Índice de Capítulo

    — Bastardo! — Silas cuspiu a palavra entre dentes, levando a mão à garganta, massageando a pele ainda marcada pelo aperto brutal. O toque de Dante não tinha sido apenas uma ameaça — tinha sido um aviso do tipo de homem que ele era.

    Ele engoliu em seco, sentindo a dor pulsar no pescoço, mas sua fúria era maior do que qualquer temor.

    — Você não faz ideia do que está fazendo…

    — Não vou repetir. — A voz de Dante cortou o ar como uma lâmina.

    Silas estalou a língua, sem se intimidar. Com uma expressão endurecida, girou nos calcanhares e colocou a mão sobre sua caravana, como se estivesse reivindicando o próprio território.

    — Nas terras mais distantes, as minhas ervas salvam vidas — declarou, sua voz carregada de convicção. — Esse é o preço do meu trabalho. Você pode se sentir no direito de me ameaçar agora, mas quando toda a sua gente estiver doente, com vermes se alimentando dos corpos, vou me lembrar desse momento. Vou me lembrar quando você vier rastejar por ajuda.

    Dante não respondeu de imediato.

    Apenas ergueu a mão e juntou o polegar e o anelar, como se estivesse prestes a estalar os dedos.

    Foi o suficiente para o ar ao redor deles ficar mais pesado. Mas antes que qualquer coisa pudesse acontecer, Fabiana se lançou entre os dois.

    — Por favor, parem! — Seu tom foi quase um grito desesperado. Ela abriu os braços, bloqueando qualquer aproximação, o peito subindo e descendo com a respiração acelerada.

    O olhar que lançou ao tio estava carregado de incredulidade e frustração.

    — Tio, esse homem fez tudo por nós! Ele salvou Leonardo! Ele nos tirou da cidade!

    Mas Silas apenas a fitou com desgosto, como se nem a reconhecesse.

    — Ele destruiu uma cidade inteira por um único homem. — Sua voz era seca, fria. — E você o defende como se fosse um parente seu? Que tipo de criação você teve para considerar isso normal? Homens como ele, chamados de Demônios, são um mal para qualquer cidade. São uma praga para o que restou da civilização.

    Dante soltou uma risada curta.

    — Engraçado você dizer isso.

    Silas estreitou os olhos.

    — Você estaria morto por um Felroz mutante se não fosse por nós. E ainda nem teve a decência de agradecer. Mas tudo bem. Vamos fazer o seguinte… — Ele inclinou a cabeça ligeiramente, seu tom carregado de ironia. — Eu vou te poupar. Você pode ir embora sem um arranhão.

    Silas cruzou os braços e esboçou um sorriso de escárnio.

    — Como se fosse me tocar.

    Dante ergueu a sobrancelha.

    — Suas coisas, no entanto… — Ele apontou para a caravana. — Elas vão ficar conosco.

    O tempo pareceu congelar.

    O silêncio que se seguiu foi tão pesado que o próprio ar ficou carregado.

    Por um instante, Silas piscou lentamente, como se precisasse de um momento para processar o que havia acabado de ouvir.

    E então, explodiu.

    Com um urro, se lançou para frente, os olhos arregalados de fúria, mas Fabiana o segurou, cravando os dedos em seu braço para impedi-lo de avançar.

    — Seu desgraçado! — ele rosnou, apontando um dedo trêmulo para Dante, sua respiração irregular de pura raiva. A saliva escapava dos lábios, tamanha a intensidade com que gritava. — Você acha que isso é um jogo?! Quantas vidas seriam perdidas se as minhas coisas ficassem aqui?! Acha que tudo se resume a esse abrigo? Esse lugarzinho caindo aos pedaços não é nada!

    Dante permaneceu inabalável.

    — As outras cidades — Silas continuou, sua voz oscilando entre a fúria e a incredulidade. — As que você não destruiu… Elas saberão quem você é. Saberão o que fez!

    Dante assentiu levemente, como se estivesse saboreando aquelas palavras.

