Índice de Capítulo

    O vento uivava como um lobo faminto, cortando o ar com lâminas invisíveis, empurrando as criaturas manchadas para longe. Elas tombaram, rolaram, arrastando-se por dezenas de metros, mas, ainda assim, teimosas, levantavam-se. Mesmo feridas, mesmo quebradas, ainda havia força em seus membros retorcidos. Alguns se erguiam, vacilantes, agarrando-se a armas como se fossem a última tábua de salvação em um mar de escuridão. Seus olhos, porém, eram o que mais chamava a atenção.

    Uma luz azulada, intensa, quase hipnótica, brilhava em suas órbitas, fixa e impiedosa. Era uma luz que não piscava, que não vacilava. Era uma luz que não pertencia a este mundo.

    — Comandante — chamou um dos soldados, aproximando-se com passos apressados. — Não temos homens suficientes para seguir adiante. Precisamos recuar. Os feridos são muitos.

    — Faça o que deve ser feito — respondeu Dante, sua voz tão fria quanto o vento que os cercava.

    Ele deu o primeiro passo, lento, calculado. O segundo passo foi como o estampido de uma bala. Seu corpo projetou-se para frente, uma sombra vermelha contra o céu cinzento. Não havia tempo a perder.

    Um segundo de hesitação e eles se reagrupariam, tornando-se mais fortes, mais organizados. Como na Capital, quando os Felroz tiveram um momento, um breve lapso, para se reorganizarem. E ele perdera a chance de voltar para casa. Dante ainda se culpava por isso. Seus golpes nunca eram suficientemente mortais, sempre testando, sempre medindo, como se ainda estivesse lutando contra seu pai, como se ainda estivesse tentando provar algo.

    Aprender era uma escolha. Perder, uma consequência. Uma batalha era decidida pela força, pela astúcia, pela velocidade. Mas Dante sabia que precisava quebrar esse ciclo, essa lógica. Eles não eram humanos. Não mereciam ser testados.

    Seu punho atingiu o primeiro monstro com força suficiente para arrancar-lhe o ombro. As criaturas nem viram o humano se aproximar, nem perceberam a morte do aliado. O que viram foi a sombra vermelha, um demônio de carne e osso, avançando em sua direção. Dante agarrou dois pelo pescoço, seus dedos afundando na carne fria e escamosa.

    Eles largaram as armas, tentando desesperadamente libertar-se, mas ele continuou avançando, apertando, esmagando. Gritos de dor ecoaram, agudos e desesperados, até que o silêncio os engoliu. Tudo o que restou foi o sorriso de Dante, sombrio, quase bestial.

    Os relinchos dos cavalos ecoaram ao longe, mas ele não se voltou. Soltou os corpos inertes e seguiu adiante. Mais três criaturas caíram sob seus golpes: um chute certeiro, um bloqueio rápido, um soco que quebrou ossos e os expôs ao ar gelado.

    Ele os derrubou com uma rasteira, pisoteou o peito de um até que sangue jorrou de sua boca. Eram mais fracos que os Felroz, mas havia algo nelas, uma determinação estranha, um brilho nos olhos que o perturbava. Eles não eram fracos de espírito. E Dante odiava a sensação de ser observado.

    — Comandante Dante — chamou Sir Secure, sua voz carregada de urgência. — Não podemos avançar mais. Precisamos recuar.

    — Recuar? — Dante socou o ar, e o deslocamento do golpe enviou três criaturas para o abismo. Gritos ecoaram ao longe. — Eles estão vindo, e eu não vou voltar. Quero saber o que há lá. Por que subiram.

    — Não. O Soberano Kalish ordenou que apenas resgatássemos os feridos.

    — Não vou demorar — respondeu Dante, já se movendo em direção aos sons que vinham do Caminho do Abismo. — Diga a ele que voltarei.

    Ele acelerou, correndo em direção ao penhasco além do Farol. Quando chegou perto o suficiente, saltou. No ar, sua visão embaçou por um instante, mas logo se ajustou. O Caminho do Abismo era largo, pavimentado com pedras e mármores, repleto de criaturas tentando escalar até o topo. Mas eram as paredes do penhasco que o deixaram sem fôlego.

    Aranhas monstruosas, com pernas que se estendiam por dezenas de metros, e moscas gigantes, diferentes de tudo que ele já enfrentara. Cada criatura no Caminho parecia insignificante comparada às aberrações que se agarravam às paredes ou pairaram no ar. E elas não eram estúpidas. Seus olhos fixaram-se em Dante, mas nenhuma se moveu. Era como ver um exército de demônios, prontos, mas inertes.

    — O que são essas coisas? — sussurrou Dante, engolindo em seco. A Energia Cósmica que emanava delas era avassaladora, muito além de sua compreensão. — Como… isso aconteceu?

    — A resposta mais óbvia seria a evolução, Dante — respondeu Vick, sua voz mais suave, quase humana. — Render, seu pai, documentou que algumas das criaturas, especialmente os Felroz, possuíam variações muito superiores.

