Índice de Capítulo

    Bulianto ficou parado, como uma estátua de gelo, observando Dante assumir o posto de Miatamo. O velho, com uma calma que beirava a insolência, levara Fockus — um dos inimigos mais perigosos em campo aberto, conhecido por suas chamas devoradoras — pelo pescoço, como se estivesse lidando com um gato desobediente. E, em um movimento que parecia quase desdenhoso, Dante inverteu o papel, atacando mesmo em desvantagem numérica.

    Miatamo, ferido e exausto, recuara com a ajuda de alguns de seus homens, mas o plano de Bastardo estava se desenrolando como uma sinfonia macabra.

    Ao separar Egiss e Guaca de Miatamo, Bastardo abrira uma ferida na Vanguarda. Pior ainda, ele colocara homens que conheciam Miatamo intimamente, como os Irmãos Enguias — famosos por terem sido derrotados anos atrás em um porto distante, humilhados pelo próprio Miatamo. Agora, eles estavam ali, não apenas para lutar, mas para se vingar.

    — Senhor — a voz de Nekop cortou o ar, ofegante e carregada de urgência. O anão chegou correndo pelo convés, seu livro aberto em uma mão, os olhos cheios de preocupação. — A Sinora não responde. Ela sequer recebeu a mensagem que enviamos para se juntar a nós.

    Bulianto virou-se lentamente, seus olhos estreitando-se como os de um predador que sente o cheiro de sangue.

    — E os outros dois? — perguntou ele, sua voz baixa, mas carregada de uma fúria contida. O combate não cheirava bem, e cada vez mais ele sentia o peso da armadilha se fechando ao seu redor. — Onde estão aqueles dois, Nekop?

    O tom de Bulianto foi brutal, cortante como uma lâmina. Os curandeiros que trabalhavam próximos pararam por um momento, trocando olhares nervosos. Nem Nekop, acostumado com as explosões de raiva de seu capitão, estava preparado para aquilo. O anão abaixou a cabeça, sentindo o peso da culpa por não ter sido rápido o suficiente.

    — Senhor, me perdoe… — começou Nekop, sua voz trêmula. — Eles foram interceptados pelo Rei do Oeste a caminho daqui. Parece que… os dois foram… mortos.

    A mão de Bulianto se fechou, os nós dos dedos brancos de tanto pressionar. Então, era verdade. Bastardo, do outro lado do campo de batalha, em um navio à distância, cruzava os braços, observando com um sorriso frio.

    Não era apenas um desafio; era uma orquestra cuidadosamente montada para a queda de Bulianto. A tomada de seu título, de tudo o que ele conquistara ao longo dos anos, era o que Bastardo desejava. E ele estava disposto a queimar o mundo para conseguir.

    — Então, somos nós contra uma esquadra inteira — murmurou Bulianto, respirando fundo e fechando os olhos por um momento. Ele abaixou a cabeça, lutando para não deixar a raiva o consumir. — Ainda tenho um pouco de tempo. Se nós recuarmos agora…

    Uma explosão cortou o ar, abalando o navio como um trovão. Bulianto ergueu a cabeça ao mesmo tempo que Nekop se jogou no beiral, tentando ver o que havia acontecido.

    Os Irmãos Enguias haviam usado um golpe elétrico, despejando raios em todas as direções. A madeira do convés rachou e queimou, estilhaços voando pelo ar. E, no meio do caos, Dante estava de pé, sua mão erguida, protegido por uma aura que o envolvia completamente.

    — Eu disse que era perigoso — o grito de Dante ecoou pelo campo de batalha, carregado de ironia e uma pitada de diversão. — Porra, como querem lutar dessa maneira? Se é assim, então, que seja.

    Dante jogou a espada de volta na bainha e correu em direção aos dois irmãos. Ele saltou entre os relâmpagos, desviando por centímetros, mas os raios o seguiam como serpentes famintas. Pulou no mastro, fazendo com que os irmãos se arrastassem até lá, e deu a volta na placa de madeira, jogando-se para trás. A explosão que se seguiu causou um estrago no mastro principal, que rangeu e balançou, as velas tremulando como bandeiras em uma tempestade.

    — O que… ele está fazendo? — murmurou Bulianto, seus olhos fixos no velho que agora parecia mais um demônio do que um homem.

    A mulher que Bulianto resgatara do barco de Kamitase surgiu ao lado de Nekop, saltando diretamente para o chão. Gelo brotou de seus pés, criando uma trilha congelada que ela surfou com facilidade.

    — Capital, aqui! — ela gritou, estendendo a mão e conjurando uma imensa parede glacial que tomou os dois irmãos pela esquerda.

    Dante saltou, usando a rajada de vento das mãos da mulher para deslizar ao lado dela, uma gargalhada escapando de seus lábios.

    — Vocês não esperavam por isso, não é?

    Um dos irmãos gritou, apontando para Dante com raiva:

    — Venha nos enfrentar como um homem, seu velho!

    O outro concordou, faíscas elétricas saltando de seus pulsos.

    — Isso mesmo. Pare de ser um rato e venha nos enfrentar!

