Capítulo 22: Inimigos Desconhecidos
Dalia retornou ao segundo acampamento. Os cavalos trotavam vagarosamente, arrastando a pata na grama, sem ao menos levantar. Ela não olhou para trás em momento algum, não queria fitar os seus companheiros depois daquele banho de merda que caiu em suas cabeças.
Pegar os cristais deveria ser uma missão fácil. Deveria ser uma missão sem dificuldade alguma.
— Nossa. — A Tenente Gorumet foi quem os recebeu na ponta do acampamento. Os longos cabelos morenos caíam até a cintura mesmo presos em um rabo de cavalo. De braços cruzados, e mantendo o peso do corpo em cima de uma perna, ela tinha um olhar bem aflito. — O que aconteceu com vocês daquele lado da montanha? Não era para ser uma missão de coleta?
A roupa, as bagagens, até mesmo os animais pareciam prestes a desabar. Dalia desceu do cavalo, e esticou para dois soldados que vieram ao seu encontro. Somente naquele instante pôde ver o rosto de tormenta e cansaço dos seus Oficiais.
Nem mesmo se aguentavam em pé. Tudo isso porque decidiram viajar durante a noite.
— Foi a decisão mais lógica que tomamos — respondeu Dalia. — Dispensados.
Dalia não se importou e saiu caminhando, mesmo mancando. Gorumet esperou Tecno se aproximar, ele tinha um ferimento na perna, nem fundo. A cor, no entanto, era amarelada. A Tenente ergueu a sobrancelha, e ele respondeu de imediato:
— Fomos emboscados por algum tipo de criatura estranha. Não sei te dizer sobre o que se trata, mas estavam nos esperando dentro da caverna. A única coisa que não calculamos foi que a habilidade da senhora Dalia não funcionaria naqueles desgraçados.
— Ele não conseguiu falar?
— Eles não ouviram — respondeu Freto passando por ela, no mesmo estado que os demais. Tinha um corte na bochecha, e estava praticamente imundo. — E quando tentamos voltar, erramos o caminho. Caímos em uma poça de lama espinhosa.
Crish se coçava fortemente enquanto entrava no acampamento com seu cavalo.
Gorumet os deixou ir. Mesmo que não pudesse se banhar, a coleta de água poderia pelo menos limpar seus equipamentos e corpos. Deixou que descansassem algumas horas para que pudesse finalmente conversar com Dalia, mas não a encontrou no quarto que havia dado antes de sair.
Não a encontrou também onde discursavam sobre as missões externas. Nem mesmo um sinal da Oficial. Gorumet procurou por ela aos arredores, na parte externa. E nada. O cozinheiro não tinha visto ela passar, nenhum dos soldados viu Dalia.
A situação não ficaria boa se Dalia tivesse saído sozinha. A noite se aproximava, pelo menos uma hora até que tudo escurecesse. Gorumet apressou os passos e voltou a Casa dos Oficiais, dessa vez atrás de Tecno.
Sentado entre um pequeno baú, ele jogava xadrez com Figurete, um dos Tenentes de folga. Tinha acabado de mexer uma peça quando Gorumet chegou.
— Tecno. — Ela abaixou ficando ao lado dele, mas falou baixo. — Sabe onde está Dalia?
— Não a vejo desde cedo, senhora. Ela costuma fazer sua oração antes de anoitecer, sempre do lado de fora do acampamento.
Gorumet negou.
— Procurei em todo canto, não achei ela. Pode me ajudar?
— Claro. — Tecno viu o movimento de Figurete e fez outro. — Xeque-mate. Não precisa chorar, Tenente, ainda precisa de muito pra me ganhar nisso.
Figurete mostrou o dedo do meio pra ele o deixando partir. Tecno se juntou a Gorumet e foram para fora. Ela esperou que Tecno fizesse todo um alarde quando não a encontrasse, mas ele virou a cabeça de um lado para o outro, e apontou para oeste.
— Lá.
Quase duzentos metros além do Acampamento havia uma árvore. Extensa e grossa, com galhos gordos e retorcidos, mas cheia de folhas verdes. Um ponto branco estático bem na sua base chamou a atenção da Tenente.
Soltando um suspiro, Gorumet ficou mais aliviada.
— A senhora Dalia tem o costume sempre de orar antes ou depois de uma missão bem-sucedida. É uma forma de agradecer por voltar inteira, e nós também.
— Ela deveria avisar quando for sair para não ficarmos preocupados.
— Duvido que alguém procure por ela aqui fora. — Tecno cruzou os braços. O ponto se mexeu um pouco. E começou a voltar lentamente. — Nós completamos a missão, como queríamos. Agora precisamos voltar pra Capital.
