Capítulo 246: Balanceio
A cabeça doía mais do que o corpo. As memórias que viu, de sua mãe e seu pai se despedindo, esticando seus braços enquanto choravam. O rosto de Linda, sua preciosa mãe, afundada sobre o peito do marido.
Se lamentava pela perda do filho ou por que nunca mais o veriam? Dante não sabia responder.
O que mais doía não era somente a memória deles, mas sim sua casa sendo devastada pelos sonhos sombrios. A criatura manchada de nome Moonlich surgia, sorrindo, mostrando sua face para assombrá-lo até mesmo nos sonhos.
Como faria para salvar a todos quando ele podia desfazer sua habilidade? Que tipo de estratégia deveria tomar?
Quantos anos fazia desde que não pensava mais em lutar de forma inteligente. Sua força era o pilar para sua vitória. Tanto tempo, tantos anos aprendendo, e jogado fora no seu último combate.
Perdeu tudo o que um dia lutou para conquistar.
O medo não era de perder o que conquistou depois de sair de casa, mas sim o que era seu antes mesmo de deixá-los.
I
Dante levantou a cabeça, expelindo todo o ar para fora. Assustado, desesperado, molhado dos pés a cabeça, ele sentiu como se estivesse afundando todo aquele tempo. No entanto, diante seus olhos, vigas de madeiras corridas cruzando-se sobre as outras.
Ele piscou algumas vezes. O peso do cansaço abatendo seus ombros. Então, percebeu ao puxar os braços o som de correntes batendo.
Voltou a deitar. Mas, procurou sua mão direita. A carne estava no lugar, sua pele parecia remodelada, costurada do pulso até seu cotovelo. As correntes o prendiam pelo pulso, mas Dante focou apenas na palma, onde pontos foram fechados sobre os espinhos que haviam o perfurado.
— Finalmente o velhote acordou, hein.
Dante ergueu a cabeça vendo um homem arrastar a cadeira para perto dele. Os cabelos eram negros, esticados para trás e presos em um rabo de cavalo. As orelhas tinham dois cortes na ponta superior, parecendo ter sido feito por adagas.
Ele arqueou a mão, em um sinal de amizade. Os olhos dele, pretos como a noite, se estreitaram ao vê-lo se afastando.
— Não precisa ficar tão medroso. Se eu quisesse te machucar, tinha te deixado se afogar no Rio Abissal. — O homem virou-se de costas, indo até sua escrivaninha. Assim que sua cadeira parou, o recinto inteiro se moveu para a direita lentamente.
Dante foi guiado junto com a cama, as correntes arrastando com ele.
— Você caiu de uma altura muito grande — continuou o homem. — Foi uma descida e tanto, sabia? Eu nunca tinha visto um humano sobreviver a uma queda, mas depois que vi que tinha um pequeno Sugador com você, entendi o motivo.
— Sugador? — Dante sentiu sua garganta arder no momento que a palavra saiu de sua boca.
O homem virou a cabeça, concordando.
— Não sabia que ele estava com você? Cara, ele salvou a sua vida. — De dentro da gaveta, o homem retirou um pequeno corpo, ele era minúsculo, menor do que Dante lembrava. Dormindo, com os olhos fechados, e o corpo retraído. — Ele só consegui falar…
— Nic.
Dante foi a frente, mas as correntes o puxaram de volta. Ele tentou puxar o braço direito, torcendo a corrente, no entanto, apenas um pequeno rangido se formou. A dor voltou a acertar seu corpo completamente, e ele caiu deitado.
Soltou um berro. Suas costas, pernas e braços…
— Está doendo porque você não se recuperou por completo. Aqui, não precisa ficar tão desesperado. — O homem se aproximou arrastando a cadeira e colocou Nic, tão pequeno e confortável em seu sono, bem ao seu lado. — Como eu disse, se eu quisesse vocês mortos, eu tinha deixado você no Rio Abissal.
— Onde eu estou?
