Índice de Capítulo

    A cabeça doía mais do que o corpo. As memórias que viu, de sua mãe e seu pai se despedindo, esticando seus braços enquanto choravam. O rosto de Linda, sua preciosa mãe, afundada sobre o peito do marido.

    Se lamentava pela perda do filho ou por que nunca mais o veriam? Dante não sabia responder.

    O que mais doía não era somente a memória deles, mas sim sua casa sendo devastada pelos sonhos sombrios. A criatura manchada de nome Moonlich surgia, sorrindo, mostrando sua face para assombrá-lo até mesmo nos sonhos.

    Como faria para salvar a todos quando ele podia desfazer sua habilidade? Que tipo de estratégia deveria tomar?

    Quantos anos fazia desde que não pensava mais em lutar de forma inteligente. Sua força era o pilar para sua vitória. Tanto tempo, tantos anos aprendendo, e jogado fora no seu último combate.

    Perdeu tudo o que um dia lutou para conquistar.

    O medo não era de perder o que conquistou depois de sair de casa, mas sim o que era seu antes mesmo de deixá-los.

    I

    Dante levantou a cabeça, expelindo todo o ar para fora. Assustado, desesperado, molhado dos pés a cabeça, ele sentiu como se estivesse afundando todo aquele tempo. No entanto, diante seus olhos, vigas de madeiras corridas cruzando-se sobre as outras.

    Ele piscou algumas vezes. O peso do cansaço abatendo seus ombros. Então, percebeu ao puxar os braços o som de correntes batendo.

    Voltou a deitar. Mas, procurou sua mão direita. A carne estava no lugar, sua pele parecia remodelada, costurada do pulso até seu cotovelo. As correntes o prendiam pelo pulso, mas Dante focou apenas na palma, onde pontos foram fechados sobre os espinhos que haviam o perfurado.

    — Finalmente o velhote acordou, hein.

    Dante ergueu a cabeça vendo um homem arrastar a cadeira para perto dele. Os cabelos eram negros, esticados para trás e presos em um rabo de cavalo. As orelhas tinham dois cortes na ponta superior, parecendo ter sido feito por adagas.

    Ele arqueou a mão, em um sinal de amizade. Os olhos dele, pretos como a noite, se estreitaram ao vê-lo se afastando.

    — Não precisa ficar tão medroso. Se eu quisesse te machucar, tinha te deixado se afogar no Rio Abissal. — O homem virou-se de costas, indo até sua escrivaninha. Assim que sua cadeira parou, o recinto inteiro se moveu para a direita lentamente.

    Dante foi guiado junto com a cama, as correntes arrastando com ele.

    — Você caiu de uma altura muito grande — continuou o homem. — Foi uma descida e tanto, sabia? Eu nunca tinha visto um humano sobreviver a uma queda, mas depois que vi que tinha um pequeno Sugador com você, entendi o motivo.

    — Sugador? — Dante sentiu sua garganta arder no momento que a palavra saiu de sua boca.

    O homem virou a cabeça, concordando.

    — Não sabia que ele estava com você? Cara, ele salvou a sua vida. — De dentro da gaveta, o homem retirou um pequeno corpo, ele era minúsculo, menor do que Dante lembrava. Dormindo, com os olhos fechados, e o corpo retraído. — Ele só consegui falar…

    — Nic.

    Dante foi a frente, mas as correntes o puxaram de volta. Ele tentou puxar o braço direito, torcendo a corrente, no entanto, apenas um pequeno rangido se formou. A dor voltou a acertar seu corpo completamente, e ele caiu deitado.

    Soltou um berro. Suas costas, pernas e braços…

    — Está doendo porque você não se recuperou por completo. Aqui, não precisa ficar tão desesperado. — O homem se aproximou arrastando a cadeira e colocou Nic, tão pequeno e confortável em seu sono, bem ao seu lado. — Como eu disse, se eu quisesse vocês mortos, eu tinha deixado você no Rio Abissal.

    — Onde eu estou?

