Capítulo 26: Beira da Morte (II)
Dalia enviou a mensagem e ergueu a cabeça. Tecno e ela encararam o cubo. Apenas o som de dor vindo da superfície. Se houvesse qualquer chance de Dante estar ouvindo, ela rezou para que os Deuses atendessem.
Não queria morrer, como nenhum deles. Morrer depois daquilo tudo seria uma desonra. Ela ainda precisava fazer Tecno um Tenente, precisava recuperar a honra que perdeu. Não poderia deixar a morte alcançá-la de jeito nenhum.
Um imenso grito de batalha soou. Todos ergueram suas cabeças ao mesmo tempo. Diferente dos gemidos de dor ou das formas dos Felroz se comunicarem, esse não pertencia a nenhum deles. A não ser exceto…
— Dante.
Tecno se levantou enquanto a cor azulada havia retornado ao Cubo.
— Mas quem cacetes é Dante? — Gorumet perguntou irritada do outro lado. — É um Recruta?
Freto deu uma risada e Crish também.
— É o nosso Recruta, Oficial Gorumet — disse Dalia, mostrando um sorriso de canto.
E então, a voz se tornou audível, um chamado tão alto que pareceu se estender por quilômetros.
— TECNO. — Sons de impactos distantes ainda causavam muito desconforto. — EU ESTOU TE OUVINDO.
O próprio Oficial deu uma risada.
— Dante, está me ouvindo mesmo?
— Estou, cacete. — A voz soava com um disparo, um tiro para todos os lados. — Eles estão aqui fora. Como tiro vocês dai?
Tecno se reuniu com Dalia que tocou o Cubo também.
— Dante, é a Oficial Dalia. Preciso que pegue todos os Cubos de Frequência que estão no Acampamento, e leve com você. Assim que estiver a cinquenta metros, insira sua Energia Cósmica em todos eles ao mesmo tempo. Você está lutando contra os Felroz?
Houve um silêncio e um estrondo no alto.
— Peguei os cristais. Sim, derrubei uns três deles. Preciso levar para longe?
— Carregue todos eles para o mais longe que puder. — Dalia encarou Gorumet e chamou rapidamente. — Assim que estiver distante, quero que você me diga gritando. Nós vamos sair do nosso esconderijo.
Os gritos dos Felroz foram sendo transmitidos cada vez mais para longe a cada segundo. Talvez cem… não, duzentos metros.
— Eu estou em posição, senhora. Pode sair.
I
— Estamos subindo. — Dante ouviu de Dalia. — Mande desativar a habilidade. Precisamos nos ocultar e sair o mais rápido que podemos.
Dante já tinha injetado sua Energia Cósmica nos cubos e os jogou ao redor. Os Felroz atacaram de todos os lados, e ele desviou de dois, rebateu o terceiro e usou as costas para girar por cima de um com as pernas esticadas, chutando os próximos. Ele subiu como um peão de cabeça para baixo e socou quem estava debaixo dele.
Abaixou e socou o ar, esquivando em sequência. O ar se deslocou sob pressão e enviou a criatura para longe. Seus olhos não paravam de se mover, prevendo os ataques em sequência, mas mantendo a postura e recuando um passo de cada vez.
Quando dois Felroz atacaram ao mesmo tempo, ele cruzou os braços, parando-os. Entrelaçou seus dedos contra os deles, apertando, e fazendo ambos de arma. Como um chicote, ele brandiu o corpo deformado dos dois para mandar os demais para longe, e bateu em frente, causando um avanço de ar que levantou a grama e também mais dois inimigos. Dante jogou o Felroz que segurava na direita e no ar e bateu nele com o da esquerda. Fez o mesmo com o da esquerda, o deixando suspenso no ar e chutando para a lateral.
Ainda não. Ainda não.
“Ainda não, Dante. Conversão em 4%”.
Ele bloqueava mais e mais, aumentando sua defesa e deixando que os Felroz se agrupassem novamente. Usou a grama para arrastar seu pé e a cabeça para trincar a testa de um dos que se arriscou a chegar perto demais.
E Dante se viu gargalhando. Mais uma vez, no meio daquele caos todo, ele estava fascinado pela luta. Por todo o treino que passou, cada uma das batidas em sua pele, a condensação dos seus músculos. A Energia Cósmica se acumulou ao redor da sua pele.
Render… como um fantasma, tinha surgido novamente entre os Felroz. A imagem do homem com sua roupa tradicional de treino, empunhando a espada de todos os dias. O rosto expressivo, determinado, o fitando de longe, analisando o que seu filho fazia.
— Pai…
— Preste atenção na sua postura — disse Render caminhando lateralmente para ele. — Está deixando que eles fiquem mais fortes. Acabe com suas defesas. Agora, filho.
Dante ergueu o punho e gargalhou. Vick soou em seu ouvido.
“Conversão em 5%, Dante. Agora”.