    — E eles evoluíram a partir do quê?

    — Provavelmente, com o tempo e a Energia Cósmica do Abismo, tornaram-se Lagmoratos de Vendetta. Há apenas seis registros no meu banco de dados. Verônica, a Inteligência Artificial de Juno, deve saber mais.

    Dante usou o jato em suas botas para se impulsionar, mergulhando em direção ao Caminho do Abismo. Ele desviou de uma teia grossa, onde três aranhas repousavam, e pousou suavemente sobre a pedra lisa.

    Ali, diante dos Manchados, a visão de Dante era clara como o gelo sob a luz da lua. Um exército deles avançava pelo caminho inclinado, rumo à escuridão que parecia engolir tudo em sua frente. Acima, demônios colossais observavam, imóveis, como estátuas de pesadelos.

    O Abismo era imenso, infinito, uma garganta escura que parecia respirar, sugando tudo para dentro de si. Aquela parte, tão distante de Consyegas, estava repleta de criaturas que desafiavam a compreensão humana. Dante engoliu em seco, sentindo o peso de sua própria insignificância.

    Ele era um grão de areia diante daquelas montanhas de carne e horror.

    Um grito ecoou entre os Manchados, trazendo sua atenção de volta ao presente. Dante ergueu a mão, a Energia Cósmica fluindo como um rio sob sua pele.

    Com um movimento brusco, ele expeliu uma onda de força que arremessou as criaturas de volta para o fundo do abismo. Elas tombaram, rolando e caindo, desaparecendo na escuridão como folhas levadas pelo vento.

    Quando o silêncio retornou, Dante procurou por movimentos ao redor, especialmente das aranhas colossais que se agarravam às paredes do penhasco. A luz intermitente do Farol iluminava o cenário em intervalos regulares, revelando-as por breves instantes. Cada vez que se moviam, parecia haver uma falha em sua visão, como se o tempo pulasse e as transportasse para outro lugar. Era perturbador, desconfortável. Seu peito ardia, e seu coração batia mais rápido, como um tambor de guerra.

    — Desde quando me sinto assim? — pensou ele, levando a mão ao peito, onde o calor parecia se concentrar.

    — Dante — a voz de Vick ecoou em sua mente, urgente. — Criaturas manchadas estão subindo o Caminho do Abismo. Suas Energias Cósmicas estão aumentando. Estão sendo alimentadas por algo.

    — Merda — resmungou Dante, sentindo o instinto de perigo zunir em seus ouvidos como um enxame de vespas.

    Ele recuou em um salto rápido, e não um momento cedo demais. Uma espada cravou-se na pedra onde ele estivera, a lâmina afundando até a metade. O brilho do metal era esverdeado, tão vívido que parecia cortar a escuridão ao redor. Algo se moveu em direção à arma, passos curtos, mas pesados, como se o chão tremesse sob seu peso.

    Uma mão surgiu, musculosa e grotesca, com dedos carnudos e grossos, como as linguiças que Dante comera naquela manhã. A criatura agarrou o cabo da espada e a arrancou da pedra com facilidade, abaixando-a ao lado do corpo.

    — Ora, ora — a voz da criatura soou distorcida, como se fosse feita de pedras se esfregando umas nas outras. — Parece que temos um grande guerreiro presente. Como eles o chamaram…?

    A luz da lâmina iluminou o rosto do monstro. Sua pele era cinzenta, marcada por cicatrizes profundas onde vermes se contorciam, como se festejassem em suas feridas. Os olhos, verdes como a própria lâmina, fixaram-se em Dante com uma intensidade que fez seu sangue gelar.

    — Comandante Dante — a criatura repetiu o nome, como se estivesse saboreando cada sílaba. — Dante. Dante. Dante. Nomes humanos, horríveis, são a melhor piada que temos. Dante. Dante. Dante.

    Dante engoliu em seco, sentindo o peso da Energia Cósmica da criatura pressionando contra ele. Diferente de Rupestre ou dos Felroz, essa coisa emanava uma força tão densa que parecia criar uma aura visível ao redor de seu ombro e torso. Ele usava placas de ferro brutas em cada membro, como uma armadura improvisada, mas eficiente. Não era apenas um monstro. Era um guerreiro. Um demônio.

    — Quem… ou o que você é? — perguntou Dante, sua voz firme, mas carregada de cautela.

    A criatura riu, um som grave que ecoou pelo abismo como o trovão de uma tempestade distante.

    — Eu sou o que você nunca será, humano — respondeu ele, erguendo a espada. — Eu sou o fim do seu caminho.

    Dante apertou os punhos, sentindo a Energia Cósmica fluir por seu corpo. Ele não tinha tempo para medo, nem para dúvidas. Havia apenas uma coisa a fazer.

    — Impressionante que esses bichos aparecem só pra mim — disse ele, assumindo uma postura de combate. — Pode vir, saco de merda. Foram os seus monstrinhos que pegaram o meu pessoal. Então, vou descontar em você minha raiva.

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