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    — Já chega, Dante.

    A voz firme de Clara preencheu o ambiente no instante em que ela cruzou a porta. Seu tom não carregava irritação, mas a seriedade em seu olhar era inegável. Assim que seus olhos pousaram sobre a mesa partida ao meio, ela estalou a língua, como se já esperasse algo assim.

    Dante recuou um passo, respirando fundo. Leonardo, atento ao movimento, abaixou a lâmina e a embainhou sem protestar. O ambiente, carregado de tensão, pareceu enfim recuperar o fôlego.

    Silas e sua esposa exalaram quase ao mesmo tempo, ainda tensos, mas visivelmente aliviados por terem escapado de algo pior.

    Dante lançou um último olhar para eles, seu rosto indecifrável.

    — Bem-vindos a Kappz. — Sua voz era fria, desprovida de qualquer hospitalidade. — Se não se comportarem, já sabem.

    Sem mais, ele girou sobre os calcanhares e saiu. Leonardo o acompanhou logo em seguida, ainda um pouco preocupado, mas sem dizer nada. Clara observou os dois desaparecerem pelo corredor. Por mais que quisesse ir atrás, sabia que não adiantaria. Dante não era um homem que se deixava levar por acessos de raiva sem motivo. Ele não estava apenas furioso — estava ofendido pelo desdém com que aqueles dois trataram a arma de Marcus.

    Quando a porta se fechou, Silas afundou na cadeira, parecendo enfim processar o que tinha acabado de acontecer. Ele passou as mãos pelo rosto, exausto, e balançou a cabeça.

    — Deveria prender aquele…

    — Você não faz ideia de onde está, não é mesmo? — Clara o interrompeu antes que ele pudesse terminar. Seu tom era quase desinteressado, mas havia algo afiado ali, como uma lâmina escondida sob seda. — Nem de quem ele é. Muito menos do que as pessoas aqui fazem para sobreviver.

    Silas ergueu os olhos para ela, arqueando a sobrancelha.

    — Se soubesse — Clara continuou —, não teria desdenhado tanto do que Marcus fez por você.

    O olhar de Silas deslizou até Fabiana, depois voltou para Clara, analisando-a com uma expressão que oscilava entre ceticismo e desprezo.

    — E eu deveria agradecer por terem conseguido derrotar um Felroz tão fraco? — Ele bufou, cruzando os braços. — A arma daquele garoto explodiu na mão dele depois de várias tentativas. Francamente, não me parece muito confiável.

    Clara não reagiu de imediato. Seus olhos estudaram Silas com calma antes de responder:

    — A arma de Marcus foi dada a ele pelo pai que ele mesmo matou.

    O silêncio que se seguiu foi pesado, denso. Mas Clara não precisou levantar a voz para manter a autoridade.

    — Um garoto de oito anos matou o próprio pai — continuou, sua voz carregada de algo que Silas não conseguiu decifrar. — E a única coisa que restou dele foi essa arma. Mas você ri como se não fosse nada.

    Silas deu de ombros.

    — E o que eu poderia fazer? Pedir desculpas?

    Ele forçou uma expressão de falsa melancolia, inclinando a cabeça para o lado.

    — “Ah, o pobrezinho matou o próprio pai” — zombou, os lábios se curvando em um meio sorriso irritante. — Todo mundo tem um passado triste. Não é por isso que devemos tratar as pessoas como se fossem peças quebradas. Esse vilarejo que vocês montaram aqui… — Ele gesticulou com desdém, olhando ao redor. — É sentimental demais. E as pessoas lá fora? — Seu olhar encontrou Fabiana. — Todas parecem muito angustiadas.

    Clara manteve o olhar fixo nele, impassível, esperando. Ela sabia que ele ainda não tinha terminado.

    Silas, como esperado, riu.

    — O que foi, Fabi? — perguntou, em um tom provocativo. — Acha que eles estão certos?

    Fabiana olhou para ele, incrédula.

    — O que deu em você? — Sua voz saiu entrecortada, como se ela mal acreditasse no que ouvia. — Eles te ajudaram. Trouxeram você até aqui. E ainda assim você zomba deles, tio?

    Silas suspirou e revirou os olhos, como se fosse óbvio.

