Capítulo 28: Ida e Vinda (II)
Dante arregalou os olhos. Seu peito, costas e braços, não, o corpo todo estava doendo. O cheiro de terra molhada também torceu seu nariz pro lado. Ele forçou o rosto para a direita, foi quando deu de cara com uma mulher.
Uma fraca luz sacudia de um lado para o outro lentamente, mostrando os olhos castanhos dela, e seus longos cabelos brancos. Na verdade, o cabelo se misturava a lama,
A dor pressionou mais e ele fez uma careta. A mulher levou a mão aos lábios, pedindo silêncio. E abaixou vagarosamente, tocando o solo. Dante respirou pesadamente, e virou o rosto para cima. Algo bateu bem entre ele e a mulher, uma pata grossa, com a pele descamada, tão preto quanto a noite.
Por cima de si, ele não enxergava o que era, mas a sensação, tinha certeza de que era um Felroz.
Quis fazer esforço, queria levantar, mas a dor inteira o travou no lugar. Dante permaneceu imóvel. E antes de ter forças para se mexer, sua mente colapsou.
Sonhou com sua casa de madeira no Vilarejo. Na porta, seu pai o esperava com a espada de madeira. Ele tinha o queixo erguido, e um sorriso orgulhoso. Poucas vezes tinha a chance de ver seu pai mostrar um semblante tão grandioso.
— Sua atitude foi correta, filho.
E ele voltou a acordar. Quando abriu os olhos, havia um pé em seu peito, pressionando exatamente no lugar que doía. sol irradiava por cima, bem no meio do céu, ocultando o rosto da pessoa, e Dante sentiu o frio cano de uma Carabina de Pressão encostar em seu pescoço.
— Primeiro, não se mova — o homem disse sério. O capuz em sua cabeça também ocultava bastante seus olhos. — Segundo, você vai permanecer bem quieto até que a dona Silver volte. Terceiro, você caiu no meio de um monte de merda. Está fedendo bastante.
Dante concordou com as três suposições.
— A única que entendi direito foi a terceira. Parece que estou cagado.
Ouviu uma risada baixa do homem.
Dante mexeu seus olhos. Havia prédios torcidos atrás de si. Janelas quebradas, as estruturas tombadas, até mesmo um arranha-céu cruzando outro, como se fosse um só. As lojas destruídas, o chão torcido. Era uma cidade em ruína.
A vegetação havia dominado o cenário. As trepadeiras subiram as vigas de ferro, e o capim parecia ter se fundido com as rochas, dando um aspecto bem mais vivo para o lugar. Mesmo destruído, o sol brilhando e o verde bem forte tiravam a escuridão que tinha assistido antes de desmaiar.
Até o cheiro era diferente.
— Em que parte da Capital nós estamos? — perguntou ao homem, mas sentiu o cano da arma pressionar mais sua garganta. — Não quero problemas, só não sei onde estou.
— Sei disso. Sei bem disso. Ninguém cai do céu do nada no meio da noite, faz um buraco no meio da bosta de Felroz e depois sai ileso. — A arma continuou firme, o dedo no gatilho. — Ninguém… faz isso.
Dante engoliu em seco, com dificuldade por causa da arma, mas engoliu.
Ele adentrou o portal antes dele sumir, lembrava disso. Era para estar perto da Capital, pelo menos bem perto dela. Talvez entre o primeiro Acampamento e ela?
Era para ser isso. Não tinha como ter errado.
— Marcus, por favor. — A voz veio mais de trás. — Já estou aqui.
Marcus ergueu a cabeça um pouco e puxou a arma, e depois retirou o pé de cima de seu peito. Dante pôde respirar de novo, ganhando mais volume no peito e tossindo várias vezes.
— Que cheiro ruim, nossa senhora.
— Você tem sorte.
A mulher do dia anterior. Ela ajoelhou com uma pequena cumbuca cheia de pasta verde. Passou um dedo dentro e aplicou no pescoço de Dante.
— Caiu de uma altura muito alta e não bateu contra os Felroz. Foi muita sorte.
— Uma puta sorte — ouviu de Marcus ao lado. O homem segurava a Carabina como se fosse uma criança, com o cano virado para o chão, e um dedo agarrado ao gatilho. — Se fosse um metro pra direita, seria pisoteado. Se fosse um pra esquerda, bateria em um deles e morreria. Coloca bastante sorte nisso.
A pasta no pescoço, Dante sentiu adentrar sua pele e rapidamente descer para ferimentos internos. Sua Energia Cósmica condensou, e os músculos tomaram a absorver o dano da batalha do dia anterior.
— Eu… — Ele ficou sentado, olhando para os prédios em volta, para a cidade esticada em uma imensa rua principal com vários veículos metálicos jogados no meio do caminho. — Onde eu estou?
A mulher não o respondeu de imediato. Ela e Marcus se entreolharam primeiro.
— O nome dessa cidade é Kappz — respondeu Clara. — E se quiser me ouvir em outro lugar, eu conto o que vimos ontem a noite.
I
Uma queda com mais de um quilômetro, foi o que ouviu deles.
Eles saíram do meio da rua, tinham entrado em uma porta que dava para uma escada longa e extensa. Subiram uns 100 lances até saírem dentro de um prédio que havia sido tombado dentro de outro. Ali em cima, a estrutura estava intacta, a cobertura deles tinha uma imensa zona de plantações pequenas, e colchonetes.
