sentindo o coração dela disparado contra o peito.
— Eu ouvi. — Clara afastou-se apenas o suficiente para encará-lo, os olhos brilhando com uma alegria incontida. — Vocês conseguiram. Isso é ótimo. Você disse que ia instalar, e instalou.
— Ele disse isso? — Duna meteu-se entre os dois, arqueando uma sobrancelha. — Olha só, dona Clara, vamos deixar uma coisa bem clara aqui. Conhece a mente pensante que estava por trás disso tudo? — Ele apontou para si mesmo. — Pois é, sou eu. E, sendo assim, acho que mereço uma boa refeição. Algo decente. Um pedaço generoso de carne, talvez. Pensar cansa.
Dante suspirou, mas não disse nada. A presença de Duna era irritante e reconfortante ao mesmo tempo.
Do lado de fora, a porta rangeu quando Magrot e Arsena entraram, segurando seus Cubos de Comunicação como troféus. Gerhman estava mais afastado, ajudando Simone com a distribuição das roupas. Dante observou cada um deles, sentindo o peso do momento.
Eles tinham vencido uma batalha, ainda que pequena.
As casas precisavam ser finalizadas, os túneis reforçados, os suprimentos repostos. Mas a comunicação… a comunicação era a chave para algo maior.
— Está tudo saindo do jeito que pensamos. — Dante não escondeu o sorriso. Abriu os braços, como se pudesse abraçar a conquista, como se pudesse sentir o futuro se desenrolando diante deles. — Agora podemos falar com qualquer um que esteja dentro da cidade e tenha um Cubo.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Clara saltou nos braços dele novamente. Dessa vez, ele riu e a girou no ar, ouvindo a gargalhada dela se misturar ao vento.
Os pequenos momentos devem ser apreciados como se fossem os últimos, Render sempre dizia isso. E Dante acreditava.
Porque, no fundo, sabia que cedo ou tarde, a calmaria acabaria. Outra tempestade viria, cedo ou tarde, mas estariam preparados para receber qualquer que fosse a ameaça.
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