Capítulo 251: Nokia
— Por que fez isso? — perguntou Dante, recebendo de volta as roupas que usara em Kappz. No confinamento de seu quarto, ele recuperava tudo o que Kamitase lhe havia tomado. — Por que me ajudou?
Pomodoro, agachado diante de um pequeno armário embutido na parede, retirava frascos e os jogava dentro de uma bolsa. Abriu uma segunda bolsa e continuou a despejar os conteúdos das gavetas. Seus movimentos eram rápidos, precisos, como se o tempo fosse um inimigo a ser derrotado.
— Você ia morrer se ficasse aqui — respondeu o doutor, sem olhar para Dante. — Não ouviu nada do que disseram lá em cima?
— Claro que ouvi.
— Então é idiota e não pensa direito — Pomodoro ergueu-se, a bolsa agora pesada em suas mãos. — Bulianto não é só mais um marinheiro. Ele comanda vários navios. E alguém o traiu. Se essa pessoa conhece os navios que Bulianto tem, então, claramente, ele viria atrás deste aqui.
Dante permaneceu imóvel, as palavras do doutor ecoando em sua mente. Pomodoro abriu uma terceira bolsa, desta vez vasculhando as gavetas mais profundas do armário.
— Você não conhece nada desse mundo, mas eu viajei por tempo demais para saber que, no meio do Oceânico Polar, você não pode simplesmente trair um capitão. Isso muda muita coisa, Capital.
Dante sentiu um frio na espinha ao ser chamado assim. Era o nome do primeiro lugar onde estivera, mas não por muito tempo. Agora, parecia que seria assim que o chamariam dali em diante.
— E o que fazemos? — perguntou, sua voz carregada de incerteza.
— Seguimos o Rei. Ele é um conquistador de territórios, então é normal que vá atracar em algum lugar daqui a um tempo. — Pomodoro lançou um olhar de lado para Dante. — Pegue seu colega, fique fora da visão dos outros, e você terá sua chance de encontrar um modo de voltar para casa. Não é o que quer?
— Sim, eu…
O doutor levantou-se e abriu a porta.
— Então, vamos nos movimentar. Está pronto?
— Sim.
Dante seguiu-o, seus passos hesitantes.
I
— Kamitase — disse Bulianto, no meio do convés. — Faça seus homens seguirem até Truman. As ilhas de Filimato são governadas por um tirano. Nós vamos nos mover para lá. Quero que tomem conta das correntes entre as Pedras Gêmeas.
Os cinco homens curvados concordaram em uníssono.
— Sim, senhor.
— Ótimo.
Dante observava o Assistente lançar olhares para Pomodoro e também para a prisioneira escolhida. As amarras foram soltas, de todos. Os punhos de Dante se abriam e fechavam, ele estava mais forte do que na semana anterior, mas a ferida em sua barriga ainda doía quando se movia com força demais.
Vick poderia ajudar, se estivesse em funcionamento.
“Acesso Negado.”
Era a única coisa que ouvia vindo dela quando a chamava.
— Em três semanas — alertou Bulianto. — Quero vê-los lá.
O Rei girou sobre os calcanhares e partiu, atravessando a ponte de volta para o *Nokia*, seu Assistente seguindo-o de perto. No final, Dante ficou atrás de Pomodoro, sentindo os olhares dos cinco homens em suas costas.
Pomodoro havia feito sua jogada sem precisar da aprovação deles. Por algum motivo, o homem que caminhava à sua frente não parecia um prisioneiro. Ele era, de fato, um homem livre.
Assim que pisaram no imenso navio chamado Nokia, os sons dos tripulantes — quase uma centena deles — encheram o ar. Homens e mulheres de todas as cores e feições ergueram punhos e armas. Peles escuras e claras, homens de cor caramelo, sem camisa. Mulheres vestindo armaduras completas, outras com calções e os seios descobertos. Gente de todos os cantos do mundo, vibrando como se o próprio Deus tivesse descido à terra.
Bulianto parou de caminhar ao ver aquela ovação. Com um gesto brusco de braço, todos se calaram.