— Por enquanto, está vivo. Alias, tenta não ser tão explosivo. Seu corpo não se recuperou mesmo depois desses meses que ficou desacordado. — O homem parecia um doutor pelo que Dante percebia. — Posso aplicar um remédio na sua barriga ou vai gritar?
A espada de Moonlich. Dante ergueu a cabeça. Sua barriga tinha pontos, unido a carne e pele, exatamente iguais aos de seu braço. Doía ainda, mas era muito menos do que quando tinha enfrentado a criatura manchada.
— Deu sorte da sua roupa ter propriedades curativas, sabia? — O dedo do doutor foi enfiado num pote e saiu todo melecado com uma pasta branca. Fedia e soltava fumaça. — Não sei como fez aquilo, mas eu tive que tirar para ninguém suspeitar de você.
Ao tocar o ferimento da barriga, a carne esfriou e se retraiu.
— Tem muita gente na Aurora Negra que gostaria de ter uma roupa daquelas. Você teve sorte e esse carinha te salvou.
— Como… ele fez isso?
— Não vou entrar em muitos detalhes técnicos, mas sua Energia Cósmica estava sendo drenada. O Rio Abissal faz isso com qualquer ser vivo que adentra ele. — O doutor puxou a mão de volta e pegou outro pote. — Por isso ninguém fica banhado nele. Ele desaba no Oceânico Polar I, e se você tivesse vivo até cair nele, ia morrer pelas criaturas marinhas.
Dante não estava entendendo mais nada. Esperou que a outra pomada fosse posta em cima para, então, perguntar:
— Quanto tempo estou aqui?
— Tempo é relativo. Mas, faz muito tempo. Desacordado, uns dois meses.
Dante abaixou a cabeça, encarando o teto novamente. A cama, ele e o doutor na cadeira forma se movendo para a esquerda lentamente.
— Dois meses?
— Desacordado — reforçou o homem. — Você teve uma queda de dois mil metros. Eu vi você caindo, mas não pude te pegar na hora. A gente costuma pegar muitas ervas quando atracamos em pequenos postos.
— A Zona Cega…
— O Farol, no caso. — O homem bufou. — Não sei porque foram construir algo tão perto de um Abismo. Todas aquelas criaturas ficam ali para se manter longe de predadores. A idiotice tem limite e cobra caro.
Aurora balançou mais uma vez, voltando para o ritmo calmo de antes. O doutor parou de aplicar a segunda pomada e ajeitou um curativo branco por cima. Depois de guardas os potes, sentou-se encarando Nic.
— Ele foi corajoso. Nunca vi um Sugador durar tanto fora do seu habitat, mas pela habilidade dele, acredito que não vai ter problema se ficar com você. Camuflagem é uma das habilidades mais difíceis de se encontrar por ai.
Clara, Marcus, todos eles estavam dois meses de distância. Tanto tempo desacordado, e sem sua Energia Cósmica. Ele havia feito o acordo com Vick. Isso… poderia chamar ela.
“Acesso Negado”.
Dante ficou pasmo. Ele tentou mais uma vez, fechando os olhos e chamando por ela. A IA estava com ele, a marca ainda estava no seu braço.
“Acesso Negado. Acesso Negado”.
Dante engoliu em seco. Ele tinha perdido tudo. Exatamente tudo o que tinha conquistado e até mesmo o que já era seu.
— Não fique tão mal assim — disse o doutor após ver sua cara. — Muita gente não tem a mesma sorte que você teve. Um idoso caindo de tal altura, uma roupa que te livrou dos piores ferimentos e um pequeno Sugador que usou a própria Energia Cósmica pra que você não fosse morto pelo Rio Abissal.
Houve uma pausa e Dante ainda se manteve estático na cama. Sorte ou não, estava longe de tudo o que conhecia e preso por correntes.
— Sorte não é uma palavra que gosto tanto de usar — respondeu Dante.
— Nesse caso, é a única que pode falar.
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