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    Foi pouco, mas suficiente para que o Conselho desse algumas horas para que eles respirassem de verdade. A fuga do oceano e também como Bulianto tornou a cair afetou o Conselho de Trumam como se fossem eles quem estivesse lá.

    O passo que Bulianto tinha com essas pessoas era diferente. Talvez, mais do que os seus próprios tripulantes conheciam ou ouviram. Cada vez que Dante escutava algo de Bulianto na boca daquele povo, mais era certeza de que o homem viveu uma vida procurando mais do que riquezas ou poder.

    E tendo aquele tempo para descansar, Dante foi o primeiro a se afastar do grupo. Encostou-se no tronco grosso de uma árvore, respirando devagar. O vento balançava suavemente as pontes suspensas e o rangido de madeira se misturava aos ruídos de animais invisíveis. A floresta nunca estava quieta. Ele puxou o charuto do bolso, mas não acendeu. As chamas podiam atrair olhos demais naquele lugar.

    Guaca sentou-se no chão de pernas cruzadas, a espada atravessada nas coxas. Olhava para os galhos, perdido em pensamentos, mas seu pé não parava de bater no assoalho de madeira, impaciente. Já Miatamo caminhava de um lado para o outro, como uma fera presa, o peso de cada passo fazendo a madeira ranger de maneira incômoda.

    — Estamos muito expostos aqui — resmungou Porto, finalmente quebrando o silêncio. Estava encostado perto da borda, os olhos espiando lá embaixo, onde o Nokia parecia uma mancha distante. — Qualquer desgraça e eles cortam as cordas e nos deixam despencar. Não confio nessas árvores.

    — Não precisa confiar nelas — respondeu Miatamo, a voz grave, irritada. — Só precisa manter a mão na espada.

    — Fácil para você dizer — Porto retrucou, virando-se. O suor escorria pela têmpora, sujando a barba curta com um brilho de sal. — Você vai ser o primeiro a cair, grande demais pra esses galhos te segurarem.

    — Que tal vir me empurrar, então? — Miatamo parou, encarando-o como um touro pronto para investir.

    Dante soltou um suspiro lento, sem tirar os olhos do horizonte.

    — Vocês dois estão prontos para brigar aqui? No meio da casa dos outros? Essa é uma situação que precisa ter calma. Parem de ficar afobados. Precisamos de tempo, um pouco de calma.

    Os dois ficaram imóveis por um instante. Porto olhou para baixo, Miatamo para longe. Nenhum dos dois pediu desculpas.

    Guaca limpou a garganta.

    — Eles não vão aceitar nossa proposta. Nem com conversa, nem com moedas. Vão querer algo mais.

    — E você acha que tem algo mais pra dar? — Dante se virou agora, encostando as costas no tronco e cruzando os braços. Seus olhos estavam cansados, fundos, mas não menos atentos. — O Bastardo está com a vantagem. Nós estamos com um navio meio afundado e uma tripulação quebrada. Nekop me disse que Sinora eram que fazia acordos com esse pessoal.

    O nome dela caiu como um prego enferrujado no chão.

    — Ela devia estar aqui — resmungou Porto. — Sinora sabia falar com eles. A língua deles. Os sinais das árvores, as palavras certas. O que acha, Capital? Será que conseguimos alguma coisa vindo aqui? Miatamo é grande, mas a cabeça dele não pensa direito.

    Dante não respondeu de imediato. Olhou para Guaca, depois para Miatamo, que mais procurava borboletas ao redor, e então voltou os olhos para Porto.

    — Eu só tenho uma coisa certa: se a gente não segurar Truman, o Bastardo vai tomar tudo. E depois vai nos caçar um por um.

    Guaca ergueu a cabeça.

    — E se Truman quiser vender a cidade pra ele? E se eles já estiverem negociando?

    — Não estariam nos ouvindo se já tivessem fechado negócio — disse Miatamo, de costas, mas havia uma dúvida amarga nas palavras.

    O som de uma madeira estalando acima deles os fez erguer os olhos em uníssono. Um esquilo de cauda espessa passou correndo, mas ninguém relaxou depois disso.

    — Estamos ferrados — Porto cuspiu no chão entre as pernas. — Se eles fecharem com o Bastardo, vão nos entregar de bandeja. Ele vai querer nossas cabeças como presente.

    — Não vai ser de bandeja — Dante disse, agora com a voz endurecida. Ele se ergueu de onde estava encostado e se aproximou devagar, como se ponderasse cada palavra. — Se forem nos entregar, vamos ter que fazer valer cada um de nós. Não viemos pra morrer. Não ainda.

    Miatamo assentiu, o rosto uma máscara de pedra. Guaca afagou o cabo da espada, mas não disse nada. Porto bufou.

    — Talvez fosse melhor a gente sair daqui, antes de ficarmos cercados.

    — E ir pra onde? — Miatamo rebateu. — O mar? O Nokia nem chega na próxima ilha.

    O silêncio caiu de novo. A tensão era um fio esticado, pronto para se partir. Cada um deles sentia o peso da ausência de Bulianto. Antes, ele era o que mantinha as coisas juntas. Agora, estavam amarrados uns aos outros, mas com nós frouxos demais para aguentar outra tempestade.

    Dante soltou o ar com um meio sorriso sem humor.

    — Então parem de resmungar. Guardem suas forças pra quando a gente realmente precisar delas.

    Porto voltou a olhar para o mar. Guaca inclinou a cabeça pra trás, os olhos fechados por um momento, respirando fundo o cheiro da madeira velha. Miatamo se sentou enfim, as pernas abertas, os cotovelos apoiados nos joelhos largos.

    A tarde foi morrendo aos poucos, o céu tingido de cinza e laranja através das folhas. As luzes âmbar acenderam de novo, espalhadas pelas cordas, e o vento trouxe o cheiro de algo cozinhando — peixe, talvez, misturado com ervas que Dante não conhecia. Mas ninguém comeu. Nem falaram mais nada.

    Esperaram. Como prisioneiros esperando pela sentença. E cada um deles sabia que, em breve, a decisão de Truman cairia sobre suas cabeças.

    E talvez, fosse um machado.

    Quando um dos empregados dedicou quartos a eles, os Vanguardistas foram. Queriam mais do que tudo descansar, mas estavam presos demais aos seus próprios medos e receios. Dante não os julgava, ele mesmo tinha os seus.

    Foi o único que permaneceu parado, encarando o navio longe.

    Novamente, perdido. Novamente, sem um rumo certo. Ele queria retornar para casa, mas precisava do Desejo. E agora, quanto mais pensava nas palavras do Bastardo, mais fazia sentido que o Oceano fosse um Lagmorato.

    Uma terra disputava, no meio do nada, que dava influências para as demais.

    — Pelo menos, parece que não tem nenhum Felroz aqui.

    A imagem de Moonlich ainda o açoitava. A criatura manchada realmente deixou uma marca em seu interno, uma que Dante não poderia esquecer. E quanto mais tentava questionar uma forma de conseguir trazer Vick de volta, mais entendia que precisava retornar para Kappz.

    Talvez, Veronica saberia.

    Dante abaixou a cabeça, respirando fundo. Que saudade de casa

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