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    Dante sentiu o frio metálico da espada vibrando entre seus dedos, cada fibra de seu braço tremendo com o esforço para segurá-la. Mas a lâmina também tremia, como se hesitasse entre ele e Moonlich. O ar ao redor estava pesado, carregado por uma energia densa que fazia sua respiração pesar no peito. Ele não deixaria. Não permitiria que Moonlich puxasse. Não cederia nada.

    — Ainda quer resistir? — A voz de Moonlich era um murmúrio envolto em escárnio, ecoando pela escuridão ao redor. Seu aperto na lâmina ficou mais firme, e com um puxão feroz, tentou arrancá-la das mãos de Dante. A criatura era absurdamente forte, mas Dante não soltou. Seus músculos queimavam, um calor dolorido que subia do ombro ao pulso.

    Moonlich não sorriu. Apenas ergueu a espada, como se testasse seu peso, e a segurou no alto, a lâmina de um verde espectral zunindo ao deslizar pelo ar.

    — Aqui é onde descobrimos quem é quem, Comandante Dante. — O nome dele foi pronunciado duas vezes, como um eco ameaçador. — Dante.

    Então, a lâmina desceu.

    I

    Freto parou abruptamente no meio da sala, seu olhar fixo em um ponto indefinido à frente. Um frio súbito percorreu sua espinha, um arrepio gelado que se instalou bem no centro do peito. Ele levou a mão até ali, pressionando levemente o uniforme, como se algo estivesse… ausente. Não era dor física. Era algo mais profundo, um vazio pequeno, mas tão intenso que parecia um buraco sem fundo.

    Uma dor em forma de saudade.

    — Que sensação estranha… — murmurou, as palavras escapando antes que ele pudesse segurá-las. Seus olhos vagaram pelo espaço à sua frente, e, por um instante, memórias antigas tentaram emergir, mas foram interrompidas pelo som da porta se abrindo.

    Dalia e Tecno entraram apressados, debatendo sobre missões externas. Suas vozes eram firmes, práticas, alheias à inquietação que se instalava na sala. Mas Freto não prestou atenção. Seus olhos encontraram os de Crish, que estava do outro lado do recinto, também com a mão sobre o peito.

    Ela sentia a mesma coisa.

    Crish estava abatida. Havia algo quebrado em sua expressão, um peso invisível pressionando seus ombros. Sem dizer uma palavra, ela caminhou até o fim da sala e se afundou em uma cadeira, abaixando a cabeça. Freto a seguiu, sem pensar, sentando-se ao seu lado. Não precisava de palavras para entender o que ela sentia, porque ele sentia o mesmo.

    Dalia e Tecno continuaram discutindo sobre as missões, indiferentes ao que acontecia ali, como se aquela dor silenciosa fosse invisível para eles. Mas Freto sabia. Crish sabia.

    Ele esticou a mão e tocou suavemente o joelho dela, apertando de leve, como se esse gesto pudesse de alguma forma ancorá-los.

    — Está tudo bem. — Sua voz era baixa, mas carregada de uma certeza que ele mesmo queria acreditar. — Ele está bem. Sei disso.

    Crish apenas assentiu, soltando um resmungo fraco. Seus dedos ainda apertavam o tecido branco da farda, como se segurassem algo mais do que um uniforme.

    Freto sabia o que ela pensava. Ele mesmo tentava afastar a possibilidade. A Energia Cósmica que se esvaíra podia ser qualquer coisa… qualquer coisa, menos aquela que eles haviam imbuído na farda de Dante.

    Ele não queria acreditar que o homem pelo qual ainda oravam estivesse…

    Não. Ele não queria acreditar.

    Talvez fosse apenas coincidência.

    Apenas isso.

    II

    Moonlich ficou tão impressionado quanto surpreso ao ver o ferimento que havia feito no peito de Dante simplesmente se fechar. Filamentos da carne e também dos órgãos se misturando, puxando entre si, interligando suas partes.

    Se regenerando mais rápido do que um humano deveria fazer.

    Dante também ficou chocado. Seu peito se fechava, mas a dor não havia sumido. Apenas aquele ferimento se fechava. Sua mão e seus braços ainda estavam em carne viva. No entanto, o que ele mais temia havia sumido de seus pensamentos.

    Ainda estou vivo.

    Ele levantou o pé no momento que Moonlich desceu a espada. E a Energia Cósmica se uniu ao seu corpo da mesma forma que tinha sumido da última vez. De uma só vez, junta e compacta. Porém, muito inferior ao que ele havia pensado ser possível.

    A lâmina travou na sua bota. A criatura manchada simplesmente não acreditou ao ver o humano se mexer daquele jeito. Mas, pela força e a cara que Dante fazia, estava no limite.

    — Não vai escapar disso, humano.

    Ele desceu mais uma vez, mas Dante foi mais rápido. Ele desceu sua perna e chutou a canela de Moonlich, o fazendo perder o equilíbrio. Aquele pequeno intervalo que ele se descuidou, Dante ergueu suas pernas novamente, e jogou seus braços para trás.