    — Um dia ou outro, sim — respondeu calmamente. — Mas me diga… Quem acreditará que Silas, um doutor renomado, de seja lá de onde for, foi roubado dentro da cidade de Kappz?

    O tom de voz dele carregava algo perigoso.

    Dante então riu, e o som foi baixo, quase um sussurro carregado de desprezo.

    — As pessoas não gostam de mentiras, doutor. Então, não lhes dê esse prazer.

    I

    Os cascos dos cavalos batiam contra o solo coberto de neve, ecoando em meio ao silêncio sepulcral da cidade abandonada. Kalish puxou o capuz para proteger o rosto do vento cortante, os olhos atentos à paisagem ao redor. Não lembrava da última vez que havia percorrido um trajeto tão longo sem um descanso adequado. Haviam parado apenas por poucas horas ao longo do dia, mas nunca por tempo suficiente para baixar a guarda. Estavam em território inimigo, afinal.

    Kappz não era mais a cidade que um dia fora.

    Os prédios, outrora monumentos orgulhosos de um passado próspero, agora jaziam em ruínas, dobrados pelo peso do tempo e da destruição. Casas e lojas haviam sido destroçadas por criaturas selvagens e saqueadores sem rosto. Kalish recordava-se de que, em sua última visita, a vegetação se espalhava por toda parte, engolindo os escombros como se tentasse reivindicá-los para a natureza. Mas agora, o inverno havia chegado com força, substituindo o verde pelo branco.

    A cidade estava sepultada sob um manto gélido, o horizonte transformado em um deserto nevado, sem vida.

    Uma cidade tão esbelta, reduzida a nada além de cinzas e destroços.

    — Senhor, há alguma atividade mais à frente — avisou Jodrick, cavalgando alguns passos adiante. Sua voz cortou o silêncio, carregada de cautela. — Podemos seguir para lá.

    Kalish apertou os olhos para tentar enxergar além da bruma congelante.

    — Certo — respondeu, puxando as rédeas e avançando.

    Seguiram adiante, adentrando as entranhas de Kappz.

    As ruas pareciam repetitivas, um labirinto de escombros e destruição. Cada curva levava a um cenário igualmente desolador, como se a cidade tivesse sido moldada para confundir quem ousasse explorá-la. Mas então, ao alcançarem uma região que outrora fora comercial, algo quebrou a escuridão.

    Uma luz.

    Uma luminosidade tênue, mas evidente no meio da penumbra.

    Os três sentinelas puxaram os cavalos para um trote mais lento, fazendo uma curva para se aproximarem. E então, ela surgiu diante deles.

    A Cuba.

    Era uma construção colossal, de uma imponência quase divina. Prédios destruídos se encaixavam uns nos outros, como se fossem peças de madeira empilhadas com precisão cirúrgica. As estruturas convergiam, formando pontas e aberturas irregulares, como se uma força sobrenatural tivesse redesenhado a cidade ao seu próprio capricho.

    Fred ajeitou a máscara que cobria quase todo o rosto, deixando apenas os olhos visíveis.

    — Senhor… — murmurou, com um tom de certeza. — Acho que encontramos o que procurávamos.

    Kalish não hesitou.

    Desmontou com um movimento firme, jogando a perna sobre a sela e aterrissando suavemente no solo nevado. Seus homens o imitaram logo em seguida, puxando as rédeas para manter os cavalos sob controle. Mas ninguém se moveu além disso.

    Esperavam sua ordem.

    Kalish varreu os rostos de seus homens com o olhar antes de falar:

    — Não sabemos quem são. — Sua voz era firme, mas baixa, o suficiente para que apenas eles ouvissem. — Podem ser homens complexos, difíceis de lidar. Se houver um líder entre eles, é com ele que falaremos.

    Houve um breve silêncio, até que ele completou:

    — Somos mercadores, acima de tudo.

    Fred e os outros assentiram.

    — Faremos o que mandar, senhor.

    A neve continuava a cair, fina e silenciosa, enquanto se preparavam para o que estava por vir.

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