— Eles estão vindo pra cá — ouviu um berro vindo da outra ponta.
Dante parou o movimento e moveu-se para frente.
I
— Eu estou vendo eles, Rubbem. — Rutteo tinha cerca de seis Oficiais ao seu lado, e estavam todos seguindo adiante. — Precisa se firmar com Dante na batalha. Ele deve estar no meio daquela confusão toda. Nós iremos usar uma das habilidades para que sejamos carregados de volta para a Capital.
Rubbem concordou. Nunca esperou estar ali fora dessa maneira. Sabia dos riscos, de como era enfrentar inimigos noturnos e receber os Oficiais da Capital para missões. Agora, desde que se dava como gente, nunca tinha ouvido de algo como um ataque em conjunto dos Felroz dessa maneira.
Sempre achou que fossem histórias.
— Rutteo, um dos Felroz acabou de sentir a gente — disse o Oficial Grunt apontando. — Precisamos avançar agora. Cabo Rubbem, vai, moleque. Vai agora.
A espada foi libertada e Rubbem subiu as pernas para a sela e saltou. No meio do ar, sua respiração ficou pesada. O Felroz estava se aproximando muito rápido deles. Consigo chegar lá antes?
O corpo daquela criatura era medonho. Chifres e os dentes retorcidos para fora. Rubbem sentiu seu estômago embrulhar. Sua mão estava se abrindo do cabo da espada. Consigo vencer aquela… coisa?
— Rubbem — ouviu Rutteo gritar.
O mundo parecia em câmera lenta para si. Os cavalos, os Oficiais, a grama, o vento… tudo parecia estar estático. E uma centelha azulada emergiu ao seu redor. Como um relâmpago cortando as gotas de chuva no céu, e descendo para atingir a árvore em terra, Rubbem se deslocou em zigue-zague.
O azul iluminava aquele final da tarde, tão alarmante como uma fogueira no meio da escuridão. E ele brandiu a espada libertando todo o seu espírito de luta de uma só vez.
Ele apareceu diante do Felroz, e os raios se uniram à sua lâmina. Um ataque que ele não testava muitas vezes por medo de não dar certo, mas agora, naquele momento, podia fazer sem precisar se segurar.
— ‘Lampejo Ardente’.
As milhares de centelhas cortaram juntos, explodindo para trás de uma só vez. O Felroz gritou enquanto milhares de agulhas feitas de relâmpagos lhe cortavam incansavelmente. E mesmo assim, Rubbem abriu a boca, descrente, com medo. Apavorado.
O Felroz ergueu a mão ainda recebendo o ataque e libertou um grito de dor excruciante, arrepiando sua espinha toda. É aqui que vou morrer?
— Sai de perto dele, seu desgraçado.
Uma braçada, eles viram o braço de Dante esticado amassando o pescoço do imenso demônio e o jogou para trás com apenas força bruta. Rolando e batendo uns contra os outros, as criaturas se ergueram juntas.
E Dante disparou pra frente.
Rubbem caiu sentado. Sua mão tremia, desse jeito, largou a espada. E viu o velho esquivar e entrar em combate contra mais de uma dezena ao mesmo tempo. Não era só Rubbem, quando ele virou para procurar pelos Oficiais e Soldados presos, suas caras eram as mesmas. Bocas abertas e travados.
— Precisamos ir, agora. — Rutteo desceu do cavalo e pegou Tecno, ajudando ele a caminhar. — Vamos logo. Isso não é hora para ficarem impressionados. Nico, conjure o portal agora, use o Protocolo de Abertura.
O Oficial desceu rapidamente e tirou um papiro da sela do cavalo, o jogando no chão.
— Me dê um minuto, chefe.
— Certo. Alguém avisa ao Dante.
Rutteo viu Tecno erguer um Cubo que brilhava, e o Oficial avistou Dante saltar bem alta com seu bolso brilhando. E deu um sorriso orgulhoso para Tecno.
— Desgraçado esperto. Você deixou um com ele de propósito.
— Tudo pela senhora Dalia — respondeu Tecno com um sorriso todo cansado.
Rutteo pegou o cubo e rapidamente o usou.
— Dante, preciso que envie os Felroz para longe. Vamos conjurar um portal para levar todos de volta. É uma técnica que consome muita Energia Cósmica. Eles vão farejar e vir atrás. Consegue segurar eles?
O punho de Dante explodiu um dos Felroz para longe, mas ele não respondeu de cara. Mesmo assim, as costas do Recruta estavam viradas para Rutteo e os demais. Com a palma aberta, ele lançava um para o chão, abriu um rombo em outro e lançou mais de dez com um rugido.
Todos ali taparam seus ouvidos na mesma hora.
— Mas que porra? — Nico praguejou perdendo um pouco da concentração e deixando a pena cair de sua mão. — Quem é esse desgraçado?
Gorumet caiu sentada ao lado de Nico, respirando fundo.
