Capítulo 259: Armadilha
Quando Dante voltou para conversar com Porto, não esperava encontrá-lo já no campo de treinamento. Apenas um dia havia se passado desde o confronto, e ele ficou impressionado com a quantidade de pessoas que agora se reuniam para treinar. O ambiente estava vivo, cheio de energia e determinação.
Enquanto isso, em outro lugar do navio, Bulianto esticava os braços para trás, esperando que suas serventes ajustassem seu casaco. Ele não precisava fazer força; elas amarravam seus cadarços, abotoavam suas vestes e ajustavam o cinto para que sua calça ficasse perfeita. A seguir, veio a armadura. A pesada placa do Dragão Negro foi colocada sobre seus ombros, as ombreiras em formato das asas da criatura, seguida pelas joelheiras e a proteção da virilha. Bulianto fechou os olhos ao sentir o peso da armadura sobre seu corpo, como se estivesse se preparando para carregar o mundo.
Quando abaixou os braços, suas serventes se afastaram, e ele chamou:
— Nekop!
A porta rangeu ao se abrir, e o anão entrou, caminhando de maneira desengonçada, como sempre, com os olhos fixos em seu livro.
— Senhor, as coisas não estão boas. Nada boas — disse Nekop, levantando a cabeça. Seu rosto estava cheio de marcas vermelhas, e seus olhos tinham profundas olheiras roxas. — Não consegui nem dormir, senhor. Está tudo um caos.
— Dá pra perceber que está ruim — respondeu Bulianto, sua voz calma, mas carregada de autoridade. — O que houve?
— É o Bastardo. Ele está vindo, mais rápido do que antes. Eu interceptei uma mensagem da Frota Sinora. Ele está indo na direção dela agora mesmo.
Bulianto ficou parado, observando a face de Nekop se contorcer de preocupação.
— Senhor, ele vai afundar os outros dois Capitães. Ele quer vingança. É isso que ele quer.
— Por que ele iria querer vingança se nem mesmo fizemos nada contra ele? — perguntou Bulianto, sua voz carregada de incredulidade. Era difícil acreditar que aquele garoto, que outrora fora um aliado, tivesse tanta coragem. — Reúna a Vanguarda. Chame a Frota inteira. Mande uma mensagem para todos os outros navios.
Nekop rapidamente levou a mão ao caderno e começou a rabiscar. Sua habilidade, chamada *Cartas*, permitia que ele enviasse mensagens instantaneamente para qualquer receptor, desde que tivesse o papel correto. Era perfeito para longas distâncias, mas Nekop tinha uma limitação: ele precisava de papéis que nunca se apagassem. Por isso, a Capitã de Sinora era crucial. Se ela caísse, a comunicação da frota estaria comprometida. Ela não era apenas uma guerreira; era o meio de comunicação que mantinha todos unidos.
O aviso de Pomodoro sobre o Rei do Oeste já era preocupante, mas o Bastardo… ele era uma ameaça maior. Bulianto sabia que precisava lidar com ele primeiro
I
No campo de treinamento, Miatamo segurava sua espada, bloqueando os golpes de Guaca. Os dois treinavam arduamente, seus ataques se sobrepondo em um ritmo frenético. Somente quando as lâminas se chocaram, e eles se encararam, que pararam para respirar.
— Está desfocado — disse Guaca, recuando e abaixando a guarda. — Não deixe nada disso te abalar. Sabe que precisamos de você.
Miatamo suspirou e concordou com a cabeça. Ele abaixou os olhos, recuando um pouco e virando-se para pegar uma toalha. Enxugou o suor do rosto, sua expressão carregada de preocupação.
— Não quero parecer desconfortável na frente dos mais novos. Quero apenas que isso acabe.
— Seu antigo colega não vai precisar de uma nova chance — disse Guaca, sua voz firme. — Se quiser, deixe ele comigo.
Miatamo forçou um sorriso, mesmo que triste.
— Eu tenho um acerto de contas antigo demais para deixar para outra pessoa — respondeu ele. — Mas obrigado por isso, amigo.
Guaca assentiu, entendendo o peso das palavras de Miatamo. O Bastardo não era apenas um inimigo; ele era um fantasma do passado, uma lembrança dolorosa que precisava ser enfrentada. E Miatamo sabia que, dessa vez, não poderia fugir.
