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    Assim que Dante entrou na sala com Kalish, as vozes se ergueram em uníssono, desafiando umas às outras. A quantidade de pessoas presentes era impressionante — talvez trinta, talvez cinquenta —, e quanto mais falavam, mais confuso o ambiente ficava.

    — Eu mandei ficarem parados! — A voz de um dos homens se sobressaiu, cortando o barulho como uma faca. Quando ele chegou à frente, Dante quase riu ao ver que era um anão, com cabelos marrons e um olhar torto, apontando para os comerciantes que se aproximavam, quase o acertando com joelhadas. — Se continuarem, vou mandar decapitar todos vocês!

    Dessa vez, sua voz foi ouvida. O silêncio caiu sobre a sala, e o anão recuou alguns passos, posicionando-se ao lado de Kalish, que mantinha um rosto sereno, quase indiferente ao caos que acabara de ser contido.

    — São todos muito convincentes — comentou o anão, seu tom sarcástico. — Eu digo que vou cortar suas cabeças, e param de gritar igual animais prestes a serem abatidos. Idiotas.

    Ele caminhou até Kalish e fez uma curta reverência, quase tocando a testa no chão.

    — Soberano, é uma honra tê-lo novamente em casa. Sua viagem foi boa?

    — Sim, bastante produtiva, Kernel — respondeu Kalish, sua voz calma e controlada.

    A visão de Kernel passou por Dante com um olhar de desdém, mas ele recuou imediatamente, mantendo a reverência. Seu traje era peculiar: um casaco branco revestido de gola amarela, com uma cintura de couro e botas marrons que combinavam com a calça. Um traje convencional para um assistente, pensou Dante. Ele mesmo não tinha um, mas, em sua ausência, alguém como Marcus ou Leonardo provavelmente assumiria suas responsabilidades na Cuba.

    — O senhor tem algumas pendências a serem levantadas — continuou Kernel, finalmente saindo de sua posição educada. — Acabou de vir de uma viagem longa, mas creio que alguns possam ter informações e recursos importantes a serem administrados agora. — Ele lançou um olhar desdenhoso para os comerciantes. — Esses idiotas querem um pouco da sua atenção e não sabem pedir com educação.

    Os homens e mulheres recuaram um pouco, intimidados pelo tom agressivo do anão. Kalish deu uma risada suave.

    — Não precisa se enfurecer, Kernel. Eles estão aqui pelo mesmo motivo que você. Estão a serviço.

    Kalish tomou a frente, abrindo um corredor entre as pessoas e chegando até sua poltrona. Ele se sentou com um ar de autoridade e, com um aceno, pediu que Kernel ficasse à sua direita. Dante se moveu, posicionando-se à esquerda.

    Os olhos dos comerciantes caíram sobre Dante, procurando alguma pista sobre quem ele era. Antes que pudessem fazer perguntas, Kalish dobrou seu casaco e o colocou sobre a perna.

    — Vamos aos negócios — anunciou ele, sua voz firme e decidida.

    Dante observou Kalish retornar de dias de viagem cansativa e ouvir cada um dos comerciantes, pessoas que moravam em Consiegas, relatando problemas com assaltantes, mercenários, soldados de outras partes da Zona Cega e, é claro, os temidos Felroz.

    A reunião durou praticamente uma hora, com Dante mantendo-se em silêncio enquanto os comerciantes falavam. Kalish não interrompeu uma única vez. Ele concordava com acenos, anotava detalhes em um papel e ouvia com concentração absoluta.

    — Acredito que todos estejam bem angustiados com essa reviravolta que tivemos por conta dos problemas relacionados aos mercenários e soldados das outras áreas — disse Kalish, devolvendo sua pena ao tinteiro. — Eu acabei de chegar, senhores. Acredito que precise de descanso apropriado depois de voltar e ouvir sobre o que vieram relatar. Mas tenho certeza de que, amanhã cedo, alguns dos seus problemas serão resolvidos.

    Ele fez uma pausa, olhando para o grupo com um ar de confiança.

    — E existe o problema do Confyete Revol, que será no mês que vem. Ainda não tínhamos alguém para competir, mas acredito que, com meu retorno, trouxe alguém que possa nos dar certa experiência.

    Os rostos dos presentes se iluminaram, mas Dante ainda não tinha ouvido falar sobre o tal Confyete Revol.

    — Senhor — disse Kernel, sua voz carregada de preocupação. — Não pode fazer isso. O Confyete é um desastre para nós há anos. Os outros Soberanos… acabaram com a gente.

    — Sinto que estamos com sorte este ano. Não é mesmo, Dante?

    Dante recebeu os olhares de todos na sala e concordou com um aceno, mesmo sem saber do que se tratava.

    — Com certeza, senhor.

    Kernel apontou para Dante imediatamente, seu rosto marcado por incredulidade.

    — Vai mandar um idoso para o Confyete? Ficou louco? — Ele fez uma pausa, como se esperasse uma resposta, mas continuou. — E diz que temos que confiar nele? O senhor fez uma viagem e consumiu algo ruim, senhor? Está bem mesmo?

    Obviamente, era uma piada, mas Kalish não esboçou sorrisos. Em vez disso, ergueu as duas mãos e tocou a mesa com firmeza.

    — Esse é um caminho que estou confiante. Então, se quiserem apostar contra mim, fiquem à vontade. — Ele fitou os presentes antes de continuar. — Mas não acreditem que, só porque confiam na minha palavra, eu não irei recolher seus impostos igualmente quando perderem. Tem uma chance, então, façam o que acham correto. Só não reclamem depois.

    A reunião foi encerrada com Kalish pedindo que todos os deixassem a sós. Kernel expulsou os comerciantes com gestos bruscos, marcando alguns encontros e reuniões para o dia seguinte. Quando as portas se fecharam, o anão se virou, caminhando em passos curtos e desengonçados.

    — Está querendo nos matar mesmo, senhor? — Ele apontou para Dante, ainda parado à esquerda. — De onde você acredita que esse homem vai conseguir vencer o Confyete? É um jogo que demanda mais do que experiência. E aquele bastardo do Rilluo Sasurano, ele vai competir este ano depois daquela punição de três anos.

    — Está preocupado com Dante ou com nossa reputação, Kernel? — Kalish ficou de pé, fitando um quadro na parede. — Amanhã, quero que o Comandante Espinoza leve Dante para ver um dos Lagmoratos. As fazendas não podem ser atacadas mais, e creio que será uma boa maneira de termos uma noção melhor sobre o que um sobrevivente de Kappz pode fazer. Aliás, você está diante de uma figura bem conhecida em alguns meios.

    De braços cruzados, Kernel lançou um olhar de lado, questionador.

    — E quem seria esse?

    — Pode chamá-lo de Comandante ou Demônio de Kappz — respondeu Kalish, sem fazer alarde. Ele pegou seu casaco dobrado e começou a se vestir novamente. — Existe uma diferença entre os tipos de homens, Kernel, que você ainda precisa entender. Vi os melhores soldados, mais leais e fortes, correrem de um Felroz que só pensava em destruição, por mais anos do que posso imaginar.

    — Demônio ou não, isso não diz nada sobre um velho homem que veio de Kappz — retrucou Kernel, seu tom ainda cético.

    — Deveria confiar mais nas minhas palavras, velho amigo — disse Kalish, lançando um olhar de lado para o anão. — Deveria confiar bem mais no que digo.

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