Capítulo 212: Promessas Vazias
— Então, temos um aliado vivendo bem debaixo de nós? — Meliah arqueou uma sobrancelha, apontando para a mesa, mas claramente se referindo ao chão. — Uau, isso é um pouco difícil de acreditar.
O comentário pairou no ar por um momento, sendo absorvido pelo grupo. Mesmo Dante e Clara, que já estavam cientes da situação, não puderam deixar de concordar com a incredulidade dos demais. Explicar que os Rupestres não eram inimigos havia sido uma tarefa difícil, mas agora que as criaturas haviam recuado para os túneis, ficava evidente que Dante tinha uma habilidade surpreendente para lidar com situações inesperadas.
Não só havia conseguido um acordo com aquelas entidades misteriosas, como também demonstrara uma capacidade de negociação muito além do esperado. Isso fez com que alguns no abrigo começassem a vê-lo com novos olhos, como se houvesse algo nele que ainda não haviam compreendido completamente.
Ainda assim, alguns desconfiavam. Os Rupestres eram reais? Ou tudo não passava de um blefe para manter a moral elevada? Mas os boatos que se espalhavam pela Cuba não giravam apenas em torno da existência das criaturas, e sim da proteção que poderiam oferecer contra as novas ameaças que surgiam a cada dia.
— Não precisamos mudar nossa abordagem — Dante afirmou, sua voz firme silenciando as discussões do conselho. — O projeto das casas continua sendo nossa prioridade. Heian se recuperou e voltará ao trabalho em breve. Essa aliança é uma oportunidade única para fortalecer a Cuba e garantir nossa sobrevivência a longo prazo.
— Vai usá-los para limpar todo o subterrâneo? — Degol perguntou, os braços cruzados sobre o peito. — Lembro que havia um projeto pra isso.
— Sim. — Dante assentiu e puxou uma pequena caixa de madeira para o centro da mesa. Com um gesto cuidadoso, ergueu a tampa, revelando uma luz amarelada que se espalhou pelo ambiente, iluminando os rostos curiosos ao redor. Alguns, como Marcus e Juno, mantiveram-se indiferentes, mas a atenção do grupo havia sido capturada. — Essas são as Pedras Lunares. Temos algumas, e os Rupestres concordaram em nos ajudar sempre que oferecermos uma delas em troca.
Simone se inclinou ligeiramente para observar melhor as pedras antes de recostar-se novamente, os braços cruzados e a expressão neutra.
— Isso não vai remover a maldição deles — murmurou. — Pode ter limpado a mente de Degol e o deixado civilizado, mas não acho que funcione da mesma maneira para os outros.
Meliah e Clara riram, mas os demais permaneceram em silêncio, sem compreender completamente a piada interna. Conheciam Degol apenas como um homem de poucas palavras, alguém que trabalhava com as fornalhas e ajudava nas tarefas mais pesadas. Não tinham ideia de sua história anterior.
— Eu sei — disse Dante, fechando a caixa com um clique sutil. — Mas esse foi o pedido deles. Querem explorar os túneis de saneamento e os reservatórios de água. Rupestre disse que enviaria seus filhos para mapear a região subterrânea e voltaria para discutir os detalhes esta semana. Não posso garantir que ele cumprirá tudo, mas já entreguei uma Pedra Lunar como sinal de confiança.
— A água é essencial para nós — interveio Clara, sua voz carregada de preocupação. — Precisamos garantir o abastecimento antes que ocorra qualquer desastre. Além disso, ainda temos o projeto da Estufa, como Duna mencionou. As pessoas precisam de funções, e se queremos manter o abrigo funcionando, devemos garantir que todos tenham algo útil para fazer.
A reunião seguiu por mais de duas horas, discutindo detalhes estruturais e reforçando acordos internos. Heian se comprometeu a finalizar os quartos restantes e a otimizar o armazenamento dos suprimentos. Quando o assunto tocou na origem de Fabiana e Leonardo, Dante preferiu manter silêncio. A informação de Gerhman ainda era incerta e não deveria ser levada a sério sem mais provas.
Ao sair do salão de reuniões, foi recebido pelo ar cortante do inverno. Pequenos flocos de neve caíam suavemente, e algumas pessoas conversavam animadamente sobre as novas acomodações e a melhoria das instalações. Havia uma atmosfera de esperança, um sentimento raro em tempos tão difíceis. Dante passou por algumas delas, acenando, mas seu olhar estava fixo na entrada da Cuba.
O frio não era seu maior problema. O que realmente lhe preocupava era o Rupestre e os Sugadores. O que significava aquela maldição que haviam mencionado? Por que isso lhe causava um aperto no peito?
— Você não deveria pensar tanto sem um copo de bebida na mão — disse Jix ao passar ao seu lado.
Dante desviou o olhar de seus próprios pensamentos e ergueu uma sobrancelha para o homem.
