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    — Não precisa fazer nada disso — disse Dimitri segurando Dante pelo ombro. — Mesmo que faça, ele não tem culpa. É um garoto, como todos os outros. Seja racional, Dante.

    — Racional? — a pergunta pareceu uma ofensa a ele. — Quer que eu seja racional quando eu sei que ele roubou sua espada e te tratou como merda? Onde está sua dignidade, Dimitri? Pelo amor de Deus.

    Dante puxou o braço para trás e se libertou do aperto.

    — Nada do que falar vai me fazer voltar atrás.

    Rutteo, no entanto, nem sequer parecia se importar com eles dois brigando no interior da loja de armas. Segurava uma cumbuca e sugava macarrão com a boca, com uma das pernas debaixo da outra, apoiada no caixote.

    — Ele não tinha como saber na época o que significava — a voz de Dimitriu aumentou. — Mesmo que queira levar essa luta a sério, você já está sendo perseguido por um Capitão e um Tenente. Quer mesmo continuar com isso? Olhe o todo, vai acabar se enrolando pelo Comando.

    Dante o encarou com raiva.

    — Está preocupado comigo ou com o seu aluno de merda que não tem racionalidade?

    — Por que está agindo assim com algo que nem mesmo estou ofendido?

    Rutteo encarou Dante. O velho negou com a cabeça na hora.

    — Se você soubesse o que as pessoas dos vilarejos lá fora sofrem para ter uma chance de vir para cá, não diria isso. Se soubesse o quanto eles sacrificam para que seus filhos ou netos possam vir, você não falaria isso. Se você… soubesse pelo menos como é carregar o sonho de alguém que te fez ir até o limite todas as vezes para que pudesse estar aqui, nesse exato momento, calaria sua maldita boca e me deixaria fazer do meu jeito.

    Rutteo balançou a cabeça, concordando sem resistência. E encarou Dimitri.

    — Acha que tudo o que passei não foi o suficiente para me importar? As palavras dele são inofensivas contra a crueldade que passei quando cheguei aqui. Eu me mantive calado por mais de vinte anos para não ser exilado, para não ser taxado como um inútil. — E apontou a mão, abaixando a voz: — E você não aguentou um dia. Seu corpo é forte, mas sua mente parece…

    Dante apontou o dedo para ele, elevando a voz na hora.

    — Não ouse dizer sobre o que não sabe.

    Dimitri ergueu as duas mãos, não dizendo, e respirou fundo.

    — Não quero brigar. Não quero que pense nisso como se fosse um ataque pessoal. Só que… é só… ele…

    Não encontrava palavras para um racista de merda?

    — Dimitri quer que pegue leve com ele, Dante. — Rutteo terminou a cumbuca bebendo o resto do caldo. — Deu pra entender que a ligação dele é forte como a sua é com o motivo de estar tão chateado. Todos nós temos nossas rivalidades contra uma ideologia, mas nossas conexões fortificam esses laços de uma boa maneira ou de uma ruim.

    Dante ainda estava irritado, mas não disse nada. Ele saiu pela porta e começou a caminhar na direção da entrada da loja quando alguém entrou. Era o próprio Rubbem, com sua farda branca, e sozinho.

    O queixo de Dante cerrou e ele fechou os punhos, exaurindo qualquer que fosse sua vontade de acabar com aquilo ali mesmo. Vou ser expulso se fizer isso. E passou caminhando para fora.

    Dimitri saiu pela porta de dentro, e ficou assustado com a chegada de seu antigo discípulo.

    — Senhor Dimitri — e tentou esboçar um sorriso. — Fico contente que esteja bem. Eu queria conversar. Se possível também, entender porque aquele senhor saiu como se quisesse minha cabeça arrancada.

    Rutteo saiu também, se revelando ao Cabo Rubben.

    — Bom, ele tem seus motivos. Seu colega Radius o chamou de Estrangeiro. E não é muito bom irritar alguém que leva a sério suas raízes, ainda mais o Recruta Dante.

