Capítulo 21: Quem Apanha Nunca Esquece (III)
Outro soldado entrou no Campo de Pedra já fitando Dante de cima a baixo e deu uma risada. Ele tinha uma lança erguida e nada disse. Por alguma razão, mesmo que sua postura fosse uma relaxada, ele não era alguém a ser levado a sério.
Ainda sentado, o Recruta manteve a calma.
— Outro maluco com ideias idiotas.
— Ah, velhote. Eu sei o que está fazendo. — O rapaz tomou a lança e brandiu pra frente, criando um estalido de faísca. — Quer pegar as três vitórias para poder entrar na lista, não é?
Ao se levantar, Dante o olhou bem e depois ergueu as mãos, confuso.
— De que lista tá falando?
— Para de se fazer de sonso. Você é um Recruta, não é? E também é um Estrangeiro. Eu procurei saber da sua história. Veio de um vilarejo, no meio do nada, achando que teria lugar aqui. Mas, não faço ideia de como deixaram um velho entrar, posso mostrar pra eles que estavam errados de te passar no Campo de Teste.
Praticamente, uma única palavra foi o que chamou atenção de Dante.
— Estrangeiro? Por que na sua boca pareceu uma ofensa?
— Porque você é igual aqueles Baloeiros. Acham que só porque vieram de algum lugar fora da Capital, devemos ter respeito. Esse não é o seu lugar, nunca vai ser, velhote. Por isso — a lança foi brandida novamente pra frente —, mostrar para todo mundo é minha missão. Te fazer sangrar e choramingar. Não me compare com os últimos dois que vieram antes, não vou perder tão facilmente.
— Não acha que os Baloeiros são importantes, rapaz? Tem ideia de quanto eles sacrificam para estarem vagando de um lado para o outro? — Dante forçou mais a voz. — Sabe quanto eles deixam para trás para estarem voando?
— E por que eu deveria me importar com gente igual eles?
O charuto, Dante retirou da boca e apagou. Guardou no bolso e arrastou a mão no peito e barriga, limpando a poeira que tinha acumulado.
— Não vou te explicar o motivo, rapaz. — O primeiro passo de Dante causou um tremor no chão. Os olhos dele se estreitaram e sua Energia Cósmica se elevou em roxo ao redor do corpo. — Só espero que saiba que a surra que eu vou te dar é bem pessoal.
— Pode…
I
A bolsa de moedas de Dimitri tintilavam. Ele segurou com força no meio da arquibancada, pensando em quais materiais poderia comprar para forjar um novo material. Poderia ser uma espada ou lança, talvez um escudo para colocar na frente de sua loja.
Precisava de um chamariz para os guerreiros que mantinham a defesa erguida em missões externas. Era importante tanto quanto uma boa espada de lâmina afiada.
Sua última aposta. Três lutas. Foi o que combinou com Dante para que ele pudesse fazer parte das lutas mais importantes, e chegar até Rubbem. Enquanto pegou a prata para o apostador ao redor, percebeu que todos eles não diziam mais nada, apenas assistiam fascinados à tela.
Dimitri fez o mesmo, querendo saber o que estava ocorrendo.
Era Dante, saltando de um lado para o outro, girando contra o solo e levantando em rodopios para escapar da lança dançante de Radius Mignamoto, um dos Cabos mais prestigiados do último ano. O rapaz tinha derrotado um Felroz, e disseram que foi sozinho.
A família Mignamoto era grande, cheio de membros com patentes beirando Sargento a Tenente, mas nenhum deles se tornou Oficial. Pelo que lembrava, Radius era a chance mais clara para que mudassem esse carma horroroso.
— Ele não acerta.
Ouviu um dos comerciantes falar com fascínio.
A ponta e o riste da lâmina não tocava Dante por nada. O rapaz era rápido, hábil, pontual e preciso. Seus dois braços coordenavam de maneira que sua defesa não se abrisse quando o ataque lateral fosse feito.
Em contrapartida, Dante esquivava com tanta leveza que nem parecia caminhar por cima da grama. Tal velocidade causou espanto nos espectadores. Se Radius atacava com precisão, os pés de Dante eram duas vezes mais rápido.
Dimitri viu alguns Soldados se aglomerarem perto do ringue, sendo um deles Rubbem. Seu antigo discípulo percebeu seu olhar, mas não demonstrou nenhum tipo de emoção ao vê-lo. Ainda assim, em sua cintura estava a espada que roubou.