    Num chute explosivo e um grito de batalha, o humano cessou mais uma vez as criaturas manchadas.

    Moonlich foi lançado para trás, arrastando seus pés no chão. Ele tocou o próprio peito, dessa vez, a placa de ferro que o protegia realmente foi amassado. Quando encarou o humano, ele tinha dificuldade para ficar de pé, mas estava.

    Os braços em carne viva e a perda de sangue. Aquela maldita determinação tinha voltado. Seus olhos, aquelas olhos negros de um verme, ainda o fitavam sem medo de morrer.

    — Mesmo que tenha ganhado uma segunda chance no meio dessa sua loucura, ainda é um humano sem Energia Cósmica. — Rapidamente ergueu sua mão livre e a área inteira foi selada. — Não vai poder usar sua Habilidade. Apenas eu tenho o controle…

    Dante avançou. Não importava quantas vezes aquela criatura manchada falasse sua língua, não permitiria que ele subisse para a superfície. Era seu plano, então, Dante só precisava terminar a batalha da maneira que seu pai faria.

    — Sua Energia Cósmica está apenas em 1% — ouviu Vick em sua mente novamente. — Sua pele, seus órgãos, sua mente e sua alma foram selados, Dante. Se programe para que possa sobreviver a Maldição da Restrição.

    Ele não atacou com o punho, mas fingiu um golpe pela direita. Seu inimigo rapidamente veio a bloquear, mas antes de terminar o movimento, Dante se jogou para a lateral. Segurou o braço dele, e o arremessou contra o chão.

    De costas no chão, Moonlich viu o punho de Dante descer contra seu peito.

    — Ainda não é páreo para me derrotar, hu…

    A explosão emendou a placa de ferro para dentro de sua carne, perfurando as camadas de proteção mais abaixo. Sangue voou de sua boca.

    Dante o puxou pelo colarinho e empurrou sua cabeça contra a parede, explodindo a pedra e criando um tremor de leve. Moonlich segurou a pedra e girou, acertando a cabeça de Dante. O humano e o monstro recuaram, ficando de frente para o outro.

    Era perigoso continuar assim. Moonlich sentiu o impacto, o golpe que foi deferido. Seu peito ficou exposto, mas o humano estava fraco. Ele não parecia conseguir manter a constância de antes, mas… era sua chance.

    Num impulso repentino, ele surpreendeu Dante. Abriu o punho e fez sua palma subir pela barriga, expelindo sangue da boca dele. Mas, no meio da dor, Dante sorriu de volta. Aquele mesmo sorriso do começo da batalha, aqueles mesmos olhos que nunca desistiam.

    — Quer tanto me matar, desgraçado? — Dante segurou o pulso dele, e numa joelhada, fez a placa da barriga se contorcer para dentro. Girou o pulso novamente dele, torcendo ao ponto de fazê-lo gritar, e seu chute acertou o joelho.

    Moonlich dobrou-se na frente dele. Dante gargalhou ao fechar o punho.

    — Sabe o que significa viver? — Ele explodiu outro soco no meio do rosto. A carcaça de Moonlich torceu no quinto golpe seguido. — Significa que você pode morrer.

    Dante deu uma cabeçada nele. E afastou num passo, avançou chutando o queixo e mandando a criatura para cima. Era sua última fagulha de força, sua última fagulha de esperança. Se não pudesse derrotá-lo ali mesmo, então, o enviaria para o Abismo, para os confins do inferno.

    Não importava se ele tivesse que cair, faria para salvar seus entes.

    Render o ensinou a viver uma vida sem arrependimentos. Vick lhe deu uma chance de morrer com dignidade, então, faria o que fosse preciso para isso. Era sua chance.

    Deu seu primeiro, depois segundo com extrema dor, e começou a correr na direção de Moonlich que ainda estava no ar. Viu que ele esticou a mão para a borda. Ele usaria sua habilidade, faria com que a Energia Cósmica fosse restaurada para que voltasse.

    Se esse era o destino de alguém que viveu uma vida inteira querendo vencer, então, sua única derrota do lado de fora seria para a própria morte.

    Dante saltou para o meio do Abismo. E vendo que o humano se aproximava dele, Moonlich berrou.

    — Saía daqui, verme. Saía daqui agora.

    Dante gargalhou para ele, assustando Moonlich, assustando as criaturas manchadas e até mesmo os Abissais que assistiram a luta em silêncio aquele tempo inteiro.

    — O que foi, Moonlich? — Dante mostrou seu sorriso. — Está com tanto medo assim de morrer?

    A Energia Cósmica de Dante, o que restou dele, foi suficiente para se reunir em seu punho. Ele converteu tudo o que tinha para aquele momento, somente para aquele instante.

    — ‘Puro Punho’.

    O soco revolveu a última placa de metal de Moonlich. A pressão de ar foi forte o suficiente para enviar o ferro inteiro para dentro de sua carne. Ao mesmo tempo, o fluxo da Energia Cósmica explodiu para trás, na direção de Dante, forçando seus dedos e sua carne a serem rasgados.

    Os dois se distanciaram no meio do escuro. E começaram a decair no meio do Abismo.

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