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    — O que você disse para eles? — Kalish diminuiu o ritmo do cavalo para ficar ao lado de Dante. Sua voz era baixa, quase conspiratória, mas carregada de curiosidade. — Nunca os vi assim.

    Dante manteve o olhar fixo à frente, um leve sorriso. O que um toque de força e verdade não fazia aos homens, pensou ele. Era por isso que estavam tão determinados — e, ao mesmo tempo, tão medrosos.

    — Não fiz nada — respondeu Dante, sua voz calma, quase despreocupada.

    Ele virou a curva à direita, seguindo os demais. Fred e Jodrick, à frente, lançavam olhares furtivos para trás, mantendo o galope veloz à medida que se aproximavam dos portões da Zona Cega. De acordo com Kalish, a entrada para a fortaleza estava a apenas alguns minutos de distância. A cidade de Kappz, com seus prédios tombados e ruínas da antiga civilização que um dia criara tecnologia avançada, era uma mistura de destruição e resistência.

    Por mais que se distanciassem dias da Cuba, ficando longe até mesmo de GreamHachi, os prédios desmoronados continuavam sendo a marca registrada da região. Era divertido para Dante imaginar o que havia causado tudo aquilo. Se a resposta fosse realmente os Morbides, então, o que mais estaria além dos pensamentos daqueles que tentaram fugir de criaturas tão poderosas e gigantescas?

    Seus pensamentos foram interrompidos quando pequenas luzes começaram a surgir no horizonte. Entre as paredes caídas, as construções destruídas e os buracos distantes, Dante pôde observar fragmentos de uma claridade fraca, mas persistente.

    Fraca, talvez, mas longa e extensa em sua magnitude.

    — Estamos chegando — anunciou Fred da frente, sua voz ecoando pelo grupo. — Pare de se mexer, Silas.

    Dante havia quase se esquecido do doutor preso e amordaçado na parte de trás de um dos cavalos. Mesmo depois de tantos dias, Silas permanecia consciente, seu olhar fumegante de ódio e frustração. Dante não sabia como Kalish planejava mantê-lo quieto, mas isso era um problema para o Soberano resolver.

    Pareceu que Kalish leu seus pensamentos.

    — Não se preocupe, estou ciente dele — disse o Soberano, sua voz tranquila, mas firme.

    Eles passaram por mais algumas ruas largas de concreto, desviando de carros abandonados e até mesmo de alguns caminhões enferrujados. Até um tanque de guerra velho eles ultrapassaram, sua estrutura imponente e silenciosa como um monumento ao passado.

    Uma estreita passagem, de quase vinte metros, se fundia com mais de três arranha-céus unidos. O espaço era pequeno comparado à vastidão da cidade, mas, ao olhar ao redor, Dante notou que tudo parecia ter sido projetado para afastar Kappz dos muros altos e largos da Zona Cega. Ele não teve muito tempo para ficar impressionado, mas era notável ver que ali, naquele espaço de poucos metros, havia mais vida do que em quilômetros dentro de Kappz.

    — Essas duas cidades já foram uma só — comentou Kalish, sua voz carregada de nostalgia. — Muito tempo atrás. Hoje, somos separados.

    — Espero que continue assim — respondeu Dante, sua voz firme.

    Ele continuou seguindo Fred, mas notou que não estavam tomando a rota para o portão principal. Em vez disso, seguiram diretamente para um canto, passando por trás de escombros e descendo por uma bifurcação estreita. Fred diminuiu o ritmo quando as paredes de terra os envolveram de ambos os lados, e a luz do dia começou a se extinguir.

    Não aceleraram mais, mantendo os cavalos em linha reta por uma via escura e sombria.

    — Por que vocês não entram pela porta da frente? — perguntou Dante, curioso. — Você não disse que era um Soberano?

    — Ser um Soberano não muda os problemas que tenho que enfrentar — respondeu Kalish, tentando esboçar um sorriso de lado. O divertimento que ele demonstrava antes havia sido substituído pela seriedade em seus olhos e lábios. — Aqui na Zona Cega, somos pessoas diferentes. Responsabilidades grandes e poucos direitos.

    Fred ergueu a mão, sinalizando para que todos parassem. Os cavalos foram contidos, e o grupo ficou em silêncio.

    — Quem se aproxima? — uma voz surgiu do meio da escuridão, firme e autoritária. — Quem se aproxima da Zona Cega?

    — Terceiro Soberano, Sir Iuno — respondeu Pood, sua voz clara e respeitosa. — Seus subordinados e cavalos. Peço a passagem pela ‘Estrada Lateral’. Expedição pequena, como ditamos quando saímos. Nosso retorno estava programado.

    A voz não retornou por mais de um minuto. Kalish abanou a mão para Dante, como se estivesse explicando o procedimento.

    — Procedimento padrão. É assim mesmo. Temos que manter toda a formalidade para que não tenhamos problemas quando fazemos essas escapadas.

    — Você escapou? — perguntou Dante, um leve sorriso.