O rosto de Dimitri ficou vermelho de raiva. Ele está aqui para zombar de mim.
— Radius é amigo de Rubben.
A voz veio de suas costas. Rutteo passou pela lateral da arquibancada e sentou-se ao lado. O Oficial usava o marrom que os civis normalmente tinham pela cidade. E um chapéu bem sujo e maltrapido cobriam boa parte do seu rosto.
— Procurei saber o porquê ele não quer devolver sua arma, Dimitri — disse Rutteo. — Ele não pode. Parece que o Comando avaliou a arma. Disseram que vale mais do que qualquer uma feita no último semestre. Parabéns, sua habilidade de ferraria ainda anda bem alta.
— Para de graça. Mesmo assim, por que parece que Dante está irritado? Mesmo que ele seja amigo do Rubben, não deveria estar desse jeito.
Rutteo ergueu o chapéu, seus olhos brilharam com a tela.
— Pelo que sei, Radius não é tão mente aberta quanto o restante da sua família. Ele tem um certo preconceito contra os ‘Estrangeiros’. — E apontou casualmente. — E deixou isso bem claro para Dante.
O velhote estava simplesmente amassando Radius no soco. O primeiro entrou em seu estomago, antes de Radius voar para longe, Dante o segurou pelo pulso, lhe deu uma cabeçada, uma joelhada e torceu o braço dele ao ponto de quase quebrar. Quando o Cabo caiu de costas, viu o pé de Dante descer e girou para o lado. A grama ficou devastada em pelo menos trinta centímetros ao redor.
A lança tentou penetrar o rosto de Dante, mas ele esquivou somente a cabeça, pegando a arma e puxando de volta. Antes de Radius unir as mãos para ativar a habilidade, a ponta da lâmina atravessou o braço direito, o arrastando junto até uma pedra grossa caída.
O garoto rugiu em dor. Mesmo sendo uma simulação, a dor era real. Ele tinha sido perfurado de uma maneira que ficou impossível puxar seu braço. Tentou duas vezes, mas a dor era imensa.
— Dante vai finalizar ele — disse Rutteo. — Melhor não ficar aqui quando acabar. O Comando está observando. Micael e Hermes. Dalia está fora da Capital ainda, não deixe que aqueles dois façam a cabeça do velhote, entendeu?
— Por que está me dizendo isso?
Rutteo o encarou.
— Assim como você, eles também perderam para Dalia uma vez. E existe um ditado bem popular na Capital, que continuou sendo dizimada por quase duzentos anos. — Ele levantou. Dante avançou e socou o peito de Radius. O som do osso estalando, todos puderam escutar. — E o próprio Dante sabe. Quem apanha nunca esquece.
Radius soltou um berro que causou arrepios em todos. Ele continuou a gritar até que Dante o segurou pelo pescoço e levantou.
— Você tem sorte, garoto. Fique com esse seu preconceito pra você, e se eu ouvir um ai de que falou isso de novo, eu mesmo vou te cobrar.
E o empurrou contra a parede, forçando Radius a tomar a cor branca. Enquanto Dante apertava-o contra a rocha, mais branco ele ficava. No final, Radius se tornou um filamento esbranquiçado e desapareceu. Dante abaixou o braço e fez o mesmo.
Não fazia mais sentido batalhar sendo que sua meta eram os três primeiros. Depois disso, ele procuraria por Rubbem nos próximos duelos. E não pegaria leve.
Quando Dante saiu do ringue, ele desceu pelo lado contrário dos outros combatentes. E no entanto, quando Dimitri chegou perto dele, e começou a falar das apostas e dinheiro, Dante encarou do outro lado do salão.
Rubbem estava lá, o encarando.
E Dante sorriu, pondo o charuto de volta a boca, acesso.
— Dimitri — disse o cortando. — Ele alguma vez já te chamou de Estrangeiro?
— Ah, Dante. Por favor, todo mundo que vem de fora é chamado assim. Não fique irritado por pouca coisa.
— Não é pouca coisa pra mim. De onde eu vim, isso ai é um dos piores xingamentos. E se eles tratam as pessoas assim, então possuem problema comigo. Então — Dante fitou Dimitri —, aquele moleque alguma vez já te ofendeu dessa forma?
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