— Ele é o Recruta da Dalia.
I
— Use os socos, os chutes, mas não deixe que eles avancem, garoto. — Render brandia a voz pra ele furiosamente. — Não os deixe passar. Como vai proteger se seus punhos sequer podem se equiparar aos monstros desse lugar?
Dante não forçou a base, mas seus socos continuavam encaixando. Não importava como, não importava mais a situação que seus movimentos teriam. A conexão entre um soco, um giro, a esquiva e seus pés determinava o quanto ele poderia sair dali.
E quando o gancho encaixou, e bloqueou usando a outra mão, ele mudou a trajetória do punho e todo o ar se converteu ao seu movimento. Mais de vinte foram jogados para longe, mas nenhum morto.
“Ainda é insuficiente para romper seus cascos, Dante. Precisa unir um soco concentrado”.
— Se eu fizer isso, vou explodir tudo ao redor. — Seus 5% ainda eram o limite. Não poderia ir além disso. Se não controlasse… perderia o limite.
Abriu a boca e liberou um imenso rugido que mandou mais dez para longe. E quando deu um passo para frente, sentiu a estranheza em sua nuca. Um dos Felroz apareceu, e ele girou bloqueando com o antebraço.
O soco o jogou muito para trás, batendo contra os demais e caindo mais longe. Dante respirou pesado e levantou erguendo a mão. Mais três deles estavam em ângulos diferentes, vindo de mão aberta.
Isso é…
— Seu movimento está sendo copiado.
Dante ergueu a mão e mexeu os dedos todos juntos. A pressão de ar sequência, como uma onda feita de vento, travou seus movimentos, dando tempo para que recuasse mais alguns passos. Ele ergueu a cabeça, Rutteo já ordenava que as pessoas adentrassem o portal.
— Só mais um pouco. — Dante avançou e segurou o chifre de um deles, se lançando para cima, e o arremessando para baixo, de cabeça ao solo. Num pisão, afundou o crânio. Ele ainda está se mexendo.
Girando entre os ataques e mordidas, Dante tentava se lançar para o outro lado. Mas as mãos enormes dos Felroz os seguravam, puxando e lançando de volta. Não, preciso voltar.
Ele tentou subir, mas agarraram sua perna dos dois lados, e o puxaram contra o solo. Abriu a boca e rugiu, enviando uma onda de ar, mas não poderosa o suficiente. Os Felroz tentaram bater nele, mas foram enviados para longe. Dante usou a palma da mão para criar uma pressão e se arrastou pela grama em alta velocidade.
Rutteo ergueu a mão, acenando desesperadamente.
— Vamos, não temos mais tempo. Ele vai fechar.
Dante correu em sua direção e o viu entrar. O portal azulado não tinha outro lado, mas seu brilho mesclou para um roxo. Os Felroz chegavam na sua direção, e Dante ousou olhar para trás. Seu pai havia sumido, mais uma vez.
Ele pulou para dentro do portal ao mesmo tempo que soltou uma risada.
I
Dalia e Tecno ficaram observando o portal ondular quando Rutteo passou. E ele também esperou pacientemente. Tecno e Freto apoiavam-se um no outro, e Crish batia na própria perna, esperando o retorno.
Então, outra ondulação em cor roxa. Ela voltaria para a cor azulada, apenas mais um pouco. No entanto, uma lança atravessou o portal conjurado e ele explodiu em fragmentos roxos.
Juntos, encaram o Capitão Hermes em cima do palanque de madeira, com Micael do seu lado. Ambos com suas fardas completas, as boinas, e mais três Oficiais atrás.
— Mas que porra estão fazendo aqui, seus merdas? O que deu na cabeça de vocês para conjurarem um portal desse lado da cidade? — Hermes gritou para eles, completamente irado. — Perderam a cabeça?
O portal estava fechado. Eles encararam o Capitão juntos. Os dentes de Dalia batiam um no outro, trêmula, ela começou a respirar pesadamente, sem conseguir se controlar, quase soluçando.
— Seu filho da puta, Hermes. — Ela berrou o mais alto que pôde. Não, Dante ainda não tinha voltado. Hermes pagaria, pagaria com a própria vida. — Capitão de merda. O que você fez? Afunde… Afunde agora no meio da própria…
Rutteo e Tecno avançaram, puxando e tapando sua boca. Eles a puxaram para trás, a jogando contra o chão e prendendo a voz de se libertar. Tecno colocou a mão nos olhos dela e Rutteo nos lábios, Freto veio correndo e segurou os braços dela, prendendo perto do corpo.
— Acalme-se, Dalia. Acalme-se, cacete — mandou Rutteo. — Ele ainda pode estar vivo. Ele tem que estar vivo. Não perca a postura.
Tecno nem precisou dizer nada. Ele sentia a palma da mão molhada. A Oficial Dalia estava chorando em silêncio.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.