    — Ah, qual é? Eu só estou dizendo a verdade. – Ele se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa destruída. — E se a verdade dói, talvez a ferida de vocês ainda esteja aberta demais.

    Clara fechou os olhos por um instante, inspirando fundo antes de soltar o ar devagar. Já tinha lidado com visitantes indesejados antes, mas idiotas daquele nível eram raros. Silas não fazia ideia do território em que pisava. Ele não conhecia nem metade da cidade e, se soubesse quantos arrogantes como ele tinham acabado mortos por decisões estúpidas, talvez repensasse suas palavras.

    O pior de tudo era que ele decidira bancar o tolo justamente diante de Dante.

    Clara abriu os olhos e cruzou os braços, seu olhar se fixando em Fabiana.

    — Continuem desse jeito e vão perder um aliado importante. — Sua voz era calma, mas carregava um peso inconfundível. — Fabiana, se eles estiverem bem o suficiente, mande-os embora.

    Silas, que até então a encarava com desdém, levantou-se bruscamente.

    — Embora? — Sua expressão mudou da zombaria para a irritação em segundos. — Quem você pensa que é para me mandar…

    — Abaixe o tom de voz.

    A ordem de Clara cortou o ar como uma lâmina afiada.

    Silas parou por um instante, depois soltou uma risada breve e descrente, colocando as mãos na cintura.

    — Só pode estar brincando. Vocês são todos malucos? — Ele balançou a cabeça, como se estivesse tentando entender a situação. — Eu sou Silas. Me conhecem? Eu deveria estar sendo venerado! Deveriam estar preparando um banquete para mim!

    Ele gesticulava exageradamente, a voz cada vez mais exaltada.

    — Eu entro em uma cidade e as pessoas pedem a minha ajuda. GreamHachi, Rapier, a Zona Cega, as cidades nos portos, qualquer vilarejo… Todos sabem quem eu sou. Eu sou…

    A porta da sala se escancarou com um estrondo.

    A madeira bateu contra a parede com força, fazendo todos se virarem para encarar a entrada abrupta.

    Dante atravessou a soleira com passos pesados, e logo atrás dele vieram Leonardo, Gerhman e Magrot. Eles seguravam o homem pelos braços e cintura, lutando para contê-lo, mas, mesmo assim, o monstro de carne e músculo continuava avançando como um predador mirando sua presa.

    O sorriso de Silas morreu instantaneamente.

    Ele deu um passo para trás. Depois outro.

    O tom arrogante se esvaiu de seu rosto, substituído por um pálido espanto.

    Dante avançava com uma expressão sombria, seus olhos fixos nele como se já o tivesse condenado.

    Silas tropeçou e bateu contra a parede. Seu peito subia e descia rapidamente.

    — O quê… o que vai fazer? — Sua voz falhou no meio da frase.

    Dante não hesitou.

    Em um único movimento, agarrou Silas pelo pescoço e o girou com brutalidade, arrastando-o pela sala.

    Fabiana e Clara gritaram seu nome, correndo na direção dele.

    — Dante, pare!

    — Largue ele!

    Mas ele não parou.

    O som de passos ecoou pelos corredores conforme as pessoas começaram a se reunir, atraídas pelo tumulto. Dante empurrou Silas para fora da sala e continuou a arrastá-lo pelo abrigo, ignorando os olhares curiosos e as vozes sussurrantes ao redor.

    Os pés do doutor mal conseguiam tocar o chão conforme ele era puxado como um boneco de pano. Seu rosto ficou vermelho, as mãos tentando afrouxar o aperto em seu pescoço, mas era inútil.

    Quando finalmente pararam, estavam diante da carroça dele.

    Silas foi jogado contra a madeira com violência. Seu corpo se chocou contra a lateral do veículo e ele engasgou, tentando recuperar o ar.

    Dante ficou diante dele, sua presença dominando o espaço. Seu rosto era uma máscara de pedra, mas seus olhos… Seus olhos queimavam com um ódio silencioso.

    A veia em sua testa latejava.

    — Saia da minha cidade. — A voz dele era baixa, mas carregava uma ameaça inconfundível. — Agora.

    Ele inclinou o corpo ligeiramente para frente, cada palavra saindo com um peso esmagador.

    — Espero que entenda isso de forma clara e compreensiva: esse é o meu último aviso.

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