I
— Senhor, tudo certo — disse Cloud, segurando a cabeça de Sinora pelos cabelos loiros. A mulher e toda a sua tripulação estavam presos. Raízes grotescas brotavam dos buracos do navio, subindo pelas paredes e enrolando-se no mastro. Essas mesmas raízes prendiam todos, como se o próprio navio estivesse vivo e decidido a mantê-los cativos.
Bastardo sentava-se na escada que levava ao timão, seus olhos negros fixos no oceano. A névoa densa tapava a visão, mas ele não se importava. Enxergava além daquele nevoeiro, como se pudesse ver o futuro que se aproximava. Fazia dias que ele só via o cinza das Pedras Gêmeas, o local onde havia sido humilhado, destroçado e deixado para morrer.
— Eles já responderam? — perguntou Bastardo ao seu braço direito, sua voz calma, mas carregada de uma frieza que fazia até Cloud hesitar. — Bulianto já sabe?
— Sim, senhor — respondeu Cloud, soltando a cabeça de Sinora, que pendeu para o lado, inconsciente. — Nós enviamos uma mensagem falsa dizendo que o senhor estava a caminho daqui. Pelo que parece, a Frota vai ser reunida, e a Vanguarda inteira vai estar presente.
Bastardo suspirou, seus olhos ainda fixos no horizonte.
— Isso quer dizer que Miatamo também vai estar — murmurou ele, quase para si mesmo. Em silêncio, levantou-se e desceu os degraus, aproximando-se dos tripulantes de Sinora, presos e adormecidos pelas raízes. — Eles tiveram uma vida velejando, e vai se encerrar assim.
— O senhor não queria a habilidade dela, senhor? — perguntou Cloud, inclinando-se para frente, como um cachorro farejando uma oportunidade.
— Não — respondeu Bastardo, sua voz cortante. — A habilidade dessa mulher era útil apenas porque Nekop está com Bulianto. Ele é a fonte. Se matarmos os dois, conseguimos diminuir a influência do Rei do Leste.
Cloud deu uma risada baixa, aproximando-se ainda mais.
— O senhor conhece bem seus inimigos, senhor. Isso faz toda a diferença. Se as duas Rainhas tivessem ouvido você, estariam agora com as duas partes.
Bastardo não respondeu imediatamente. Ele sabia que as duas Rainhas eram ridiculamente mais fracas do que Bulianto e o Rei do Oeste. Uma frota menor, composta apenas por mulheres, sem terrenos e sem ganhos significativos nos últimos anos. O título de Rainha era mantido apenas porque nenhum dos dois Reis tinha conhecimento dos dois extremos do Oceânico Polar I.
— O Título de Rainha é dado apenas porque nenhum dos dois Reis poderia tomar o controle completo — disse Bastardo, ainda encarando o oceano. — Quando Visoça vai chegar? Estou cansado de esperar.
— Oh, senhor — respondeu Cloud, com um sorriso desdentado. — Visoça é um homem de palavra. Ele vai chegar. Espere mais um pouco. Sabe que é difícil ficar imune às correntes debaixo da água.
Bastardo bufou.
— Essa demora toda me deixa impaciente. Se Bulianto chegar antes da hora, não vamos conseguir reunir os dois.
Cloud aproximou-se, erguendo as duas mãos, como se estivesse acalmando uma fera.
— Pode deixar que já está tudo pronto, senhor. Eu mesmo fiz questão de deixar registrado. Esse navio não vai sair daqui até eles se aproximarem. E quando chegarem…
Ele fechou a mão e bateu na outra palma, o som ecoando pelo convés.
— O senhor acaba com eles.
Cloud não era refinado. Não era da nobreza, nem de um lugar cheio de vida. Ele vinha de um canto onde apenas a sobrevivência importava. E, mesmo com seu jeito simples de falar e agir, ele era eficiente. Um homem como Cloud, mesmo sendo um subordinado, valia mais do que dez conselheiros corajosos sussurrando ao ouvido de Bastardo.
— Então, vamos esperar por Visoça — disse Bastardo, sua voz finalmente mostrando um vislumbre de satisfação. Ele sabia que, quando Visoça chegasse, o verdadeiro jogo começaria. E, desta vez, ele não pretendia perder.
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