    — Não é essa a palavra que eu usaria comumente — respondeu Kalish, esboçando um sorriso de canto. — Digamos que seria ‘respirar um ar diferente’. Eu precisava ver quem eram os meus mais novos vizinhos.

    O homem escondido saiu no meio da escuridão segurando uma prancheta. Sua voz era grave, mas vendo sua estatura, grande e magro, nem mesmo parecia que era ele quem tinha chamado anteriormente.

    Uma figura magra e acinzentada se curvou em uma reverência formal, expondo sua couro sem cabelos ao brilho fraco da iluminação. Seus olhos fundos brilharam na penumbra quando extraíram uma das mãos esqueléticas, apontando para dentro, para a escuridão envolvente.

    — É bom ter o senhor de volta, Kalish. — Sua voz era áspera, quase uma sussurrada pelo tempo. — Vejo que trouxe dois novos integrantes. Peço que sejam registrados nos arquivos por precaução.

    Kalish não respondeu imediatamente. Com um movimento calculado, passou a perna por cima da sela e desmontou com fluidez. Segurou as rédeas e deixou seu cavalo para a frente, os cascos do animal ressoando contra o solo úmido. Os demais seguiram seu exemplo, incluindo Dante, que observava atentamente cada gesto e troca de olhares.

    Kalish entregou sua montaria a Pood antes de caminhar em direção a Silas, embora seu olhar ainda estivesse fixo em Sir Iuno.

    — Quero uma lavagem nesse aqui, Iuno. — Sua voz carregava um peso firme, definitivo.

    O homem magro fez uma nova reverência, a sombra de um sorriso quase imperceptível se formando em seus lábios pálidos.

    — Será providenciado, senhor. Quanto tempo deseja?

    — Pelo menos um mês. — Os olhos de Kalish se voltaram para o Doutor, analisando cada pequena ocorrência. — Há coisas que um homem arrogante e mesquinho não deveria saber. Infelizmente, ele não vê as oportunidades mesmo quando elas aparecem em sua porta.

    Dante permaneceu em silêncio, absorvendo a cena. “Lavagem?” O termo soava estranho. Era uma expressão comum por ali? Não sabia. Mas pelo Tom de Kalish, não parecia algo simples — muito menos agradável. Por um breve instante, pensei que aquilo deveria eliminar o homem de vez. Em Cuba havia se tornado um trunfo nas mãos do Soberano, e era óbvio que ele desejava manter esse segredo bem guardado. Esse sempre fora do seu plano, desde o início. Dante não podia se enganar com aparências.

    — Deixe que meus subordinados cuidem disso. — Iuno estendeu o braço em direção às sombras, inferior o caminho. — Tome o tempo que precisar. Ah, Kalish, chamei seu assistente para resolver as pendências.

    — Obrigado. Vou precisar.

    Kalish desviou seu olhar de Silas e avançou sem hesitação, desaparecendo na escuridão do corredor à sua frente. Dante e os demais o seguiram de perto.

    — Fred e Jodrick, descansem e eu me encontrei cedo pela manhã. Pood e Reinar, até o Mercado Central e conversam com os menores. Quero saber se houve alguma alteração.

    Dante observou enquanto um dos homens atravessavam a passagem e desapareciam instantaneamente. Algo o fez parar. O que era aquilo? Uma barreira?

    A figura alta e magra de Iuno se moveu ao seu lado, os olhos vazios voltados para os véus de trevas diante deles.

    — Não se preocupe, senhor. — Sua voz era baixa, mas serena. Ele pousou uma mão fria sobre as costas de Dante. — Não há nada de errado. É apenas uma forma de ocultar a passagem daqueles que não deveriam estar aqui. Uma defesa invisível.

    Dante analisou a escuridão por mais um instante antes de assentir lentamente.

    — Uma boa técnica. — Murmurou, mais para si do que para ele. — Obrigado pela estadia.

    — Eu quem agradeço por ter se juntado a nós, senhor.

    Com passos largos, Dante atravessou uma estranha membrana feita de Energia Cósmica. Assim que a tocou, sentiu uma pressão densa se espalhar pelo seu corpo, como se atravessasse um campo de forças invisíveis. Seus músculos se retesaram sem impacto, e um formigamento percorreu sua pele, uma resistência sutil, mas palpável. Quando emergiu do outro lado, instintivamente estalou os ombros e as costas, dissipando a sensação.

    Mesmo que fosse apenas uma barreira fina, sua densidade era suficiente para converter pelo menos 1% de sua energia. Quem quer que tenha criado aquilo definitivamente não era um amador.

    Dentro, os olhares de Kalish e os demais repousaram, assustados e intrigados, para ele. Dante olhou ao redor, procurando algo de diferente. Nada, apenas ele estava ali.

    — O que foi? Por que estão me olhando assim?

    — A cada dia que passa, isso fica cada vez mais interessante. — A risada de Kalish foi baixa. — Dante, comigo. Vou te apresentar um pouco de Consiegas.

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