— Precisam descansar, isso sim.
Tecno concordou em silêncio. O rosto de Dalia já era visto, ela encarava o chão. Seus lábios se mexiam, e ela mantinha um ritmo lento. Gorumet deu seu primeiro passo na direção dela quando vultos imensos apareceram ao longo do campo verde. Tecno rapidamente foi correr na direção de Dali quando Gorumet o puxou e tapou sua boca.
— Nada de barulho — sussurrou.
O Oficial foi solto. Os vultos eram imensos, mas completamente diferente do que estavam acostumados a ver nos Felroz que andavam em quatro patas. Eles tinham chifres, andavam em duas pernas e eram enormes, quase três metros.
A quantidade deles era imensa, talvez mais de cem deles.
Houve um estalo. Uma colher bateu no caldeirão do cozinheiro, criando um tintilar. Dalia ergueu a cabeça. As criaturas nas sombras também fizeram. A Oficial do lado de fora do acampamento percebeu que todo mundo encarava na sua direção.
Foi quando se virou e deu de cara com as criaturas caminhando na direção dela, lentamente.
Ela prendeu a respiração e começou a andar de costas. Aquilo não era um Felroz, não eram humanos, nem mesmo nada que tinham catalogado antes. As pernas dela tremeram. Os Felroz eram horripilantes, mas aqueles monstros pareciam duas vezes piores, e maiores, muito maiores.
Gorumet rapidamente ergueu a mão e os soldados reagiram ao sinal. Todos saíram caminhando sem fazer barulho para a Casa dos Oficiais. Tecno não foi.
— Você precisa ir — sussurrou Gorumet pra ele, séria. — Agora.
— Não vou deixar minha senhora aqui.
Pelo menos cinquenta metros, Dalia estava longe ainda. Gorumet deixou que todos os soldados e cabos recuassem. Tecno, Dalia e ela eram as últimas pessoas. Dalia começou a caminhar mais rápido, acelerou os passos o máximo que pôde.
Gorumet começou a recuar com Tecno e quando Dalia adentrou o acampamento, eles rapidamente se lançaram para a Casa dos Oficiais. Gorumet respirava pesadamente e ergueu a mão.
— Sem fazer barulho, entenderam? O Plano de Saída.
Um dos velhos baixinhos que se sentava num barril ergueu sua mão enrugada. A Energia Cósmica em sua mão expandiu em uma onda e começou a se mesclar nas paredes e teto da casa. Quando tudo foi conectado, Gorumet assentiu para ele.
— Virada de Terreno.
Todo o terreno se moveu e girou. Gorumet encarou ao redor, para as paredes de argila e o teto de pedra. Os soldados ficaram mais aliviados, a tensão abaixou. Estavam mais calmos e começaram a conversar.
No entanto, cinco segundos de conversa e um imenso grito agudo foi ouvido. Parecia longe, quase cem metros dali, mas Gorumet encarou o teto. As criaturas tinham ouvido suas vozes mesmo quinze metros abaixo do solo.
Nem mesmo os Felroz conseguem ter essa frequência. Isso quer dizer que não podemos mais usar Alta Frequência nem mesmo para receber mensagens.
Ela virou para trás e saiu na direção da única mesa que tinha na parte de baixo. A pedra azulada girava lentamente, recebendo informações. E Gorumet a pegou na hora, tirando do seu suporte e deixando de receber Energia Cósmica.
O sinal para o lado de fora cessou.
— Estamos presos aqui até as criaturas saírem lá de cima — disse aos demais. — Precisamos achar uma maneira de voltar sem que eles nos achem.
— Nessa altura do campeonato, nossos cavalos foram mortos — disse Dalia. — Se subirmos, teríamos que ir a pé para outro Acampamento. E não tem nenhum Oficial que carregue um Cubo de Frequência para podermos avisar.
Gorumet balançou a cabeça. Nenhuma ideia. Se ficassem ali, os estoques acabariam rápido. Sem água, e sem ar também. Eles poderiam trocar as posições de lugares e manter o oxigênio circulando por conta do Cabo Ross.
— Ainda tem um problema — disse Tecno. — Os dez cubos que estão lá em cima recebem informações a todo instante. Não tiramos eles do lugar, isso quer dizer que o que estiver lá em cima vai continuar parado ali enquanto elas funcionarem.
Merda, Gorumet suou frio quando entendeu a situação por completo.
— Estamos presos até alguém chegar. E não podemos mandar nenhum tipo de mensagem de resgate. Vamos nos preparar para o pior. Quando a água e a comida acabarem, teremos que voltar para a superfície. E teremos que lutar para sair.
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