    — Eu entendo. — Rubben não soube o que fazer. Ele parecia querer ir atrás de Dante, mas parou antes de fazer a curva. — Radius é de uma família bem nobre, mas acabou por ser um dos piores colegas que eu poderia ter. Ele tem dito que uma parte da Capital está querendo enviar os Estrangeiros embora para suas terras. Por isso vim até aqui. Eu queria pedir desculpas por ter feito aquilo quando mais novo, senhor Dimitri.

    Rutteo não viu a maldade no rapaz. Sua sinceridade no olhar, sorriso e gesto era elegante. Ele realmente tinha uma bela condição para se tornar um Sargento. E Dimitri o abraçou, quase engolindo o rapaz por completo.

    — Eu sei que você está cada vez mais forte e precisa de gente para treinar. Mas, soube da espada, você tem cuidado dela?

    A mão de Rubben foi até a bainha da cintura, e concordou com leveza.

    — Todos os dias, como o senhor me instruiu. E posso perguntar se tenho como conversar com o senhor Dante? Ele pareceu bem irritado comigo, mas deve ter sido Radius. Ele tem o dom de deixar alguém irritado.

    Rutteo quem respondeu.

    — Pode até tentar, mas creio que Dante fez disso algo pessoal. Mesmo que você consiga se desculpar, ele ainda vai achar que por andar com Radius, você será igual a ele. — Rutteo deu de ombros. — E eu entendo isso. Se você está sentado numa mesa, e um Felroz se senta, caso você não ficar de pé, então você compactua com ele.

    — Não tive escolha quanto a isso — disse Rubben. — Quando eu fui puxado para Comandos, eles decidiram quem iria treinar comigo. Claro, todos eles são fortes, mas como eu era o mais novo, não pude fazer nada.

    — Por isso não pôde conversar comigo, rapaz? — perguntou Dimitri. O grandalhão parecia prestes a desabar em choro. — E eu achando que você estava somente me deixando de lado e tudo o que fiz. Por um momento, eu achei que você tinha deixado tudo pra trás.

    Rubben rapidamente abraçou Dimitri.

    — Claro que não. Eu nunca deixaria o senhor. Eu consegui um pouco de tempo e tive que vir correndo. Já vou ter que partir, senhor.

    Dimitri o largou e segurou seu rosto, deixando cair um pouco de lágrima, e bateu levemente no queixo.

    — Não pense que Dante é um cara ruim. Ele é igual a mim, mas parece que teve muitas situações ruins por conta de ser um Estrangeiro.

    — E ele vai te bater com força — comentou Rutteo. — Rubbem, vou te dar uma dica minha. Pode ou não levar em consideração, mas quando entrar naquele ringue e Dante estiver na sua frente, é melhor estar preparado.

    Rubbem não fez cara feia ou recuou, ele segurou a bainha da sua espada e puxou para frente. A seriedade e vontade ardentes em seus olhos.

    — Eu vou vencer.

    — Parece que você não entendeu. — Rutteo respirou fundo e deixou que ambos o fitassem. — Você, mesmo que treinar mais dez anos, ainda não ganharia do Dante. Deu pra entender agora ou ficou difícil?

    Dimitri ficou travado, mas deu uma risada, achando divertido.

    — Oficial, pode ser que Dante seja forte, sim, mas dizer isso para um Cabo com Rubbem.

    — Não estou brincando — cortou Rutteo na hora e apontou para Rubbem. — Podem não ter percebido, e duvido que achariam algum tipo de vantagem em fazer isso, mas vocês não sabem nada sobre a habilidade daquele velho. Sabe o motivo dele estar no esquadrão da Dalia? É porque ele pode, como Recruta. Dalia nunca teve um Recruta em vida, nunca teve um Soldado, um Cabo, um Sargento ou um Tenente. Todos são Oficiais. Então, eu vou falar de novo, não lute contra ele. Vá atrás do velho, peça desculpas e explique tudo. E reze muito para que ele seja racional, porque se não for, você é o próximo dentro do ringue que ele vai bater.

    Dimitri nada disse, mas pela primeira vez viu seu discípulo engolir em seco, um pouco abalado.

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