    — Por enquanto, está vivo. Alias, tenta não ser tão explosivo. Seu corpo não se recuperou mesmo depois desses meses que ficou desacordado. — O homem parecia um doutor pelo que Dante percebia. — Posso aplicar um remédio na sua barriga ou vai gritar?

    A espada de Moonlich. Dante ergueu a cabeça. Sua barriga tinha pontos, unido a carne e pele, exatamente iguais aos de seu braço. Doía ainda, mas era muito menos do que quando tinha enfrentado a criatura manchada.

    — Deu sorte da sua roupa ter propriedades curativas, sabia? — O dedo do doutor foi enfiado num pote e saiu todo melecado com uma pasta branca. Fedia e soltava fumaça. — Não sei como fez aquilo, mas eu tive que tirar para ninguém suspeitar de você.

    Ao tocar o ferimento da barriga, a carne esfriou e se retraiu.

    — Tem muita gente na Aurora Negra que gostaria de ter uma roupa daquelas. Você teve sorte e esse carinha te salvou.

    — Como… ele fez isso?

    — Não vou entrar em muitos detalhes técnicos, mas sua Energia Cósmica estava sendo drenada. O Rio Abissal faz isso com qualquer ser vivo que adentra ele. — O doutor puxou a mão de volta e pegou outro pote. — Por isso ninguém fica banhado nele. Ele desaba no Oceânico Polar I, e se você tivesse vivo até cair nele, ia morrer pelas criaturas marinhas.

    Dante não estava entendendo mais nada. Esperou que a outra pomada fosse posta em cima para, então, perguntar:

    — Quanto tempo estou aqui?

    — Tempo é relativo. Mas, faz muito tempo. Desacordado, uns dois meses.

    Dante abaixou a cabeça, encarando o teto novamente. A cama, ele e o doutor na cadeira forma se movendo para a esquerda lentamente.

    — Dois meses?

    — Desacordado — reforçou o homem. — Você teve uma queda de dois mil metros. Eu vi você caindo, mas não pude te pegar na hora. A gente costuma pegar muitas ervas quando atracamos em pequenos postos.

    — A Zona Cega…

    — O Farol, no caso. — O homem bufou. — Não sei porque foram construir algo tão perto de um Abismo. Todas aquelas criaturas ficam ali para se manter longe de predadores. A idiotice tem limite e cobra caro.

    Aurora balançou mais uma vez, voltando para o ritmo calmo de antes. O doutor parou de aplicar a segunda pomada e ajeitou um curativo branco por cima. Depois de guardas os potes, sentou-se encarando Nic.

    — Ele foi corajoso. Nunca vi um Sugador durar tanto fora do seu habitat, mas pela habilidade dele, acredito que não vai ter problema se ficar com você. Camuflagem é uma das habilidades mais difíceis de se encontrar por ai.

    Clara, Marcus, todos eles estavam dois meses de distância. Tanto tempo desacordado, e sem sua Energia Cósmica. Ele havia feito o acordo com Vick. Isso… poderia chamar ela.

    “Acesso Negado”.

    Dante ficou pasmo. Ele tentou mais uma vez, fechando os olhos e chamando por ela. A IA estava com ele, a marca ainda estava no seu braço.

    “Acesso Negado. Acesso Negado”.

    Dante engoliu em seco. Ele tinha perdido tudo. Exatamente tudo o que tinha conquistado e até mesmo o que já era seu.

    — Não fique tão mal assim — disse o doutor após ver sua cara. — Muita gente não tem a mesma sorte que você teve. Um idoso caindo de tal altura, uma roupa que te livrou dos piores ferimentos e um pequeno Sugador que usou a própria Energia Cósmica pra que você não fosse morto pelo Rio Abissal.

    Houve uma pausa e Dante ainda se manteve estático na cama. Sorte ou não, estava longe de tudo o que conhecia e preso por correntes.

    — Sorte não é uma palavra que gosto tanto de usar — respondeu Dante.

    — Nesse caso, é a única que pode falar.

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