Mais ao canto, cadeiras largas, baixas quase tocando o chão. Ele pediu e teve a permissão para se sentar. Marcus, o atirador, não tirava os olhos dele. A arma virada propositalmente para frente, na direção de seu peito, Dante sentia que se movesse bruscamente, mesmo que pouco, tomaria um tiro.
A seriedade do homem era tanta que nem mesmo debaixo daquele sol todo deixava o capuz cair para trás. Seu rosto ficava tapado sempre.
— Não sei de onde veio — disse Clara pegando uma garrafa com água bem pequena, e entregando a Dante e Marcus. — Sei que caiu muito alto. Estávamos saindo desse lado da cidade quando você tombou. Nós o avistamos assim que subimos pra buscar suprimentos aqui em cima.
— Sorte de novo — comentou Marcus.
Dante não tinha ideia de onde estava e quem eram eles.
— Conhecem a Capital? Eu vim de lá. Não sei como, mas o portal deveria ter funcionado.
Novamente, Clara e Marcus se entreolharam com surpresa.
— Quando diz ‘portal’, está se referindo a um tipo de tecnologia que gera um espaço onde poderia ir e vir sem problema algum? — perguntou Clara. — Como se pudesse ir de um lugar para o outro no mesmo instante?
Dante concordou na mesma hora.
— Esse mesmo. É um…
A arma se ergueu na hora, Marcus levantou a mão e o cano iria colar no peito de Dante quando Clara se levantou na mesma hora, ficando na frente.
— Abaixe essa arma.
— Não, senhora — a voz de Marcus se afundou em raiva. — Ele veio daquela merda de lugar. Tenho certeza disso. Devem ter pegado outra daquelas pesquisas malucas e jogaram esse cara pra testar. Eles fazem de tudo.
— Não temos certeza disso, Marcus. — Clara rapidamente elevou a própria voz. — Não vou tirar a vida de um homem que nem mesmo sabe onde está. Você não sabe.
Marcus balançou a cabeça, querendo negar algo.
— Como… ele caiu daquela distância toda e não morreu? — A arma ainda estava apontada e seu dedo começou a pressionar o gatilho. — Sai da frente, senhora. Deixe eu…
— Ei.
O braço de Dante se elevou, mesmo tremendo de dor. Mas ele não demonstrou medo nenhum daquela arma mirada em seu rosto. Clara e Marcus sentiram a pressão da Energia Cósmica entoar ao lado deles, como um manto pesado.
— Não sou um inimigo — disse Dante. — Eu estava lutando contra Felroz quando caí aqui. Estava ajudando a minha Oficial.
Marcus e Clara o encararam juntos. A última se afastou dele, dando alguns passos.
— Oficial? — sua voz quase falhou. — Está dizendo sobre esses lugares que os militares tomam conta? Você não veio de nenhum lugar que tenha feudo? Dante, o nome do lugar que veio é GreamHachi?
Dante negou na hora, abaixando o braço.
— Acabei de dizer que vim da Capital. Eu estava em missão. Não faço ideia do que seja Gream, sei lá o que.
— Pode ser que seja um forasteiro. — Clara tocou o próprio rosto, preocupada. — O Portal que você atravessou, ele mudou de cor na hora que entrou ou algo assim?
— Sim, de azul para roxo.
Clara parecia ter mais certeza ainda, apontando para Marcus, em olhar pensativo.
— Sabe como funciona um portal, Dante?
— Não, senhora. Apenas sei que eles fazem essa mudança de espaço.
Clara levantou e foi até onde uma pequena mesa de madeira tinha sido montada, mas parecia prestes a desabar quando ela começou a puxar as gavetas. Tirou de dentro um lápis e papel, voltando em sua direção.
— Vamos lá.
Ela colocou o papel no chão e fez um traço nele.
— Dante, o portal funciona como um avanço de espaço, como você disse. Ele diminui o espaço de dois lugares ao mesmo tempo, o permitindo que se unam por um momento. Esse feito é chamado de ‘Ida’. — Ela fez um segundo risco, distante do primeiro. — Esse segundo risco indica o lugar que você estava. A linha entre eles é o que o portal consegue encurtar para a sua ‘Ida’.
Dante entendia razoavelmente bem esses conceitos. Em casa, Talia sempre estudava a tecnologia da Capital para entrar na Inteligência do Comando.
— O que acontece é que os portais são estáveis, mesmo que sua tecnologia seja boa. — Clara fez um terceiro risco entre os dois primeiros e bem na linha traçada. — Quando um portal ondula, ele muda de cor, e é chamado de ‘Vinda’. É um fenômeno que pode te fazer perder a consciência ou pior, morrer. Mas, há casos onde o portal se fecha entre essa instabilidade.
Ela ergueu o lápis, mirando para Dante.
— Você entrou em um portal instável e antes dele conseguir estabilizar, alguém o fechou forçadamente do outro lado.
Marcus assobiou, impressionado.
— Esse ai é mais cagado que ninho de pombo, senhora.
Clara assentiu com a cabeça, impressionada, chocada.
— Dante, você pode ter sido lançado para qualquer lugar no mundo inteiro. O lugar de onde você veio, essa tal Capital, eu nunca ouvi falar.
— Nem eu — completou Marcus, ajeitando a postura da arma. — Nem mesmo lembro de ter visto uma farda igual à sua antes. Branca, com pequenos adornos na lateral. É… bonita demais para qualquer cidade ou acampamento ao redor daqui.
Dante tocou a testa. Se ali não era perto da Capital, e eles nunca tinham ouvido falar do lugar de onde veio…
— Onde cacetes eu estou?
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