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    Thelia observou Capital se afastar, murmurando para si mesmo enquanto encarava a própria mão, como se tentasse decifrar algo que só ele podia ver. A espada ainda estava firmemente empunhada, mas seu olhar distante sugeria que sua mente estava longe dali. Ele havia feito Porto lutar a sério, a ponto de forçá-lo a usar sua habilidade, mas parecia que o próprio Capital não tinha se esforçado ao máximo. Aquele velho era uma caixa de surpresas.

    A mão de Thelia ainda tremia, dormente. O impacto do punho de Dante contra o ferro de seu machado havia sido tão forte que seus dedos ficaram paralisados por quase meio minuto. Ela olhou para a palma da mão, ainda sentindo um formigamento persistente, e então ergueu os olhos para Porto, que agora se levantava, seu rosto uma mistura de raiva e frustração.

    — Precisa escolher melhor quem vai xingar — disse Thelia, sua voz séria, quase uma advertência. — Algumas pessoas não vão levar sua provocação como uma determinação. Vão levar como um insulto. E, pelo visto, o Capital não é do tipo que engole desaforo.

    Porto cuspiu no chão, limpando o sangue que ainda escorria do nariz com o dorso da mão.

    — Quero que ele se foda, Thelia — respondeu, sua voz carregada de amargura. — Ele pode ser forte, mas não é um de nós.

    Ainda não é.

    Thelia não respondeu. Sabia que discutir com Porto quando ele estava assim era inútil. Ele era teimoso e orgulhoso, e uma derrota, mesmo que em um treino, era algo que ele levava para o lado pessoal. Ela observou enquanto ele se afastava, na direção da porta que levava ao refeitório. Ele poderia ir embora, mas uma coisa era certa: Porto se lembraria do rosto de Capital. E ela também.

    Thelia ficou parada por um momento, olhando para a porta por onde Dante havia saído. Aquele velho era mais do que aparentava. Ele tinha algo dentro dele, uma força que não era apenas física, mas também mental. E, de alguma forma, ela sabia que ele ainda tinha muito a mostrar.

    Com um suspiro, Thelia pegou seu machado do chão, sentindo o peso familiar em suas mãos. O treino havia acabado, mas a lembrança daquela luta ficaria com ela por um bom tempo. E, no fundo, ela sabia que Capital não era apenas mais um novato. Aparada, bloqueio, floreio e até mesmo sua esquiva.

    Para um senhor de idade, essa técnica não era comum. Já tinha visto espadachins melhores, mas nenhum nessa faixa de idade.

    Parecia que Capital era parecido com muitos dentro do Nokia — tinha seus próprios segredos e seus próprios questionamentos a lidar.

    I

    Dante entrou em seu quarto, ainda olhando para a própria mão, como se tentasse decifrar algo que escapava à sua compreensão. A força que ele outrora possuía parecia distante, quase um sonho. A espada que ele empunhara poderia tê-lo cortado, e quando avistou o corte no dedo, uma tensão fria percorreu seu corpo.

    A memória de Moonlich surgiu em sua mente mais uma vez, como uma sombra persistente. A espada que golpeara sua barriga, as criaturas manchadas que marchavam em direção à cidade, as vidas que poderiam ter sido perdidas. Ele tocou a cicatriz em seu ventre, e a dor pareceu voltar, latejante e aguda. Segurando-se na parede, respirou fundo, tentando afastar os fantasmas do passado.

    — Seu ferimento parece que se abriu — a voz de Pomodoro ecoou atrás dele, seca e direta. — Parece que você é tão idiota quanto eu pensei.

    Dante virou-se lentamente, encontrando o doutor parado na entrada do quarto, as mãos atrás das costas, observando o ambiente com um olhar crítico. O quarto era simples, quase como os antigos guerreiros livres: uma cama, uma pequena escrivaninha e nada mais.

    — Tenho minhas suposições quanto à sua história, Capital — disse Pomodoro, entrando e sentando-se na cama, os braços cruzados. — Um homem tão velho não deveria se mover daquela maneira. Mas você se moveu.

    — Sempre vivi disso — respondeu Dante, sua voz carregada de uma mistura de orgulho e resignação.

    Pomodoro o encarou, arqueando as sobrancelhas.

    — Quem é que te assombra, Capital?

    — Me assombra? — repetiu Dante, confuso.

    — Acha que me engana? Eu vejo através do que você esconde — disse Pomodoro, seus olhos fixos e impenetráveis. — Naquele momento, você ia acertar Porto com tudo o que tinha. Poderia não ser suficiente para matá-lo, mas foi essa a intenção.

    Dante não respondeu de imediato. Desde quando Pomodoro estava observando? Ele pensou que suas ações haviam passado despercebidas, mas o doutor parecia ver além das aparências.

    — A honestidade é uma arma poderosa para as pessoas certas — continuou Pomodoro, sua voz calma, mas firme. — Posso não ser o mais forte, mas sei o que tenho que fazer para continuar seguindo em frente. Você, por outro lado, parece… perdido.

    — Não estou perdido — respondeu Dante, sua voz um pouco mais áspera do que pretendia.

    — Está, sim.

    Dante respirou fundo, sentindo o peso das palavras de Pomodoro. Ele não queria mais conversar, não queria ouvir. Desde que fora salvo por aquele homem, mais de uma vez, entendera que Pomodoro era diferente. Seu jeito de falar, sua forma de pensar, seu raciocínio — tudo ia além da simplicidade que normalmente caracterizava os guerreiros. A simplicidade de apenas atacar.

    — Se não se desgarrar desse seu medo, do que te assombra, vai acabar machucando pessoas inocentes — disse Pomodoro, levantando-se da cama.

    Ele estava ereto, confiante, sem medo algum de Dante. Não havia intenção hostil, nem mesmo receio. Apenas indiferença.

    — Todo mundo tem segredos, Capital — continuou Pomodoro, passando por Dante em direção à porta. — Eu vim ver se você estava bem porque sei que, quando pesadelos se tornam reais, é fácil se perder. E você não precisa se preocupar… garoto.

    A espinha de Dante estremeceu ao ouvir a última palavra. Ele girou, mas Pomodoro já havia saído, deixando a porta aberta. O silêncio que se seguiu foi pesado, como se as palavras do doutor tivessem aberto uma ferida que Dante preferia manter fechada.

    Ficou ali, parado, olhando para a porta aberta, seus pensamentos agora tão expostos quanto o quarto vazio ao seu redor.

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