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    — Parece que está se recuperando. — Dante estreitou os olhos ao encarar Rupestre. Seu olhar percorreu os traços grotescos da criatura, agora menos distorcidos do que antes. — Seu corpo tem melhorado muito. A Pedra Lunar fez isso?

    O antigo rosto de Rupestre, outrora inexpressivo como um espectro perdido no tempo, se alterou levemente. Seus lábios se curvaram em um sorriso sutil, algo que antes parecia impossível.

    — Não apenas eu, mas todos os outros estão melhorando. — Sua voz ecoava com um tom firme, quase reverente. — Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas meus filhos e meus irmãos seguem as ordens do Comandante e do Demônio de Kappz.

    Dante franziu a testa.

    — Eu… não sei do que está falando.

    Rupestre inclinou levemente a cabeça, como se o estudasse. Seu olhar brilhava com algo próximo da diversão.

    — Não precisa esconder sua vergonha pelo título. Ele faz jus ao homem que entrou em GreamHachi. — Seus olhos se desviaram, percorrendo os escombros e as construções castigadas pelo tempo. — Esta cidade já mereceu mais, nos tempos de glória. Mas você me prometeu que os Morbides seriam mortos se voltassem. E eu confio em suas palavras.

    Dante soltou um suspiro baixo, incerto sobre como responder.

    — Acho que agradeço.

    Era difícil conceber que apenas alguns dias pudessem ter mudado tanto a postura dos Rupestres em relação aos humanos. Ele conhecia bem a resistência natural de um povo atormentado, sabia o peso da dúvida cravada na pele. Mesmo que tivessem ouvido sobre seus feitos, não era comum que uma espécie entregasse sua confiança tão facilmente.

    Ou era?

    Rupestre pareceu notar seu ceticismo.

    — Não fique preocupado, Dante. Estou apenas elogiando um acordo que fizemos. Mesmo que pareça estranho, eu ainda sou honrado o suficiente para respeitar uma promessa quando ela é feita. Por isso vim até aqui. O que você me pediu, foi feito.

    Jix, que observava em silêncio, interveio.

    — Feito? Em que sentido?

    Rupestre ergueu o queixo, como se orgulhoso do próprio feito.

    — Em todos os sentidos. O Reservatório já possuía um caminho subterrâneo. Imagino que um de vocês já tenha estado lá. Da última vez que vi aquele lugar, dois Felroz bastante irritantes nos impediram de permanecer. Isso foi… há muitos anos. Mais tempo do que consigo lembrar.

    Dante assentiu lentamente.

    — Eu estive lá há algum tempo.

    Rupestre estalou a língua, como se aquela informação já lhe fosse evidente.

    — O Reservatório possuía canais de esgoto para tratamento, assim como condutos para levar água até os humanos. Não foram destruídos porque não tinham valor para os Felroz. Por isso, nós os restauramos. Meus filhos e eu.

    Havia um orgulho peculiar em sua voz, algo que não vinha da necessidade de afirmação, mas sim da satisfação de ter realizado algo significativo.

    — Gosto do seu jeito de comandar. — Rupestre cruzou os braços. — Sei que ainda não fiz muito, mas a cidade está mais vazia do que eu me lembro de um dia ter sido. Vocês fizeram bem. Quero poder retribuir isso, de alguma forma.

    Jix trocou um olhar com Dante, desta vez mais tranquilo.

    — Deveríamos avisar aos demais sobre o Reservatório. O que acha?

    Dante refletiu por um instante.

    — Seria interessante se ele fizesse isso. Afinal, não foram eles que realizaram o trabalho? O crédito deve ser deles.

    Rupestre, no entanto, levantou a mão em uma negação rápida, sua voz carregando uma urgência inesperada.

