Capítulo 29: Longe Demais de Tudo
— Consegue caminhar mesmo? — Marcus perguntou bem sério ao encará-lo levantar. — Seus ferimentos não se curaram. Se o que disse é verdade, o Felroz que te bateu era bem forte. Talvez um mutante.
Dante deu uma risada dolorida e estalou as costas, depois esticou os braços. As juntas pareciam bem no lugar.
— Se eu te contar que briguei com mais de trinta, você acreditaria?
Marcus zombou e deu de costas. Ele era sério demais. Clara passou por ele com um caderno em mãos.
— Ninguém acreditaria, Dante. Temos que partir agora. Você dormiu por quase meio dia, então temos que partir antes do anoitecer. Temos tempo até chegarmos do outro lado da cidade.
O prédio que caminhavam tinha sua outra ponta torcida para cima, quebrada. Pedras haviam se rompido e vigas formavam um campo de espetos cheio de ferrugem. Porém, tábuas foram postas de forma que poderiam passar por cima.
Dante teve certa dificuldade de subir por causa da dor na barriga e peito. Ele tateou curvado e chegou um pouco depois dos dois em outro prédio. Lá de cima, a cidade inteira se apresentou para ele. Larga, gigante, tão extensa que seus olhos não conseguiam ver o final.
— Parece os Campos Verdes — comentou para si. Os dois ouviram. — Perdão. É bem grande.
— É pra ser — disse Clara. — A cidade foi projetada dezenas de anos antes de nascermos. Era uma antiga metrópole, cheia de gente que trabalhava, com muitas coisas a se fazer. No final, quando os Felroz apareceram, isso aqui virou um inferno.
As ruas abaixo ganhavam relevo, rodovias que passavam por cima uma da outra, mas sem uma passagem livre. A mata ganhava forma, escondendo muitas lojas e casas dentro do verde, e mesmo os arranha-céus não tiveram chance contra a natureza.
Ali em cima, Dante tocava também o gramado estendido.
— A regra que temos é se mova de dia, se esconda de noite. — Clara apontou para o norte, onde um imenso prédio em formato de X se encontrava, também originados de um choque. — Lá é pra onde vamos, e depois mais algum tempo para chegar em casa.
— Nossa casa — corrigiu Marcus indo mais a frente. — Ele não mora aqui.
Clara não o corrigiu. Os dois voltaram a andar. Dante não se sentiu bem estando ali. O lugar não era tão ruim, mas não conhecia nada. Essas duas pessoas, não as conhecia e nem mesmo sabia do que se tratavam suas intenções, mas não fazia ideia de pra onde caminhava.
Nas três horas seguintes, Dante prestou atenção nos detalhes dos lugares. Mesmo destruídos, certos pontos se mantiveram intactos, como farmácias e grandes lugares com carrinhos de metal do lado de fora. Não perguntou sobre, e nem queria chamar atenção com perguntas bobas.
Eles desceram o prédio tombado deslizando e passaram por três tábuas juntas. Se aproximavam para descer novamente para a rua. Foi quando Marcus se ajoelhou perto de um beiral.
— Melhor pararmos por aqui.
— Ainda está cedo — disse Clara apontando para o sol. — Temos mais duas horas.
— Não vai dar tempo de chegar lá em duas horas. Não quero ficar agarrado com os Felroz em terra de novo. — E olhou para trás. — Ontem foi um acaso atípico que não quero que se repita.
Dante esperava que Marcus não gostasse dele por qualquer meio, mas sua rixa era com outro povo, ou com vários. Ele não os destratava como Radius fez, suas palavras eram apenas grosseiras e objetivas demais.
— Não temos tempo para perder aqui. Nós conseguimos o carregamento da semana, só precisamos voltar.
Contra a palavra do atirador, Clara Silver desceu mais ainda. E tocou o gramado que cobria as calçadas. Na sombra de uma casa enorme, ela virou para trás e ergueu o braço.
— Está vendo? Pode vir.
Do outro lado da rua, a parede da casa se arrebentou e um Felroz soltou seu grito agudo ecoando por toda a cidade. Dante encarou a criatura e seu coração martelou o peito. A arma de Marcus rapidamente foi para a ponta, e um disparo foi realizado na hora.
O tiro pressurizado acertou o braço largo da criatura de quatro patas. Dante torceu as sobrancelhas. É a mesma criatura da simulação…
Clara recuou dois passos lá de baixo e correu para dentro da loja atrás de si. Marcus soltou um berro.
— Merda, não. Ai não, Clara.
A arma teve a trava puxada mais uma vez e seu cano de ferro tomou a cor avermelhada. Antes de Marcus fazer o disparo, Dante saltou para a mesma descida que Clara havia tomado.
Outro disparo. A criatura rugiu quando seu ombro foi arrancado.
— Menos um braço. Faltam… três.
Dante tocou o chão. Dentro da loja não tinha ninguém. Ele gritou pela Clara, mas ninguém respondeu. Ele olhou para cima, Marcus havia sumido da beirada. Dante encarou a criatura vindo na sua direção.
— Vick, quanto eu tenho?
“Acúmulo de energia em 3%, Dante. Corpo danificado, aconselho a usar ataques base.”
Ele tomou a direção do Felroz, e abriu os dois braços fechando o punho. Arrastou para trás, mas fingiu dar um soco à direita. Seu corpo torceu para a direita… a dor se moveu pelos músculos e carne. Ele rugiu de dor.
O ar se locomoveu. A pressão esmagadora pegou o peito do Felroz e o jogou para dentro da loja, explodindo a parede. O choque quebrou o teto também, as pedras rolaram para cima da criatura, a sufocando.
Dante agachou na mesma hora, cuspindo sangue.
“Corpo danificado em 80%. Tempo de recuperação indeterminado.”
De cima do prédio, Marcus havia erguido a arma e Clara segurava sua adaga. Os dois tinham presenciado algo mais estranho do que os Felroz.
— Ele acabou de bater de frente — disse Marcus, indiferente. — Sem hesitar, ele pulou na direção daquele monstro para te salvar.
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