    A resposta de Dante foi outra gargalhada. Ele fez uma curva e saltou, ficando bem ao lado de Trahaus. Os dois continuaram seguindo pelo mesmo caminho, mas Dante tocou o ombro dela.

    — Preciso tirar Guaca de lá.

    — Vai — respondeu Trahaus, sua voz firme.

    Ela ergueu a mão, e o gelo se rompeu de uma só vez, criando uma rampa na direção do navio onde Guaca estava preso.

    Bulianto ficou estupefato. Ele não sabia o que Dante e Trahaus haviam conversado naquele pequeno espaço de tempo, mas se a missão era resgatar Guaca… então, o plano de Bastardo estava prestes a ruir. E se os dois fossem recuperados, metade dos planos do inimigo seria drenada como areia entre os dedos.

    E se… não, Bastardo não teria ido até ali sem saber dos riscos de enfrentar seus homens. Ele conhecia cada um deles, suas forças e fraquezas, como um general que estudara seu inimigo por anos. Ele sabia o que iria enfrentar.

    — O plano dele é nos destruir completamente — murmurou Bulianto, seus olhos fixos no caos que se desenrolava ao redor. — Então, ele tem certeza de que não vamos nos mexer para ajudar. Interessante. Ele pode saber daqueles que estavam presentes quando ele foi deixado para trás, mas os mais novos…

    Bulianto respirou fundo, sentindo o peso da decisão em seus ombros.

    — Não preciso ter pena de um homem que não sabe diferenciar suas ações de boas e ruins — disse ele, sua voz carregada de uma frieza que fazia até Nekop estremecer.

    Do meio do navio, Fockus reapareceu, suas chamas dançando ao redor de seu corpo como serpentes famintas. Ele correu em direção à rampa de gelo, mas, antes que pudesse se aproximar, uma espada voou em sua direção. O homem desviou, jogando-se para o lado, obrigado a cessar seus passos.

    Irritado, Fockus virou-se e viu Thelia Porto de pé, segurando seu machado com uma mão. A outra mão tocava seu peito, que subia e descia em respirações pesadas.

    — Eu não vou deixar que você atrapalhe — disse Thelia, sua voz firme, carregada de determinação. Sua pele começou a se tornar prateada, uma tonalidade escura que ganhou forma até o pescoço, como se estivesse se transformando em metal. — Não queria um pedacinho de mim, seu merda? Então, vem. Vamos para o nosso acerto de contas.

    Fockus grunhiu com raiva, suas chamas se estendendo para frente, formando novamente suas armas de fogo.

    — Eu te acertei uma vez — disse ele, um sorriso cruel estampado em seu rosto. — Não vai ser difícil fazer uma segunda vez. A sua fraqueza é a mesma que a do seu irmão. Então, vou matar os dois e depois vou atrás daquele desgraçado.

    Dante passou deslizando pelo gelo ao redor, dando gargalhadas ao ver Fockus de pé novamente.

    — Eu não sabia que você acordou — disse Dante, sua voz cheia de ironia. — Cansou de ficar dormindo?

    — Você é um merda, seu velho — respondeu Fockus, sua voz carregada de ódio. — Me pegou de guarda baixa. Não vai acontecer de novo.

    Dante gargalhou mais uma vez e passou para a rampa. Jatos de ar dispararam de suas palmas, acelerando seu movimento. Ele ficou na ponta dos pés, liberando mais ar pela sola dos pés, impulsionando-se para frente. E então, ele se libertou da rampa, jogando-se para o alto.

    Miatamo, Bulianto, Thelia e Trahaus assistiram, estupefatos, enquanto o velho subia mais e mais, sua risada ecoando pelo campo de batalha.

    No navio à frente, Guaca foi empurrado contra o chão, sua garganta presa pela mão de Rampus, e seus dois punhos imobilizados por Blink e Zapi. Os dois forçavam suas solas nos dedos de Guaca, arrancando um gemido de dor.

    — Gosto de ouvir isso vindo de um traidor — disse Rampus, esticando seu machadinho e parando a lâmina bem no meio da testa de Guaca. O suor escorria pela lâmina, dividindo-se em dois. — Sente medo de nós agora? O que você sente quando está prestes a ser destroçado?

    — Sinto… — os olhos de Guaca se desgrudaram dos de Rampus, fixando-se em algo acima deles. Lá em cima, bem perto das velas, um idoso parecia girar no ar algumas vezes. — Capital…?

    Blink deu uma risada, seu tom cheio de desdém.

    — Capital? Ele já enlouqueceu? — zombou ele, apertando ainda mais os dedos de Guaca.

    Mas, antes que Rampus pudesse cravar o machado na testa de Guaca, uma sombra caiu do céu como um raio. Dante aterrissou com um impacto que fez o convés tremer, suas mãos estendidas e uma aura de poder irradiando de seu corpo.

    — Desculpem o atraso — disse Dante, sua voz calma, mas carregada de uma ameaça silenciosa. — Parece que cheguei na hora certa.

    Rampus, Blink e Zapi recuaram, seus olhos arregalados de surpresa. Dante olhou para Guaca, ainda no chão, e deu um sorriso.

    — Acho que você precisa de uma mão, amigo.

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