    — Apenas fizemos o que nos foi pedido. Recebemos nosso pagamento e temos para onde ir. Mas… gostaria de encontrar uma maneira mais fácil de me comunicar com alguém da superfície. — Ele apontou para o solo, seus dedos longos e ósseos quase perfurando a terra. — Subir sempre que precisamos conversar não é o ideal. Preferimos evitar sermos vistos.

    Jix sorriu de canto, cruzando os braços.

    — Você é modesto. Pode não ser o melhor nisso, mas fez um bom trabalho. Dante, acredito que na maior parte das vezes, existem seres como Rupestre que deveriam ser valorizados, acima dos próprios homens.

    — Não.

    Dante e Jix voltaram-se para a criatura.

    — Nós estamos todos acima dos antigos homens – disse Rupestre, sua voz grave ressoando pelo espaço. — Não gosto de vê-los me tratar de forma diferente ou aos meus filhos. Somos servos e servidos, assim como vocês. Não mereço generosidade nem créditos por um ato que me foi pedido e pago. Da mesma forma, espero que, quando algo ruim acontecer a mim ou aos meus filhos, saiba que estará lá para isso.

    Dante sustentou o olhar da criatura por um instante antes de assentir lentamente.

    — Com toda certeza.

    Rupestre inclinou levemente a cabeça para o lado, observando Dante como se tentasse medir a sinceridade em suas palavras. Então, prosseguiu:

    — De quebra – continuou Rupestre, com um brilho incomum no olhar —, pedi que os meus meninos redirecionassem todos os fluxos de água para a sua casa. E que casa! – sua voz soou impressionada, como se apenas agora tivesse se dado conta da magnitude do lugar. — Nunca vi um lugar tão grande. Acredito que devam usá-lo como um suporte de defesa para futuros conflitos.

    Dante soltou uma risada baixa, cruzando os braços.

    — Sim, essa era a ideia. Mas não entendi uma coisa… Quando diz que pediu que fosse redirecionada para cá, o que exatamente quer dizer?

    Rupestre esboçou um sorriso enigmático.

    — Ora, Comandante, é meio óbvio.

    Antes que Dante pudesse insistir na pergunta, uma voz interrompeu a conversa. Clara surgiu na entrada da Cuba, ofegante, com as mãos agarradas ao casaco como se precisasse de apoio para processar a própria euforia. Seu rosto exibia uma expressão de choque misturado com alegria genuína. Ela apontou para dentro do abrigo, os olhos brilhando de empolgação.

    — Temos água. – Sua voz quase quebrou ao repetir. — Temos água, Dante!

    Jix foi o primeiro a reagir. Sem hesitar, virou-se e caminhou rápido em direção à Cuba, seus passos determinados ecoando no chão frio. Dante, no entanto, permaneceu onde estava, seus olhos voltando-se mais uma vez para Rupestre. O peso daquelas palavras ainda se assentava dentro dele, misturando surpresa e gratidão.

    Rupestre apenas ergueu uma mão, estendendo-a para Dante. O gesto não era apenas um cumprimento, mas uma reafirmação do que haviam construído juntos. Dante a apertou firmemente, sentindo o calor da pele do outro, mesmo que sua aparência ainda carregasse traços monstruosos.

    — Meus garotos tinham um projeto que ia demorar meses para ser feito, no mínimo – murmurou Dante, ainda impressionado. Seu olhar encontrou o de Rupestre, tentando entender como aquilo tinha sido possível. — Parece que estou em dívida.

    Ainda segurando a mão de Dante, Rupestre negou com um leve movimento de cabeça, seu semblante firme, mas sereno.

    — A única dívida que temos são aquelas pelas quais somos responsáveis. Agora, deveria ir até lá e comemorar.

    Dante inspirou fundo e soltou o ar devagar. Pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu que tinham dado um passo verdadeiro para algo maior. Soltou a mão de Rupestre e seguiu para dentro da Cuba, pronto para ver com os próprios olhos o que havia mudado. Atrás dele, Rupestre permaneceu onde estava, observando-o com um olhar de satisfação silenciosa.

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