— Temos novos tripulantes. Um doutor, um medroso, uma mulher e um velho. — Seu braço girou na direção dos novos membros do Nokia. — Deem as boas-vindas.
Eram mais de cem, talvez passassem de cento e cinquenta. A multidão avançou sobre eles, rindo e gargalhando. Pomodoro foi envolvido em abraços longos e tapas nos ombros, arrastado por pessoas com olhares críticos.
O medroso e a mulher também foram carregados para dentro de círculos, observados e bem recebidos. Dante, no entanto, foi parado por vários homens com espadas, lanças e adagas nas mãos.
— Capital é o seu nome — disse um brutamonte, erguendo o braço e apoiando-se no colega ao lado. Eram mais de vinte, trinta ou quarenta, todos encarando-o ali parado. — Então, você também carrega o nome do lugar onde viveu.
Dante foi surpreendido.
— Vocês também receberam o nome dos lugares onde nasceram?
— Claro que sim. Sou Miatamo, uma fazenda no meio do Deserto de Gelo e Fogo, longe até para contar nos dedos. — O brutamonte sorriu, e outros fizeram o mesmo, dizendo seus nomes.
Guaca, Singapura, Egiss, Iowatamo e outras dezenas. Esses homens eram guerreiros trazidos de suas terras para o mar, focados apenas em sobreviver. E, diferente de antes, eles o tratavam com respeito.
— Um senhor de idade que recebe o nome do seu lar é diferente para nós, Capital — disse Miatamo. — Nós respeitamos você, mas também precisamos que você mostre esse respeito. Nós lutamos pelo Rei, então, precisamos que faça o mesmo.
— Eu farei o possível — respondeu Dante, sua mente já planejando como chegar a terra firme e, de lá, encontrar um caminho para as Portas. — E o que os jovens costumam fazer por aqui? Tem algo que fazemos sempre?
— Claro que tem. Nós fazemos banquetes.
Os outros levantaram as mãos, vibrando mais do que todos os outros grupos ao redor.
— Banquete, banquete. Banquete!
Dante mal tinha tomado a conhecer o navio quando foi empurrado para frente por aquele grupo inteiro, se jogando para a parte inferior. Lá embaixo, eles continuaram a erguer suas vozes, falando sobre a última batalha que tiveram.
Um dos Reis tinha feito um estrago e uma das frotas de Bulianto havia sido derrotada e uma outra o traiu. O assunto poderia ser o mais pesado possível, na boca daqueles homens, era tudo uma questão de se divertir.
Fortes e sorridentes, Dante ficou um pouco mais confortável. Ele costumava ser assim antes… antes de perder o que lhe dava a força.
— Nós vamos te mostrar como nós fazemos nossos dias antes de uma batalha acontecer, Capital — anunciou Miatamo. Ele abriu a porta do que parecia ser um quarto. Na verdade, parecia ser um salão.
O tamanho era grande demais para ser dentro do próprio navio e também brilhante demais. Havia uma imensa mesa de madeira, polida, e de cheiro perfumado estendida por quase dez metros. No alto, velas foram postas em todos os cantos, tocando o teto.
Não tinha como ser um lugar dentro do navio, então… como?
— Bem-vindo a nossa caserna.
Dante ficou estupefato.
Centenas de pessoas espalhadas por todos os cantos, com canecas de bebidas em mãos, conversando ou jogando dados. Várias mulheres caminhavam de um lado para o outro carregando as bebidas e comidas para os marinheiros, e também haviam os que trabalhavam atrás do balcão.
Eram homens que enchiam esses copos e jogavam para frente, onde as mulheres tomavam para carregar até a mesa.
E pelo tamanho do lugar, pelas portas nas laterais, ele tinha mais certeza ainda.
— Onde cacetes eu estou?
— Essa é a Caserna, o lugar onde todos da Vanguarda Nokia ficam quando não estão lutando — gritou Miatamo. — Sua casa agora, Capital. Beba, coma, mas sempre responda ao chamado do Rei Bulianto. É assim que vivemos, é assim que nós fazemos o nosso próprio destino.
Deuses, onde vim parar?
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