— Eu não bebo. Aceito um copo de água.
Jix riu, ignorando o comentário.
— Está assumindo mais responsabilidades agora. As pessoas dizem que talvez possam voltar a ter um pouco de paz em Kappz, mas você não parece tão animado com isso.
Dante suspirou, enfiando as mãos nos bolsos do casaco. Sentiu algo sólido entre os dedos e puxou um charuto quase intacto, girando-o lentamente entre os dedos.
— Não estou tenso — disse, quase para si mesmo. — Só quero entender melhor os Rupestres. Se eles realmente vão nos ajudar, preciso descobrir por que se tornaram o que são hoje.
— Nossos novos amigos têm uma história e tanto pra contar. Podemos ter muitos que detestem a ideia de confiar neles. — Jix apontou para si mesmo, o olhar carregado de um misto de ceticismo e prudência. — Eu mesmo não sou um dos mais confortáveis, mas não gosto de promessas vazias. Decidi seguir um homem com a cabeça para liderar e um coração para confiar no que é certo.
Dante sentiu um calor discreto no peito ao ouvir aquilo. Ele sempre tentou se guiar por algo além da sobrevivência. Era difícil explicar, mas, mesmo em meio ao caos do mundo desolado em que viviam, ele ainda acreditava que havia espaço para algo maior do que simplesmente resistir ao inevitável.
— Tento seguir meu coração. — Ele inspirou fundo, olhando ao redor, observando os rostos marcados de preocupação, esperança e fadiga. — A cidade vai crescer, tenho certeza disso, mas precisamos de tempo e recursos.
Jix soltou um suspiro leve e parou de caminhar. Seu rosto endurecido pelas décadas de batalhas e perdas trazia consigo a marca de alguém que já havia visto muitos sonhos se desfazerem. Mas ainda assim, ele se mantinha firme ao lado de Dante.
— Uma coisa que aprendi, Dante… — Sua voz carregava o peso de experiências vividas, de erros cometidos e lições duramente aprendidas. — Podemos comprar recursos e forjar novas pessoas, mas não podemos fazer isso com o tempo. Enquanto ainda sobrar tempo pra gente, temos que nos manter vivos e unidos.
Dante assentiu lentamente. Jix estava certo. Não importava o quanto tentassem acumular força e aliados, o tempo continuaria seu curso indiferente. Não podiam se dar ao luxo de desperdiçá-lo.
— Não quero mais tempo do que já tenho. — Ele ergueu os olhos para o céu acinzentado, as nuvens pesadas e lentas se movendo como um lembrete de que a natureza sempre seguiria seu ritmo. — Só quero poder usá-lo da melhor maneira. A cidade precisa de pessoas boas para isso. Temos muito ao nosso redor, mas ainda não temos nada.
Jix estreitou os olhos, avaliando o líder à sua frente, antes de erguer um dedo firme na direção de Dante. Seu rosto marcado pelo tempo transparecia algo raro: confiança.
— Temos tudo o que podemos ter, e vamos conseguir. Até porque seus novos aliados chegaram bem mais rápido do que a gente esperava.
Dante franziu o cenho e seguiu o olhar de Jix em direção à rua. A princípio, não notou nada além do movimento comum do vento soprando a neve, mas então, uma figura peculiar começou a se destacar. Alta e desengonçada, a criatura que Dante vira dias atrás caminhava em sua direção. Mas algo estava diferente.
Conforme a distância diminuía, os detalhes se tornavam mais evidentes. O corpo antes irregular parecia mais equilibrado. O rosto, antes distorcido em um semblante quase bestial, trazia agora uma expressão mais… humana. Os braços estavam mais largos, os movimentos mais naturais. A mudança era sutil, mas inegável.
Quando o Rupestre finalmente parou no meio da rua, a pouco mais de vinte metros de distância, Dante desceu os degraus da entrada da Cuba sem hesitar. Jix o acompanhou, os passos firmes, mas cautelosos. O silêncio ao redor era quase palpável, os murmúrios das pessoas diminuindo conforme a criatura ganhava atenção.
— Espero que não seja nenhum tipo de resposta vazia. — murmurou Dante, sem desviar os olhos do Rupestre. A dúvida ainda pairava em sua mente. Ele queria acreditar que aquele ser cumpriria sua palavra.
Jix soltou um riso curto, quase cínico, mas sem maldade.
— Pelo jeito que ele está, duvido que faria isso. — Ele inclinou a cabeça levemente, analisando cada detalhe da transformação do Rupestre. — A mudança está escancarada. Não tem como ele ter simplesmente deixado o que prometeu de lado.
Dante permaneceu em silêncio por um instante, permitindo-se absorver a cena. No final, queria acreditar nisso. Precisava acreditar. Se houvesse uma chance de que aquela aliança fosse real, então talvez, apenas talvez, a cidade realmente tivesse um futuro.
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